Copacabana,
Mon Amour. Filme De Protesto Delirante.
Surge uma trilogia de
filmes brasileiros em nossas telas. “Operação Sonia Silk” é um projeto de três filmes
de baixo orçamento, filmados em 2012 em cerca de duas semanas, que possuem em
média 70 minutos cada, dirigidos por Bruno Safadi e Ricardo Pretti, sendo
estrelados por Mariana Ximenes, Leandra Leal e Jiddu Pinheiro. Esse projeto foi
inspirado pela produtora Belair, de Rogério Sganzerla e Júlio Bressane, em
1970. Foram criados nessa época, ou seja, em plena ditadura militar com o AI-5
a pleno vapor, sete filmes, dentre eles “Copacabana, Mon Amour”, que será
resenhado aqui. Com relação aos três filmes do projeto Sonia Silk (“Uivo da
Gaita”, de Safadi, “O Rio nos Pertence”, de Pretti, e “O Fim de Uma Era”,
dirigido por ambos), falaremos deles em resenhas futuras.
Por que os filmes da
Belair foram tão importantes? Ao assistir a “Copacabana, Mon Amour”, temos uma impressão
clara dessa relevância. Sganzerla e Bressane eram expoentes de um cinema
marginal e pouquíssimo convencional. Quando vemos “Copacabana, Mon Amour”,
temos a impressão de assistir a “A Idade da Terra”, “Cabezas Cortadas” ou “Câncer”,
de Glauber Rocha, no que tange ao pouco convencionalismo. É um filme que não segue
uma linha narrativa tradicional, mais se parecendo com uma colcha de retalhos
de ideias relativamente soltas, mas que, lá no fundo, interligam-se. A história
é muito simples. Temos uma loura oxigenada da favela, a tal Sonia Silk
(interpretada por Helena Ignez), que usa um minivestido vermelho e sonha ser
cantora da Rádio Nacional. Enquanto ela não atinge o estrelato, ela se
prostitui em Copacabana, sendo a “Miss Prado Júnior”, uma rua conhecida do
bairro por ser ponto de prostituição e de travestis. Ela possui um irmão homossexual
envolvido com candomblé (interpretado por Otoniel Serra), que é perdidamente
apaixonado por seu patrão (interpretado por Paulo Villaça), um homem que o
trata muito mal, mas ao mesmo tempo o usa como objeto sexual.
As locações iniciais do
filme são em favelas da zona sul onde rituais e culturas de origem africana e
indígena são constantemente mesclados. Tudo isso em meio a uma miséria extrema
e montanhas de lixo, espelhando uma repugnância total, principalmente por parte
de Sonia Silk, que odeia aquela miséria, buscando alcançar o estrelato. As tomadas
até soam relativamente engraçadas para nossas mentes anacrônicas de hoje, onde
víamos as filmagens assistidas por populares, seja nas ruas, seja nos morros,
onde as pessoas riam muito das interpretações tresloucadas dos atores (havia
muitos gritos e explosões de loucura nas atuações). Otoniel Serra chegou a ser
perseguido por alguns vira-latas na escadaria de uma favela, sendo um momento
verdadeiramente cômico nas filmagens altamente improvisadas. Isso é cinema
marginal!
Outra ideia defendida
pela película é a de que o povo vive numa letargia extrema, não pensa e não enfrenta
abertamente o regime militar-empresarial autoritário, pois ele estaria entorpecido
por forças como a cachaça e o sol de Copacabana, onde uma alegria idiotizada seria
o último refúgio contra a miséria e a violência do Estado. Enquanto Sonia Silk
andava pelas ruas, ela era perseguida por uma espécie de fantasma, como se
fosse a sombra dessa alienação que o povo sofria. Uma crítica de uma elite
intelectual afastada do povo às características da cultura do povo dominado como
causa dessa dominação. Uma visão um tanto questionável. Até que ponto o povo
está alienado ou não por essas razões é motivo de muita discussão. Além da voz
de uma intelectualidade esquerdista que repudiava a cultura do populacho,
percebemos também no filme a presença do discurso de direita e do governo da
época, e as estratégias esquerdistas e marxistas de revolução como resistência à
ditadura. Uma verdadeira radiografia das ideologias que circulavam naqueles
tempos.
O filme é altamente
ousado por ser muito explícito em algumas questões consideradas tabus para anos
sob violenta censura. O homossexualismo, tanto masculino quanto feminino era
mostrado de forma aberta e muito contundente. As cenas de amor de Sonia Silk
com sua coleguinha riquinha da zona sul (interpretada por uma incrivelmente
jovem Lilian Lemmertz!) ou as cenas de amasso do irmão de Sonia com seu patrão devem
ter provocado um desconforto enorme nas cabeças mais caretas e tradicionais
daqueles tempos. Isso com direito a um “passeio” da câmara pelas entranhas da
Galeria Alaska, um dos lugares mais malditos de Copacabana até há alguns anos.
O patrão do irmão de Sonia
é outro personagem emblemático. Nele podemos presenciar traços residuais de uma
sociedade de Antigo Regime, onde ele impõe sua autoridade de forma marcante e
violenta, mas ao mesmo tempo tem relações pessoais com seus empregados (no caso
o irmão de Sonia), onde o autoritarismo se alia ao paternalismo e transforma o
empregado em um objeto sexual totalmente submisso.
O filme é também uma
verdadeira fonte histórica, onde podemos presenciar as imagens de um Rio de
Janeiro de 45 anos atrás, onde as favelas tinham ainda menos infraestrutura, e
podíamos ver uma Copacabana em obras, onde a calçada central da Avenida
Atlântica ainda não existia, um Aterro do Flamengo ainda com entulhos de
canteiro de obras e uma Lapa sem o Circo Voador. Isso sem falar dos carros e ônibus
da época.
Dessa forma, “Copacabana,
Mon Amour”, apesar de ser um filme pouquíssimo convencional, é realmente um
tesouro, pois teve a ousadia de enfrentar abertamente a ditadura militar com
sua narrativa um tanto fragmentada, e mostrando o Brasil dos miseráveis, aquele
Brasil que todo mundo quer esquecer, que varremos para debaixo do tapete até hoje.
É assustador percebermos que as cenas de miséria expostas na película ainda são
muito atuais. É um filme que incomoda, que você não fica indiferente. Um filme
com explosões de paroxismo expressos em gritos desesperados. E que tem como
musa Sonia Silk, uma mulher cheia de sonhos, de origem miserável, mergulhada na
miséria, que repudia a miséria e a pobreza e que quer sair dela. Mas que nunca
encontra a saída para isso. Um filme que é um tapa em nossa cara até hoje.
Cartaz do filme.
Sonia Silk, uma fera oxigenada.
Com seu sensual vestidinho vermelho.
O tresloucado irmão de Sonia.
Rituais africanos expressos com certo exotismo
Duas amiguinhas vivendo idilicamente na Zona Sul com ícones da época (veja o rótulo na garrafa e o coelhinho de plástico de encher com sopro que se vendia na praia). Notar a beleza deslumbrante de Lilian Lemmertz, de camisola azul.
Um patrão que trata seu empregado como objeto sexual
O delator. Caça aos comunistas...
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