A
Viagem De Meu Pai. Uma Angustiante Comédia.
Um filme francês muito
inquietante estreou por aqui. “A Viagem de Meu Pai” (“Floride”), dirigido por
Philippe Le Guay (o mesmo de “As Mulheres do Sexto Andar”) é classificado como
comédia e drama. Mas, cá para nós, na minha modesta opinião, de comédia esse
filme não tem nada, embora a plateia tenha dado boas gargalhadas. Por isso que
eu o classifiquei como comédia angustiante. Agora, por que não achei essa
comédia uma comédia? Porque ela brinca com um tema que é altamente perturbador
para todos nós, já que podemos estar vulneráveis a ele no futuro: o mal de
Alzheimer.
Vemos aqui a história
de Claude Lherminier (interpretado admiravelmente por Jean Rochefort), um
industrial que foi compulsoriamente aposentado pelo Alzheimer, vivendo retirado
em sua casa no campo. Por causa de sua doença, a filha Carole (interpretada
pela loura e esguia Sandrine Kiberlain) precisa contratar cuidadoras para ficar
com o pai, que se mostra de difícil comportamento. Claude tem fixação por uma
filha que mora na Flórida, mas que já morreu num acidente de carro há nove
anos. Carole teme que o conhecimento da morte da filha abale demais Claude. E assim,
na base de uma paciência extrema, que nem sempre pode ser mantida, Carole vai
tratando de seu pai como pode, já que ela não quer levá-lo a viver num asilo. Dá
para imaginar como essa situação vai render muitos problemas e confusões.
Dizer que a película não
é engraçada é ser injusto. Jean Rochefort teve uma atuação soberba exibindo de
forma nua e crua todas as violentas oscilações que um paciente dessa terrível doença
tem, sendo numa hora extremamente afetuoso, noutra hora muito agressivo e em
outros momentos muito inconveniente. As piadas de forte apelo sexual eram as
mais engraçadas, pois o velhinho tinha uma fixação pelo sexo oposto, o que era
incômodo sério, principalmente para suas cuidadoras, que tinham uma alta
rotatividade. Mas essa graça foi muito pouco para contrabalançar todo o mal que
essa doença provoca não somente para o paciente, mas também para todos os que estão
à sua volta. E ela é cruel o suficiente para alternar momentos de sanidade e
insanidade no indivíduo. Realmente, confesso que não vejo como feliz a
tentativa de se fazer graça com esse tipo de situação. Entretanto, é apenas uma
opinião.
E para aumentar ainda
mais a angústia da coisa, lançou-se mão na película de um recurso que achei
genial. Se num momento inicial, a gente via o paciente de um ponto de vista
mais externo a ele, ou seja, do ponto de vista dos personagens que o cercavam,
e tínhamos consciência de situações que Claude não conseguia perceber, a parte
final da película foi montada de acordo com as visões de mundo de Claude, ou
seja, nós éramos, juntamente com o personagem protagonista, informados pela
filha sobre o que tinha acontecido em algum trecho da história que não fora
exibido para nós, dando-nos a experiência de compartilhar com Claude as sensações
que essa doença nos provoca. Foi um lance muito bom que aumentou a angústia e
afastou ainda mais a sensação de que esse filme de comédia não tem quase nada.
Assim, “A Viagem de Meu
Paí” não deixa de ser um importante filme, pois ele propõe uma reflexão sobre
um tema muito sério – o mal de Alzheimer – mas o vejo muito mais como um drama
do que como uma comédia. O filme vale realmente pela atuação de Rochefort e pela
dolorosa experiência sensorial que ele nos impõe na sua segunda parte. Vale a
pena dar uma conferida, embora você saia com sua alma doída da sala. E não deixe
de ver o trailer após as fotos.
Cartaz do Filme
Claude, uma vítima indefesa de uma terrível doença
Carole tenta cuidar de Claude da melhor forma possível
Várias anotações para não se esquecer.
Ele se ocupa consertando abajures.
Cuidadoras. Alta rotatividade
O diretor Philippe Le Guay e Jean Rochefort
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