Muitos
Homens Num Só. Uma Bela Trama Policial Inspirada Na Obra De João Do Rio.
Mais um bom filme
brasileiro em nossas telas. E o melhor, uma película de época. Produzido em
2013, “Muitos Homens Num Só” é um filme cheio de virtudes. E qual é a melhor
delas? O roteiro é inspirado numa história real contada por ninguém menos que
João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto, um dos grandes escritores brasileiros
do início do século passado. Para quem não conhece, eu recomendo que procure
nas livrarias o ótimo “A Alma Encantadora das Ruas”, onde ele faz uma excelente
radiografia da cidade do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século 20. Sua
escrita sobre a cidade é minuciosa e deliciosa. Infelizmente, ele não se tornou
imortal da Academia Brasileira de Letras como tanto queria, pois ele tinha
“defeitos” considerados muito graves para a época: João do Rio era mulato,
homossexual e muito gordo (ele morreu de ataque cardíaco dentro de um táxi em
1920, com apenas quarenta anos). Mas seus textos ficaram e são muito
recomendáveis para os amantes do Rio de Janeiro, sua história e,
principalmente, para os amantes da literatura e daqueles que gostam de um texto
bem escrito.
Mas voltemos ao filme.
Ele conta a história de Arthur (interpretado por Vladmir Brichta), um ladrão de
hotéis, que tinha a especialidade de entrar nos quartos dos hóspedes e furtar
objetos de valor. Ele usava uma identidade secreta, a de Dr. Antônio, e era
famoso na época, sendo destaque nas primeiras páginas dos jornais,
enlouquecendo a polícia, especialmente um tal de Félix Pacheco (interpretado
por Caio Blat), que era um estudioso da identificação humana, primeiro tentando
a antropometria, uma ciência conhecida por medir as dimensões do corpo humano,
principalmente as do crânio e maxilar, que davam informações sobre a propensão
que o indivíduo teria para o crime, dependendo do tamanho do crânio e do
maxilar. Obviamente, os mais “propensos” ao crime eram os negros e mestiços.
Voltemos ao “Dr.
Antônio”. Ele vai ter que roubar as ações de um “distinto” barão (interpretado
por Miele) para ajudar Vellez (interpretado por Cesar Troncoso), um amigo seu
que foi uma espécie de mentor para a sua vida de crimes, e que está com sua
vida ameaçada por dívidas de jogo. Ao mesmo tempo, nosso falso médico se
envolve com Eva (interpretada por Alice Braga), a mulher de um rico empresário
que não liga muito para ela. E, nesse meio tempo, temos um texto e uma trama
envolventes, que somente aqueles que já leram alguma coisa de João do Rio podem
identificar.
As locações do filme se
passam principalmente no centro do Rio, mas também em outros belos locais como
a Praia Vermelha. Foi legal ver a estação do Pão de Açúcar e os bondinhos,
assim como os prédios da Urca apagados no photoshop. No mais, boas
intepretações de Vladimir Brichta e de Alice Braga, belíssima por sinal, com as
roupas e penteados de época.
As homenagens a João do
Rio estavam por toda a parte. Quando o “Dr. Antônio” (ou Dr, Guedes, realmente
são muitos homens num só!) visita, junto com ela, o Real Gabinete Português de
Leitura, podemos vislumbrar uma enorme placa homenageando Paulo Barreto. Há,
também, um amigo de Félix Pacheco, um jornalista negro e levemente efeminado de
nome Barreto (interpretado por Silvio Guindane), que muito simpatiza com a
figura do ladrão, já que o jornalista o acha “muito inteligente”.
Como foi dito acima, essa
história foi real e João do Rio escreveu sobre a vida desse ladrão num jornal
da época em vários capítulos diários. Fazer um filme sobre essa história e
sobre esses textos de João do Rio foi uma escolha extremamente feliz, pois quem
leu esse autor sabe que seus textos são extremamente cinematográficos, já que
seu detalhismo nos ajuda na nossa construção e visualização mental daquilo que
lemos. Esse grande escritor já merecia ter sido resgatado e homenageado faz
tempo. E esse filme finalmente faz isso, e da forma mais singela e digna
possível, que é se prendendo ao texto de Paulo Barreto, o João do Rio, uma
grande joia esquecida de nossa literatura, e que deve sempre ser celebrada.
Méritos para a diretora Mini Kerti. Não deixem de prestigiar “Muitos Homens Num
Só”.
Cartaz do filme
Dr. Antônio, o ladrão...
Vellez, um amigo...
Conhecendo um casal
Ela gosta de desenhar...
Especulando sobre a vida dos transeuntes. João do Rio puro...
Logo se tornam amigos...
Belas cenas na praia...
Félix Pacheco e a antropometria...
Cadê o bondinho???
João do Rio homenageado...
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