O
Presidente. Encarando As Próprias Atrocidades.
Mohsen Makhmalbaf está
de volta! O consagrado cineasta iraniano traz para nós desta vez um filme e
tanto, que nos ajuda a refletir sobre o autoritarismo dos regimes políticos,
assim como o autoritarismo dentro de nós mesmos. “O Presidente” é um filme que
se passa num país fictício, mas poderia muito bem ser o país do cineasta, o Irã
da época do Xá. É notável a ausência de qualquer referência religiosa na
película, mostrando o objetivo direto de Makhmalbaf: falar do autoritarismo de
Estado, qualquer Estado, seja ele teocrático ou não.
Vemos aqui a história do
presidente (interpretado por Misha Gomiashvili), que governa o seu país com mão
de ferro, e seu netinho (interpretado por Dachi Orvelashvili). Os dois vivem
num mundo à parte, divertindo-se a seu bel prazer com a vida dos outros. Eles
brincam de acender e apagar as luzes da cidade com apenas uma ordem, observando
o cintilante espetáculo da sacada do palácio. Mas um golpe de estado sacudiria
as estruturas do presidente autoritário e seu neto. A esposa e as filhas foram
colocadas num avião para o exterior. O presidente, montado em toda a sua
autoconfiança, permaneceu no país acreditando que facilmente contornaria a
crise, e seu neto quis ficar junto. Mas o problema era muito pior e o golpe de
estado se delineou, com o presidente e seu neto sendo obrigados a fugir
disfarçados pelo país. Durante todo esse processo de fuga, o presidente deposto
e seu neto puderam encarar de frente todas as pessoas que sofreram terríveis
violências do regime autoritário.
O filme é muito curioso
principalmente pelo último aspecto descrito acima. Como ficaria a consciência
de um presidente que conhece uma série de casos particulares de pessoas que
sofreram nas mãos de seu regime? Mães de filhos assassinados, pessoas
torturadas ou presas vários anos que têm suas famílias ou relacionamentos
destruídos pelo afastamento. O presidente sentia um arrependimento por todos os
males que causou, embora essa situação soou um tanto quanto falsa. Um ditador
sanguinário não estaria nem aí para o povo. E talvez o presidente tenha ficado
humanizado demais por aqui. Mas como o personagem mais valoroso é o mais
complexo, fazer um presidente totalmente ruim poderia também parecer um tanto plano
e simplório. São escolhas que o diretor pode fazer. E Makhmalbaf fez as suas,
estando em consonância com o seu trabalho, se lembrarmos em retrospectiva seus
outros filmes, que buscam humanizar situações de extremo autoritarismo e
violência.
Mas o diretor mostrou
de forma bem explícita um outro problema que acontece em situações extremas
como essa. Até que ponto os oprimidos se tornam opressores através da sede de
vingança? Essa, a meu ver, foi a reflexão mais profunda do filme. Pois não só
os militares que torturavam sob as ordens do presidente deposto por eles mesmos,
como os cidadãos vitimados pelo regime foram barbarizados a um tal ponto que
todos eles, durante o golpe de estado, começaram a massacrar inocentes. É como
se a violência do Estado Autoritário contaminasse toda a sociedade oprimida,
que passou a reproduzir e perpetuar toda essa violência, colocando de lado a
democracia em prol da sede de vingança e substituindo uma ditadura por outra.
Nesse ponto, Makhmalbaf foi brilhante e nos lembrou de líderes revolucionários
que atuaram como verdadeiros estadistas, recordando que, ao subirem ao poder,
todos os grupos sociais deveriam colocar os ressentimentos de lado e começarem
a viver em paz, pois eles estavam obrigados a viver juntos e alimentar antigos
ódios tornaria isso inviável. O leitor mais atento já deve saber de que lideres
estou falando, nessa ordem cronológica: Mahatma Gandhi, Martin Luther King Jr.
e Nelson Mandela. Ante a essa situação de impasse entre abraçar o ódio e
abandonar o ressentimento, Makhmalbaf optou por um desfecho um tanto quanto
lúdico, como ele já fez em outras de suas películas, dando ao filme uma das
marcas registradas do cinema iraniano, que é o seu alto conteúdo poético.
Dessa forma, “O
Presidente” é mais uma grande película de Mohsen Makhmalbaf, pois aborda a
difícil questão do autoritarismo de Estado e de como ele acaba contaminando a
sociedade com toda a sua violência. E isso desvinculando a história de qualquer
componente religiosa. Definitivamente, não é um filme sobre um autoritarismo
específico de aiatolás. É um filme que analisa qualquer tipo de autoritarismo e
de seus efeitos nocivos sobre a sociedade, mesmo depois que ele acaba. Um
programa imperdível! E não deixe de ver o trailer após as fotos.
Cartaz do Filme
Um ditador e seu netinho brincando com a vida das pessoas
Uma vida cheia de fantasia...
... mas um golpe em curso acaba com tudo...
Nem as ovelhinhas respeitam mais a limusine presidencial...
Agora, o netinho conhecerá o outro lado da moeda...
... o de fugitivos!!!
Brincando de espantalho para fugir do massacre...
Em Berlim...
Mohsen Makhmalbaf e o pequenino Dachi Orvelashvili. Esse diretor é flórida!!!
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