Nosso
Barco, Nossa Alma. Identidade De Ferro Em “Flashbacks”.
Do final de janeiro a
primeira quinzena de fevereiro, o CCBB exibe uma mostra homenageando o diretor
David Lean. Famoso por dirigir filmes do naipe de um “Lawrence da Arábia”, “Dr.
Jivago” e “A Ponte do Rio Kwai”, Lean também fez muitas películas menos conhecidas
do público, mas não menos dignas de destaque. E temos a oportunidade de
apreciá-las nesta pequena mostra que o CCBB faz. Um dos filmes exibidos foi o
curioso “Nosso Barco, Nossa Alma” (“In Which We Serve”). Realizado em 1942, ou
seja, em plena Segunda Guerra Mundial, em co-direção com Noël Coward, esse é um
típico filme de propaganda da época da guerra, que toca num tema muito caro à
identidade inglesa: os barcos. Por estar numa ilha, a Inglaterra sempre
precisou ter uma grande frota naval, tanto para fins de comércio quanto de
defesa. E por isso, os barcos sempre estiveram vinculados ao patriotismo e
coragem do povo inglês. Napoleão Bonaparte, por exemplo, decretou o Bloqueio
Continental, ou seja, proibiu os países europeus sob o seu domínio de fazer
comércio com a Inglaterra, a fim de enfraquecê-la economicamente, porque não
tinha uma marinha tão eficiente quanto a inglesa para fazer um ataque pelo mar.
E a Inglaterra se tornou a principal potência imperialista do século XIX, com
um poder comparável ao que os Estados Unidos têm hoje, por causa de sua frota
naval, que pôde estabelecer colônias no mundo inteiro. Os ingleses inclusive
diziam de uma forma muito arrogante que “No Império Inglês, o Sol nunca se
punha”. Não é à toa que a tripulação de uma embarcação será a grande heroína do
filme na luta contra os nazistas.
Vamos ver aqui a história
dessa tripulação, a do destroier HMS Torrin, liderada pelo Capitão Kunross (interpretado
por Noël Coward) que, já ao início da película faz um discurso aos seus homens
falando de todas as virtudes que aquela tripulação deveria ter, ou seja, já
estabelecendo de saída uma identidade para aquele grupo de homens, identidade
essa tendo o destroier como símbolo principal. Aí nos remetemos a um ataque que
o destroier faz contra embarcações nazistas e depois o revide da Luftwaffe, a
Força Aérea Alemã, que afunda a embarcação. Alguns dos sobreviventes, inclusive
o Capitão, ficam à deriva num bote, sob as saraivadas de tiros de metralhadoras
dos aviões alemães. E, enquanto isso, os sobreviventes se lembram de suas
vidas. Aí o filme se torna uma torrente de “flashbacks”, onde cada personagem
tem a sua vida destrinchada, como se a película quisesse dar cara a todos que
participavam da guerra e a gente pudesse compartilhar a dor das perdas
individuais. Podemos testemunhar várias situações: famílias que não sofreram
qualquer impacto direto da guerra, famílias que perderam seus entes queridos em
bombardeios alemães, etc. Ao se mostrar o passado desses combatentes, nos
envolvemos com eles e suas famílias e nos mortificamos quando vemos a guerra
produzindo desastres que aniquilavam corações e mentes.
Vimos que, por ser
produzido em 1942, ou seja, em plena Segunda Guerra Mundial, esse é um típico
filme de propaganda para levantar a moral do povo, que sofria com os horrores
dos bombardeios alemães sobre a Inglaterra. Enquanto que o inimigo não tinha
cara e era totalmente desumanizado, o povo inglês e sua cultura era celebrada e
vários personagens foram criados para se dar uma cara a esse povo inglês, uma
cara ao qual os espectadores nas salas de cinema pudessem se identificar. Ou
seja, um filme que busca exaltar o patriotismo em cima da perniciosidade do
inimigo estrangeiro. Uma fórmula já adotada no cinema na Primeira Guerra
Mundial.
Do ponto de vista
técnico, o filme mostrou excelentes cenas de batalha em alto mar, se
preocupando principalmente em mostrar como os marinheiros trabalhavam em
combate, subindo as balas de canhão do paiol até o convés. Detalhes de como o
canhão era carregado também foram exibidos, para deixar o povo um pouco ciente
do que era o cotidiano do combate. Uma curiosidade: um jovem marinheiro
abandonou seu posto por medo e somente foi advertido pelo bondoso capitão,
quando este poderia ter-lhe aplicado uma punição muito maior. Pois bem, esse
jovem marinheiro (que obviamente depois ficou muito arrependido) era Richard
Attenborough, que vocês vão se lembrar de “Jurassic Park”. Era aquele velhinho
gordinho com cara de Papai Noel que tinha criado o parque dos dinossauros. Curiosidades
cinematográficas de quem fica na sala para ver os créditos finais...
Dessa forma, procure em
DVD ou na internet esse filme, altamente datado, feito com um objetivo
específico para a sua época, que era o de manter a moral do povo inglês elevada
durante a guerra. Um filme que atendia aos interesses de grandes empresários,
pois seus interesses estavam em jogo e entravam em conflito com interesses de
grandes empresários de outros países. Daí a guerra e o sentimento de
patriotismo exacerbado veiculado na propaganda. Você tem que defender sua
pátria do inimigo estrangeiro. Mas na verdade, você morria no campo de batalha para
defender os interesses dos grandes empresários. Foram os socialistas que
disseram que o verdadeiro inimigo não era o estrangeiro, mas sim o patrão e o
empresário de seu próprio país. E todos os países tinham empregados explorados
pelos patrões. Por isso, o socialismo defendia uma força internacional de
trabalhadores contra os patrões, sendo um movimento internacionalista ao invés
de patriota. E o cinema foi usado como máquina de propaganda para manter o
patriotismo em alta durante a guerra, pois havia uma chance do povo ficar de
saco cheio dos bombardeios e se voltar contra o próprio governo. Aí, o cinema
acabou cumprindo o papel de manipular e alienar as pessoas em torno de um
conceito de patriotismo. Enfim, durma-se com um barulho desses... Mas não deixe
de ver o filme completo (em som original sem legendas) depois das fotos e dessa
aulinha gratuita de História que só o Yoshiwara’s World traz para você!!!
Um dos cartazes do filme
O valoroso capitão Kunross e sua esposa
Encarando a Luftwaffe de peito aberto
Tentando sobreviver depois de um ataque nazista
Lembram do velhinho do Jurassic Park? Olha ele aí!!!
Filmagens
David Lean
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