Noé.
Terror Bíblico.
Inquietante.
Angustiante. Traumatizante. Isso é o mínimo que se pode falar da história de
“Noé”. Confesso que nunca tive uma formação religiosa, conheço pouquíssimo do
Antigo Testamento. Talvez tenha sido por isso que a experiência de ver o filme
de Russell Crowe tenha sido tão assustadora.
Sobre o filme em si,
bom, efeitos especiais moderados e as boas atuações de Russell Crowe, Emma
Watson e, sobretudo, Anthony Hopkins na caça pelas frutinhas silvestres. O
vilão Tubal-caim, interpretado por Ray Winstone, também esteve bem, assim como
Jennifer Connely, que reeditou com Crowe o par de “Uma Mente Brilhante”, só a
título de curiosidade. Muito boa, também, foi a escolha das locações, embora a
gente hoje não saiba onde termina a locação e começa a computação gráfica. Figurinos,
bom, um pouco perturbadores, pareciam com os do “Mad Max”.
Agora, o que perturba
mesmo neste filme é até onde a história bíblica pode ou não ser algo
verossímil. A análise da leitura que o filme faz do discurso contido no Antigo
Testamento nos mostra um Deus furioso, ávido por castigar humanos que descendem
de Caim, o matador de seu irmão Abel, e que se mudou para as bandas do Oriente,
povoando a região com humanos de má índole. O preconceito entre Ocidente e
Oriente fica claro nesta passagem. O reino de Tubal-caim é totalmente
decadente, com pessoas em sofrimento total provocado pela fome, pessoas essas
capazes das piores maldades para aplacar seus sofrimentos. A questão dos anjos
que caem à Terra, tornando-se guardiões dos humanos, a quem eles querem proteger,
é igualmente inquietante, pois Deus os castiga, já que esses anjos decidiram
proteger humanos que se tornaram maus, ficando presos ao solo e se
transformando em seres de pedra, numa alegoria que representa a entrega dos
anjos aos pecados do mundo terreno. É uma experiência angustiante presenciar
aqueles seres petrificados e deformados, ainda mais sabendo que aquilo se trata
de um castigo divino. Outro detalhe assustador é como a fé de Noé no
cumprimento de sua missão o torna fanático, a ponto de privar seu filho Cam de
ter uma esposa e a querer matar suas netas, pois ele acreditava piamente na
extinção da raça humana como missão, já que esta era causadora de tantos males.
Ao não conseguir matar suas netas, sente-se culpado por ter falhado com Deus e
com sua família. Assim, Noé prostra-se quando a água abaixa e vive isolado como
um velho bêbado até que sua nora Ila (Emma Watson) o resgata, lhe convencendo
que Deus fez tudo isso como uma espécie de provação para que ele fizesse a
escolha do amor e da bondade (ô provaçãozinha braba essa!). A morte dos
descendentes de Caim no dilúvio, sendo levados pelas águas turbulentas, também
foi algo muito angustiante. Pecadores castigados e punidos pela água. Definitivamente,
o Deus do Antigo Testamento parece não ser muito misericordioso, obviamente
guardando as devidas proporções da licença poética do filme. Livre arbítrio?
Nem pensar!
Um ponto positivo do
filme foi a narração da criação de todas as coisas por Deus em seis dias,
enquanto uma sucessão de imagens passava e mostrava algo que muito mais se
assemelhava a uma explicação científica, desde o Big Bang, passando pelo surgimento da vida, indo até a teoria da
evolução das espécies de Charles Darwin. Essa foi uma grande sacada, pois
mostrou como às vezes as visões da ciência e da religião sobre o surgimento de
todas as coisas podem produzir discursos que se aproximam e se assemelham em
alguns pontos.
Apesar desse ponto
positivo, o que mais angustia é todo o sofrimento visto no filme por questões religiosas
e de fé, usando o argumento de que o homem realmente merece todos os castigos
de um Deus sem um pingo de misericórdia, pois esse homem é um terrível pecador
que deve ser varrido da face da Terra por um violento castigo divino. Devo
confessar que preciso dar umas lidinhas no Antigo Testamento. Mas tenho medo de
encontrar ainda mais desgraça por lá. Ah! Mais duas observações: a história da
Arca de Noé muito provavelmente é uma releitura da mitologia dos deuses da
Mesopotâmia. E, na arca do filme, não me lembro de ter visto todos os bichos,
como ornintorrincos, équidnas e as araras azuis de “Rio 2”.
A arca.
Uma família para lá de
traumatizada.
Ila, que enfrentou uma
sucessão de agonias.
Matusalém, o caçador de
frutinhas silvestres.
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