O
Cavalo De Turim. Cinema Como Não Ação.
O Instituto Moreira
Salles, lá na Gávea, passa neste mês de janeiro a película “O Cavalo de Turim”,
do diretor húngaro Béla Tarr. Realizado em 2011, esse é um filme altamente
singular, pois se trata de um cinema que vai justamente na contramão do cinema,
ou seja, é um filme que trabalha mais a não ação do que a ação.
O filme começa falando
de um tal cavalo que não obedecia ao seu cocheiro, que começa a chicoteá-lo.
Friedrich Nietzsche (ele mesmo!) andava pela rua e presenciou a cena em que o
cavalo era espancado. Traumatizado com a cena, o filósofo se aproxima e
interrompe a surra, abraçando o pescoço do cavalo e chorando. O porteiro do
prédio onde Nietzsche mora o leva para casa, que fica deitado quieto num divã, por
dois dias, antes de murmurar suas últimas palavras para a mãe (“Eu sou burro”).
O filósofo ficou mais dez anos vivo, mergulhado no silêncio e na loucura, sob
os cuidados da mãe e das irmãs.
Pois é. Nietzsche
surtou feio e pirou na batatinha. Mas... e o cavalo? O que aconteceu com ele? É a partir daí que
Béla Tarr e o seu roteirista László Kraznahorkai vão desenvolver sua história.
E o que vemos? Um filme com um belo preto e branco, sempre insuperável, que
mostra um homem velho (interpretado por János Derzsi) vindo com o tal cavalo
que puxa uma carroça por uma estradinha de terra. Ele chega a sua casa, onde a
filha (interpretada por Erika Bók) o recebe. O cavalo é colocado no estábulo e
os dois vão para dentro de casa. Com uma tempestade de vento batendo lá fora,
pai e filha começam toda uma rotina: a filha despe o pai, ela cozinha duas
batatas para comer, é jogado os restos de comida fora, a louça é lavada, o
fogão é alimentado com lenha, dormem. No dia seguinte, a vida começa com a
filha tirando água do poço. E assim, presenciamos a rotina desses dois
personagens por seis longos dias, onde alguns elementos quebram todo esse
ritual.
O filme é angustiante,
pois a tempestade não para um momento sequer e, à medida que a película se
desenrola, sentimos que tudo vai se perdendo, se desvanecendo, com os
personagens numa luta pela sobrevivência em que manter a rotina é a arma
principal. Mas, por mais que pai e filha resistam, a situação é a de um beco
sem saída, com a tragédia iminente e inevitável. A sensação de sufocação surge
em momentos de inação total, tal como o pai que olha a tempestade pela janela,
em longos planos totalmente estáticos. Essa é uma proposta do cinema de Tarr.
Ele acredita que a história não precisa necessariamente se basear na ação humana.
Um homem parado, num canto, pode para o diretor muito bem ser uma história.
Tarr quer um cinema que esteja mais perto da vida do que o cinema. O que se
move é o desenho do quadro, a luz e a sombra.
Tal visão singular de
cinema é expressa num filme de 146 minutos, ou seja, um filme longo, com longos
planos quase estáticos. Isso pode soar extremamente enfadonho (e é!), mas ainda
assim, o filme tem uma rica materialidade visual, realçada pelo poder do preto
e branco, com eventuais lampejos de cores. Se a ação é quase estática, que pelo
menos nós tenhamos um bom desfile de imagens. E isso acontece no cinema desse
diretor muito peculiar.
Assim, “O Cavalo de
Turim” pode ser considerado um cinema de arte extremo, onde o entretenimento é
completamente esquecido em prol da visão cinematográfica do diretor, que prima
pela busca de uma narrativa na não ação. É uma proposta inovadora e, por isso mesmo,
que causa estranheza ao nosso primeiro contato com ela. E não deixe de ver o trailer após as fotos.
Cartaz do Filme
Um cavalo com supostos ares de protagonista
Uma rotina em que batatas são comidas todo o dia
Olhando para o infinito
Exaustão marca o clima decadente do filme
Buscando água
Uma luz que lentamente se apaga
A película tem um belo preto e branco
Uma estranha escuridão aumenta a cada dia
O diretor húngaro Béla Tarr
O diretor húngaro Béla Tarr
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