Entre
Vales. Vida Jogada À Montanha De Lixo.
Lixo e decadência são
duas palavras que podem andar de mãos dadas. E elas nunca estiveram tão unidas
quanto no filme brasileiro “Entre Vales”, que tem o ator Ângelo Antônio como
estrela principal e é dirigido por Philippe Barcinski. Vemos aqui a ruína de um
homem no campo profissional e pessoal até o seu nível mais degradante, quando
parece que toda a esperança já se foi.
Nossa história é focada
no personagem de nome Vicente (interpretado por Ângelo Antônio), que aparece ao
início do filme dirigindo seu carro, proferindo pequenas palavras de indignação
a esmo. Logo depois, nosso personagem aparece como catador de lixo num
gigantesco aterro sanitário, junto com outros miseráveis como ele, urubus, garças
e tratores, cujas pás mecânicas empurram montanhas e mais montanhas de lixo
contra os pobres diabos que vivem dos restos das pessoas. Nosso personagem,
então, aparece depois como um rico empresário, dono de uma casa confortável e
de um filho adorável, Caio. Assim, o filme faz idas e vindas ao longo do tempo,
do presente ao passado, para que possamos entender o que aconteceu para que
aquele homem aparentemente rico mergulhasse naquela miséria total. E logo
aparecem os sinais disso. Sua esposa é uma dentista e o casamento dos dois está
em crise. Ironicamente, ele é um empresário que monta usinas de reciclagem de
lixo que extingue os aterros sanitários e retira a pouca fonte de renda de uma
legião de miseráveis, da qual ele futuramente fará parte. Mas o seu sócio
uruguaio retornará ao seu país de origem e venderá a empresa a homens de
negócio espanhóis, destruindo os planos de Vicente de fazer as usinas de
reciclagem. Para piorar a situação, o casal se separa e Caio, o filho tão
apegado ao pai, não aguenta o afastamento e se suicida, mergulhando Vicente no
desespero e no álcool. A mãe ainda irá, num acesso de ciúmes, destruir uma
maquete que pai e filho haviam construído com tanto amor e dedicação. Isso leva
o pai ao desespero total e ao aterro sanitário, na busca pela maquete. E aí
finalmente compreendemos por que Vicente foi tão fundo na pobreza total. Como
não aparece mais lixo novo no aterro sanitário, Vicente sai de lá com outro
catador chamado Calixto e vai para as ruas disputar o lixo com os caminhões da
limpeza pública. Nas suas andanças, ele consegue um emprego numa cooperativa de
reciclagem, onde faz amizade com uma das trabalhadoras de lá e consegue abrigo
em sua casa. Fim.
Parece que a história
acabou no meio, leitor? Pois é, esta também foi a minha impressão. Não sabemos
se o homem se recuperou de seus traumas e tragédias, se ele construiu uma nova
vida, etc. Mas o indício de que há um recomeço aparece no banho revigorante que
ele toma na casa de sua amiga, depois de dias mergulhado no lixo. Talvez o
corte tão abrupto na história tenha sido feito para assinalar a grande ruptura
na vida de Vicente, onde o seu fracasso profissional, associado à tragédia
familiar mudou drasticamente a sua vida. Não soaria coerente ou real Vicente se
recuperar plenamente de choques tão violentos. E o fim da história num ponto
onde Vicente apenas começara a sair do fundo do poço nos serve justamente para
mostrar que a vida não é um mar de rosas e que Vicente ainda teria muito
caminho pela frente para se recuperar por tudo o que ele passou, se é que ele
vai se recuperar totalmente. De qualquer forma, ficou um desejo de um pouco
mais de alegria para o nosso tão sofrido personagem.
O filme, portanto, é
muito interessante, por abordar um tema de nossa realidade (a vida miserável e
insalubre dos catadores de lixo dos aterros sanitários), aliado a uma história
de drama e tragédia pessoal. Vale a pena dar uma conferida em mais esse produto
de nosso cinema, que foi bem premiado.
Vicente e Caio. Vida de
luxo...
contrastando com a
miséria do aterro sanitário.
Catando lixo...
O diretor Philippe
Barcinski
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