O
Congresso Futurista. Será Que Vai Acontecer Mesmo?
No Brasil, parece que
existe uma máxima em termos de exibição cinematográfica. Quanto mais o filme
desperta inquietações e reflexões, em menos salas ele é exibido. Não é à toa
que esse aqui é exibido em apenas três salas. “O Congresso Futurista” é um
filme que nos deixa muito perplexos (e até aterrorizados) quanto às
perspectivas de dias futuros. E o sinal de alerta de que determinadas coisas
não tão agradáveis já acontecem. Esse filme é baseado no livro de Stanislaw
Lem, autor de ficção científica, filósofo e ensaísta, o mesmo autor do
consagrado “Solaris”, que também foi adaptado para o cinema por Andrei
Tarkovsky e ganhou o prêmio do júri em Cannes em 1972.
Mas por que “O
Congresso Futurista” é tão inquietante? O filme conta a história de uma atriz,
Robin Wright (interpretando ela própria), que já passou por seus dias de glória
(chegou a fazer até um papel em “Forrest Gump”, é verdade!), mas chegou à meia
idade, onde algumas escolhas erradas praticamente puseram fim à sua carreira. Seu
agente, Al (interpretado pelo eficiente Harvey Keitel) a leva para o estúdio
Miramount (uma espécie de híbrido entre Miramax e Paramount!) e lá recebe uma
proposta inusitada do chefão Jeff (interpretado por Danny Huston): seu corpo
será escaneado em todos os seus detalhes, emoções, gostos, etc. e tudo isso
será de propriedade da Miramount, tornado a atriz Robin Wright virtual e
eternamente jovem, sendo que a verdadeira Robin Wright não deverá mais fazer
qualquer papel em qualquer lugar, apenas desfrutando sua vida. Esse contrato
será de vinte anos. Como Robin estava em má situação financeira e seu filho
Aaron (interpretado por Kodi Smit McPhee) sofria de uma doença grave, ela
aceitou ser escaneada. O momento em que acontece isso é um dos mais lindos do
filme, pois um antigo cameraman é agora o responsável por fazer o escaneamento.
Mas Robin não se sente à vontade para mostrar felicidade, tristeza,
perplexidade dentro do scanner. Aí
entra Al, que conta detalhes íntimos de sua vida e tudo o que ele sente por
Robin, conseguindo as emoções necessárias, onde tanto Al e Robin chegam às
lágrimas.
O filme avança vinte
anos no tempo, quando expira o contrato de Robin, e ela precisa ir ao Congresso
Futurista, onde tudo existe no campo da animação. O filme torna-se, então, um
grande e psicodélico desenho animado, onde Robin encontra um mundo idílico,
onde todos podem ser o que sonharem, consumindo uma substância química. A
própria Robin fará um novo contrato onde sua imagem será vendida como uma essa
substância. Mas algumas pessoas não aceitam isso e lutam para acabar com esse
falso mundo.
O que podemos falar
dessa história? Em primeiro lugar, a transformação que a tecnologia impõe a algumas
formas de arte, como a cinematográfica, onde os efeitos especiais são mais
importantes que a interpretação dos atores, a ponto de estes últimos serem
virtualizados e não mais necessários em carne e osso. Robin questiona isso,
dizendo que ela não terá mais liberdade de escolha para interpretar um
personagem e nem de colocar seu talento da forma como quer na hora de atuar.
Argumentos que Al, seu agente, retruca dizendo que nem no mundo real ela tem
essas liberdades de escolha que ela pensa ter, pois ela acaba sendo obrigada a
aceitar papéis impostos pelos estúdios e a acatar as determinações dos
diretores.
Entretanto, a coisa não
fica somente na transformação que a tecnologia impõe às manifestações
artísticas. O próprio mundo das pessoas é alterado com a tecnologia, onde
visões idílicas falsas são criadas, com as pessoas consumindo substâncias
químicas que as tornam o personagem que quiserem ser, perdendo sua própria
individualidade (não é à toa que Robin não encontra mais seus filhos). Tal
ideia é muito parecida com a de quem consome drogas para ficar doidão e
esquecer das agruras da vida. O problema é que no filme, o “traficante” seria
uma grande corporação, a Miramount, que não mais faz filmes, mas dopa as
pessoas para que elas mesmas se transformem em filmes de seus próprios sonhos.
E, enquanto isso, o mundo verdadeiro é cada vez mais decadente e degradado.
Essa ideia de mundo futuro assusta muito, pois fica parecendo que é uma
possibilidade bem viável que cheguemos a isso, ainda mais porque parece que já
presenciamos algumas situações dessas em estado embrionário, como o excesso de
efeitos de computação gráfica nos filmes, em detrimento do talento dos atores,
e o uso de substâncias alucinógenas, ainda não usadas em escala industrial e
legal.
Mas o filme também tem
o mérito de mostrar uma animação muito bem feita, onde pelo menos as vozes dos
protagonistas dão vida e personalidade aos personagens. Assim, o sumiço dos
personagens de carne e osso não é de todo.
Realmente é uma pena
que esse filme passe em tão poucos cinemas. Ele nos mostra uma direção que
nosso mundo pode tomar, altamente idílica, mas altamente irreal, onde será
melhor esperar a morte alucinado do que enfrentar as carências que a vida nos
impõe. Mas será que não seria melhor buscar melhorar e desenvolver o próprio
mundo real?
Cartaz do filme
Robin Wright. Atriz
decadente que será escaneada.
Sendo escaneada
Em forma de animação,
num mundo idílico
Mundo real. Decadência
Harvey Keitel, como Al
Depois de escaneada, a
imagem de Robin torna-se qualquer personagem
Aaron, o filho doente,
que faz Robin retornar ao mundo real
O bom ator, Paul Giamatti
(que interpretará Rhino em “Homem Aranha”), faz o médico de Aaron.
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