Eles
Voltam. Castigo e Desigualdade Social.
O cinema brasileiro
pernambucano traz uma nova criação. O filme “Eles Voltam”, de Marcelo Lordello,
nos mostra uma história que poderia bem ser uma ópera do absurdo, mas, do jeito
que as famílias estão desestruturadas hoje em dia, até que poderia muito bem
acontecer na vida real. Vamos falar um pouco dessa curiosa produção.
O filme começa de forma
muito inusitada para os padrões racionais. Um carro numa estrada que para e põe
um casal de irmãos para fora, seguindo viagem. A menina, Cris (interpretada por
Maria Luísa Tavares), tem apenas doze anos. O irmão, Peu (interpretado por
Geórgio Kokkosi), um pouco mais velho. Com o desenrolar da história, sabemos
que os próprios pais expulsaram os filhos de dentro do carro, pois estavam
brigando, e simplesmente abandonaram as crianças na beira da estrada. O pai,
advogado, e a mãe, dona de lojas, expressando claramente que a família é de uma
classe social alta. As crianças na beira da estrada como castigo nos mostram
uma inabilidade total daquele casal “bem nascido” em criar os filhos. Para
piorar a situação, Peu abandona Cris para tentar chegar a um posto de gasolina
muito distante. A menina passa a noite na estrada e, no dia seguinte, recebe a
ajuda de um menino que passa na beira da estrada com uma bicicleta. A convite
do menino, Cris vai para a casa dele e é alimentada pela mãe. Logo percebemos
que aquela família humilde de beira de estrada é de um acampamento de sem
terras. O estrato social diferente de Cris se mostra etnicamente: a menina
branquinha de Recife convivendo com uma população praticamente cafuza, meio
negra, meio índia, toda excluída. E Cris começa a perceber todo um mundo dos
menos favorecidos que ela não conhecia. Logo ela será levada para uma cidade
onde há uma delegacia, por uma outra mulher que tem uma filha e paga um dobrado
para viver, trabalhando em feiras, como doméstica, além de fazer outros
biscates. Essa mulher tem uma filha chamada Jennifer, que mostra a Cris mais
detalhes de um Brasil dividido entre uma elite e uma população explorada que
precisa muito trabalhar para sobreviver. Cris também é colocada para trabalhar
e “escapa” dessa vida, pois ela encontra uma casa que era de seus pais e a
invade, encontrando Pri, uma moça que dá as suas fugidinhas para essa casa de
praia. Será Pri que levará Cris para a sua família de volta. Lá, ela descobre
que pai e mãe estão em coma no hospital, pois sofreram um acidente depois de
despejarem os filhos na pista. Os dois adolescentes voltam a ter suas vidas
burguesas em colégios particulares caros e rodeados por seus aparelhos
eletrônicos, embora Cris tenha ficado mais simpática aos sem-terra. Isso
aparece claramente quando o avô de Cris solta um “graças a Deus” ao ver no
noticiário da TV um grupo do MST sendo preso depois de uma invasão e a menina
reage dizendo “você não diria isso se soubesse como eles vivem”. O filme
termina com os dois meninos ainda esperando seus pais voltarem do coma no
hospital, onde Cris, emblematicamente, filmou um trecho da estrada quando
estava perdida nela e reproduz no celular o vídeo para seu irmão Peu dizendo a
mesma coisa que dissera na estrada: “Será que nossos pais voltam?”, expressando
uma sensação de abandono que vemos às vezes em crianças cujos pais não as criam
com a atenção devida. Problemas sociais na esfera privada (um mau
relacionamento entre pais e filhos) e na esfera pública (a alta disparidade
social que assola nosso país). Apesar do filme ter um ritmo lento e, em algumas
vezes até um pouco entediante, “Eles Voltam” tem o mérito de abordar questões
tão atuais em nossa sociedade.
Cris. Perdida no mundo.
Na delegacia.
Conhecendo a vida
difícil.
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