As
Mil E Uma Noites, Volume 1, O Inquieto. Um Panorama De Portugal Na Crise.
O diretor português Miguel
Gomes é da nova geração de cineastas do cinema lusitano. Ele concebeu um filme
de mais de seis horas, que foi dividido numa trilogia intitulada “As Mil e Uma
Noites”, onde ele usa a história de Xerazade de forma simbólica para contar a
situação atual de Portugal. Neste primeiro episódio, “O Inquieto”, Gomes mostra
uma mesclagem entre documentário e ficção, dividindo sua película em pequenas
partes, numa narrativa cinematográfica um tanto fragmentada mas que,mesmo
assim, possui coesão. Seu fio condutor se ampara na denúncia da situação de
crise econômica extrema pela qual Portugal passou nos últimos anos. Gomes criou
um preâmbulo documental em seu filme onde exibia, simultaneamente, a onda de
demissões num estaleiro e a destruição de colmeias por um tipo de vespa que
levava os agricultores à falência. O diretor procurou buscar um paralelo entre
essas duas situações extremas. Gomes também mencionou que tinha a ideia de
fazer um belo filme que também denunciasse as mazelas sociais da crise, mas
constatou que um filme nesse formato era totalmente impossível. Desesperado,
Gomes sai correndo com a equipe de filmagem correndo atrás dele. Mais tarde,
com os líderes da equipe de filmagem enterrados até o pescoço na areia, Gomes
faz uma espécie de “mea culpa” pela situação constrangedora de vácuo criativo.
Até aí, a coisa estava
um tanto “glauberiana”, com uma narrativa fragmentada e documental. Desse
momento em diante, o panorama mudou um pouco, quando as pequenas histórias do
filme nos mostravam uma narrativa mais tradicional. Nessas histórias prevaleceu
um humor ácido e agressivo contra as instituições políticas e econômicas, o que
despertou muitas gargalhadas do público, que se deleitou com algumas situações
um tanto surreais, como o julgamento de um galo (!) por cantar muito cedo, ou
seja, fora da hora, e despertando a vizinhança, ou a deliciosa reunião entre a
cúpula do governo português e o FMI, com direito a um intérprete brasileiro. A
forma com a qual eles tentaram resolver a crise foi simplesmente genial! Mas
não vou dizer aqui.
Uma parte interessante
do filme tinha entrevistas com pessoas que perderam os seus empregos na crise,
cujos relatos pessoais assustam muito pela semelhança que vemos com nossos
relatos de pessoas desempregadas aqui no Brasil, que espalham seus currículos
por aí e recebem as mais esdrúxulas justificativas para não ser empregadas,
isso quando recebem essas justificativas. Tais pessoas eram tratadas pelo
diretor como “magníficos” e foram a faceta mais nua e crua de como a crise
afetou Portugal.
Esse trabalho de Miguel
Gomes é jovem, inovador, corajoso, sarcástico e, acima de tudo, reflexivo. As
pequenas histórias ao longo da película, amparadas pelo fio condutor da crise,
desmentem a afirmação que o diretor deu ao início do filme. Seu talento
conseguiu tornar viável a realização de um belo filme artístico que falasse de
coisas tão tristes como a crise. Seu senso de humor aguçado fez com que
ríssemos de uma situação tão extrema que Portugal passa, mas, ao mesmo tempo, também
nos entristecemos e nos mortificamos com os depoimentos dos desempregados em
suas pequenas tragédias pessoais que só se remetem a uma tragédia ainda maior,
sendo esta a que, em momentos de crise, as elites ricas que provocaram o caos
jogam todo o fardo da responsabilidade em cima dos menos favorecidos, ou seja,
os ricos fazem os investimentos de risco e as negociatas e, se elas não dão
certo, que o povo pague o preço por isto. Aí fica a pergunta: cadê o Estado
nessa hora? Cadê o Estado que deve proteger o direito do indivíduo e amparar os
menos favorecidos nos momentos difíceis?
Por essas e por outras,
Miguel Gomes se revela como uma das joias do novo cinema português. Vamos
esperar ansiosamente pelos volumes 2 e 3 dessa interessante trilogia. E,
enquanto esperamos, não deixem de ver o trailer do filme depois das fotos.
Cartaz do Filme
Um diretor desesperado e zureta
Mea culpa pela crise criativa
Xerazade vai contar a história de Portugal na crise
O surreal é um elemento sempre presente no filme
Uma esposa espinhosa...
Um galo falante
Uma sereia moribunda
O primeiro banho do ano...
O diretor Miguel Gomes
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