O
Túmulo Do Sol. Questão Social Altamente Contundente.
Mais um filme de Nagisa
Oshima dentro de sua mostra no CCBB. “O Túmulo do Sol” (1960) é um de seus
filmes mais contundentes no que se refere a uma crítica social. E, pode-se
dizer até que ele é muito chocante para nós, brasileiros, já que a miséria
exposta no filme só é comparável à que vemos por aqui, principalmente nas
favelas mais arrasadas pela pobreza. Ou seja, no Japão das duas primeiras
décadas do pós-guerra, alguns lugares tinham um nível alto de pobreza semelhante
a lugares miseráveis encontrados em nosso país, com o diferencial de que nunca
passamos por uma guerra nas proporções pelas quais o Japão passou.
Já dá para perceber
como a história vai ser melancólica e deprimente. O filme retrata a vida dos
moradores de uma favela de Osaka, onde todos precisam se virar para arrumar
dinheiro, principalmente através de atividades ilícitas. Hanako, por exemplo, é
uma bela prostituta que consegue doações de sangue de marinheiros, sangue esse
vendido de forma lucrativa no mercado negro para empresas de cosméticos. Além
de Hanako, há gangues rivais de olho nos negócios da prostituta e que disputam
o poder das ruelas da favela de forma muito violenta, onde um rígido código de
honra pune com violência deserções ou traições. A situação de miséria e
violência extremas desumaniza todos os personagens com tamanha intensidade,
vista principalmente na sequência de suicídio de um catador de papel que
descobre que é traído pela esposa. O amante descobre o corpo do homem enforcado
pendurado no quintal da casa do morto e, antes de dizer a todos que o homem se
matou, surrupia o dinheiro e um maço de cigarros começado do corpo. Quando
todos estão em volta do corpo, a esposa não esboça nenhuma afeição pelo marido
e ainda o chama de imprestável, sob os risos dos outros populares que ainda
fazem a piada de que o homem se matou porque não aguentava a esposa. O único
que chora é um homem de cerca de dois metros com jeito abobalhado. Outras cenas
violentas provocam náuseas e indignação, como a do homem desequilibrado que
pega um filhote de cachorro para cuidar e, depois que é chamado de lunático,
fica com muita raiva e atira o próprio cachorrinho contra o chão, fazendo o
bichinho gritar e chorar.
No meio de todo esse
caos, havia um personagem interessante. Uma espécie de veterano de guerra, que
toda hora fazia alusão a uma possível invasão soviética ou americana, e que
todos deveriam estar de prontidão para proteger o Império Japonês em caso de
ataque. Fica bem claro aqui a alusão ao orgulho imperial e imperialista japonês
de tempos de outrora que, assim como o personagem, estava atirado à lama, como
se os dias gloriosos do Japão estivessem terminados com a derrota na guerra. A favela
era a expressão real e atual no pós-guerra do Japão derrotado.
E assim a película vai
contando a sua história, na base de pequenas tragédias pessoais (uma agressão
física aqui, um homicídio ali, um estupro acolá), até se chegar à grande
hecatombe coletiva, onde toda a favela é incendiada pelos próprios moradores em
virtude de uma briga. Ao final, o cenário extremamente desolador, com todos os
barracos queimados e um dos personagens falando que “parecia com a situação do
Japão logo após o final da guerra”. O mais interessante aqui são as palavras
finais. O mesmo personagem que olhou para os barracos destruídos e lembrou do
fim da guerra olhou para a prostituta e disse: “Sim, vamos lá que temos muito
trabalho a fazer”. Aqui fica bem explícita a convicção do povo japonês em,
apesar de toda a adversidade, não abaixar a cabeça e recomeçar, lição aprendida
na derrota da guerra.
Assim, “O Túmulo do
Sol” pode ser considerado um dos filmes mais importantes de Nagisa Oshima, pois
ele mostra um Japão humilhado e favelizado, com seu orgulho atirado à lama. Um
filme social de denúncia, altamente agressivo para com a sensibilidade do
espectador. Uma película que provoca e mexe com você, imprimindo suas imagens
na retina, tornando-as inesquecíveis. E mais um filme que convida o cinéfilo à
reflexão. Definitivamente, o cinema de Nagisa Oshima é um cinema de muita
força.
Cartaz do filme
Submundo das favelas do Japão
Situações de miséria extrema
Gangues agindo de forma violenta
Uma prostituta que, literalmente, vende sangue alheio...
Falta de esperança nos semblantes...
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