Prenda-me.
Redenção Na Destruição.
Inquietante.
Intrigante. Desesperador. Essas são as impressões principais de “Prenda-me” (Arrêtez-moi, de Jean-Paul Lilienfeld),
filme francês que tem tons de forte denúncia. Em pauta, a violência contra a
mulher. Mas de uma forma bem contundente, onde a violência física não é a única
protagonista. Vemos aqui também todo um desfacelamento psicológico, que é o
mais perturbador. Falemos um pouco da história.
A trama começa de forma
bem peculiar. Uma dona de casa (interpretada por Sophie Marceau) deixa o seu
lar, com um quarto ao som de heavy metal no
último volume e vai até a delegacia, onde encontra uma policial (interpretada
por Miou-Miou) de plantão. Lá, a dona de casa vai confessar que, há dez anos,
matou o seu marido ao empurrá-lo da sacada de seu apartamento e quer se
entregar. Ao contar a sua história, vemos que a dona de casa sempre adotou uma
postura bem submissa e sempre aceitou as violências e espancamentos do marido,
inclusive acobertando em seu depoimento os estupros que sofria, para a ira da
policial que, incrédula, presenciava a vontade compulsiva da mulher em destruir
sua vida na prisão. O grande mérito do filme é presenciarmos as cenas de
espancamento sob o ponto de vista da mulher agredida, onde a câmara parece
estar com a mulher que sofre as violências. Assim, parece que também estamos
apanhando. Vemos um homem enfurecido vindo em nossa direção e nos agredindo, ao
mesmo tempo em que escutamos os gritos e choros da dona de casa, numa comunhão
entre o espectador e a protagonista vítima. São momentos realmente muito
inquietantes e angustiantes, tão angustiantes quanto quando o marido é
empurrado da sacada pela mulher, pois empurramos o homem junto com ela e ainda
vemos o sujeito caindo lá embaixo, numa relação de total cumplicidade com a
protagonista, no sofrimento e no crime. A polícia acreditou na tese do suicídio
e inocentou a mulher. Mas a dona de casa não se livrou da tortura psicológica
impressa por ela mesma (manifesta em tremedeiras e crises de insônia) e também
pelo filho que, enfurecido com a morte do pai, encheu a casa de fotos do
falecido progenitor para atormentar a mãe, chegando, inclusive, a filmar a mãe
durante as suas crises de insônia. E a policial não entendia porque aquela
mulher tão sofrida queria a prisão. A conversa entre as duas no escritório da
policial durante a noite é altamente tensa. A policial fala de crimes muito
piores que ela presenciou, como o bebê assado no forno pela mãe, ou até crimes
que a própria policial cometeu e não denunciou, tal como um chute na cabeça que
ela deu num homem que depois inclusive tornou-se seu amante. As duas conversam,
gritam, surtam, destroem o escritório, tal como as mulheres de Almodóvar (à
beira de um ataque de nervos). Por fim, a policial prende a dona de casa, mas
nada registra, para que o crime prescreva e a mulher não consiga procurar outra
delegacia. De manhã bem cedo, a policial retorna à delegacia e solta a mulher,
com o crime já prescrito. A dona de casa diz então, que falhou como esposa, mãe
e pessoa, pois nem culpada de um crime contra o próprio algoz ela conseguiu
ser. Foi aí que a ficha da policial caiu e ela disse que poderia fazer toda a
papelada de abertura do caso de homicídio por escrito e adulterar a data para
que o crime ainda não tivesse prescrito. A dona de casa, então, consegue sua
prisão e sua redenção. Ela não foi uma vítima apenas. Foi também culpada, pois
reagiu a todas as violências que sofreu, matando o marido. Ainda, de quebra, falou
tudo o que quis na cara do filho quando este a visitou na prisão. Agora, ele
jamais se esqueceria da mãe, mesmo que fosse a odiando. Nunca mais ficaria
indiferente a ela, que não queria mais saber de conversa com ele.
Tenso, pesado. A mulher
agredida e psicologicamente abalada só encontrou a sua redenção sacrificando
sua própria liberdade e vida. A submissa, vítima, a covarde que acobertava as
agressões do marido reagiu afinal. E os grilhões da prisão eram os louros de
sua vitória. Neura pura. Destruição psicológica total. Obra prima...
Cartaz do filme.
Sophie Marceau, como a
dona de casa.
Miou Miou como a
policial que não quer prender.
Diálogo com muitos
momentos de tensão.
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