Meu
Tio. Deliciosa Obra Prima.
Já fazia muito tempo
que eu não via “Meu Tio”, de Jacques Tati. O inesquecível personagem sr. Hulot
foi um dos maiores da história do cinema. Tive a oportunidade de rever esse
filme recentemente no Maison de France. E, realmente valeu muito a pena tal
experiência.
O filme é uma obra
prima em todos os sentidos. Vemos uma história muito engraçada onde o embate
tradição X modernidade aparece mais uma vez, com deliciosos tons de cinema
mudo. Mas não é somente isso. O som também é usado de forma significativa e
magistral. Vamos fazer uma humilde análise desse grande filme.
Aqui, o sr Hulot (o
próprio Jacques Tati) é tio de um garoto de uma família burguesa cujo pai
trabalha numa empresa de materiais plásticos altamente moderna. Sua casa também
é um símbolo de futurismo, onde tudo funciona de forma automática e o design do jardim, dos móveis e dos
interiores parece muito moderno até para nós. O menino leva uma vida altamente
enfadonha dentro da casa e da escola, divertindo-se na rua com seus colegas em
travessuras que simulam pequenos acidentes de automóveis e fazem as pessoas
baterem de cara em postes. Já os pais levam uma vida totalmente asséptica e fútil,
assim como toda a classe média alta que interage com eles, vestida de forma
extremamente extravagante. Essa burguesia representa o pólo moderno do filme.
Já o pólo da tradição está nas ruas, com muitos cachorrinhos desfilando por aí
e personagens altamente prosaicos como o próprio sr. Hulot, mas também
feirantes, varredores de ruas, pintores de paredes, donos de bar, morando em
prédios antigos, num bairrozinho que nos remete a uma cidade de interior, cujo
fundo musical característico nos leva a um misto de alegria, simplicidade e
nostalgia.
E o sr. Hulot? Esse é
um personagem sensacional. Ele é um personagem mudo! Não diz uma palavra sequer
e nos faz rir com gags visuais que
nada ficam a dever a mestres como Buster Keaton ou Charles Chaplin. A cena em
que ele vai para o seu apartamento no último andar de um prédio antigo, onde
ele passa por várias janelas e portas, é magistral! Ao ir para a casa
ultramoderna do sobrinho, todo o estranhamento na cozinha cheia de aparatos
tecnológicos e até o caminhar aleatório pelo piso de pedras do jardim, além de
inúmeras situações ao longo da história, dão para a gente a sensação de que
voltamos ao melhor do cinema silencioso. Essa é uma grande sacação do mestre e
o melhor que seus filmes têm.
Mas, para não ficar taxado
de imitador do cinema mudo, Tati também sabe usar com maestria o som. Quando o
cunhado do sr. Hulot liga para o mesmo, que está no bairro antigo, escutamos o
fundo musical típico do bairro ao fundo do som do telefone. Numa ida do mesmo
cunhado ao bairro antigo, um velhinho o ajuda a manobrar e estacionar na vaga,
andando vagarosamente para lá e para cá a cada manobra, com um corte abrupto na
música de fundo, que provoca um efeito sonoro muito engraçado e sincronizado
com o que vemos na imagem. Não podemos nos esquecer também da festa que é
promovida na casa futurista com o objetivo de tentar casar o sr. Hulot com a
vizinha altamente exótica. Nosso protagonista fala baixinho piadas no ouvido de
uma das convidadas, que dá estridentes risadas, altamente inconvenientes para
aquele ambiente burguês.
Decididamente, no
embate tradição X modernidade visto no filme, Tati veste a camisa da tradição,
retratando a vida urbana de bairro como algo bem positivo, onde há uma
interação e harmonia entre os membros da cidade, até quando há uma briguinha ou
outra. A única crítica à tradição está no vendedor de sonhos, que confecciona o
doce na rua com mãos imundas. Já o
ambiente moderno da casa soa muito estranho e as relações humanas são altamente
artificiais e assépticas. E a parafernália tecnológica parece às vezes muito
fútil, onde vemos máquinas que abrem portas de armários ou viram bifes na
frigideira. De qualquer forma, Tati nos mostra que a tradição perde a luta para
o moderno, principalmente quando presenciamos cenas de demolição de prédios no
bairro antigo.
Após essa rápida discussão,
podemos perceber como “Meu Tio” trabalha muitos elementos de grande interesse,
tornando-se uma obra prima e, simultaneamente, uma comédia que nos entretém
muito. Tudo na medida certa. Um filme que deve constar na videoteca de qualquer
cinéfilo que se preze.
Cartaz do filme. Hulot,
crianças e cachorrinhos. Para que mais?
Sr. Hulot (com seu
inseparável cachimbo) e sobrinho.
Uma casa moderna
demais.
Sr. Hulot, ícone da
tradição, embananado com a parafernália tecnológica da cozinha.
Sequência magistral.
Para chegar lá em cima, o sr. Hulot passou por várias janelas e portas.
Bairro da cidade. Vida
prosaica de interior.
Pegadas. Deliciosa gag visual. Parece, mas não é.
Ambiente ultramoderno.
Estranhamento.
Casal preso na garagem.
Reféns da própria tecnologia.
Adorei o texto como adorei o filme . Revi semana passada. Muito bom .
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