Getúlio.
Mais Fatos, Menos Historiografias.
Saiu mais um bom filme
brasileiro. O longa “Getúlio” tem como objetivo principal contar os últimos
dias do presidente Vargas no poder até o seu suicídio em 24 de agosto de 1954.
Esse filme, dirigido por João Jardim e produzido por Carla Camurati, faz um
interessante resgate daqueles dias de muita turbulência no Brasil e em sua
política.
O filme começa com o
atentado contra o mais ferrenho opositor de Vargas, o jornalista Carlos Lacerda
na rua Tonelero, a mando de Gregório Fortunato (interpretado por Thiago
Justino), chefe da guarda de Vargas que resultou na morte do segurança pessoal
de Lacerda, o major da Aeronáutica Rubem Vaz. Aqui, o filme buscou “lavar as
mãos”, pois, no atentado, Lacerda (interpretado por Alexandre Borges, aliás uma
ótima interpretação!) teria sido atingido no pé e não vemos qualquer tiro sendo
tomado pelo jornalista. Especula-se que o próprio Lacerda tenha atirado contra
o seu pé, aproveitando a morte do major para colocar toda a culpa do crime em
cima de Vargas. Rubem Vaz foi morto com um tiro de uma pistola 45, que teria
estraçalhado o pé de Lacerda, se ele fosse atingido por essa arma. O jornalista
também teria se recusado a entregar sua arma para a polícia. Assim, o filme
tomou a postura responsável de não mostrar como Lacerda foi ferido, mas somente
o ferimento em si, lançando as especulações aqui citadas no ar, tal como elas
são lançadas até hoje. Após o atentado, vemos toda a ferocidade de Lacerda, já
condenando Vargas pelo atentado e exigindo a sua renúncia.
O filme tem toda uma
preocupação didática de contar detalhadamente as investigações e identificar,
com legendas, os personagens históricos que participaram de todo o processo,
dando boa legitimidade histórica ao filme no ponto de vista factual. As
intrigas militares são também muito bem assinaladas, exibindo os conflitos
entre os ministros da Aeronáutica e da Guerra, assim como o complô militar para
derrubar Vargas, onde a palavra deposição era utilizada com desenvoltura e até “legitimada
democraticamente” nos discursos do líder da oposição Afonso Arinos. Militares
esses que já haviam derrubado Vargas em 1945, como é dito pelo próprio
presidente no início do filme (interpretado por um parrudo Tony Ramos). Aliás,
esse monólogo introdutório é importante como elemento de contextualização da
situação em 1954. Enfim, vemos uma preocupação muito interessante com a parte
factual da história e com uma descrição bem didática dos fatos. A interpretação
desses fatos apresentou elementos interessantes como mencionar que os grupos
políticos anti-Getúlio em 1954 foram os mesmos grupos que defenderam o golpe de
1964. E, para botar um ponto final com relação ao debate historiográfico, foi
colocada uma frase de Vargas onde ele disse que prefere ser interpretado a
falar dele mesmo. Toda essa preocupação com a leitura histórica no filme deve
ser consequência do fato de que todo filme que aborda temas históricos é, na
maioria das vezes, criticado por historiadores. A própria Carla Camurati produtora
executiva de Getúlio, já fora muito espinafrada em seu filme “Carlota Joaquina,
Princeza do Brazil” por usar uma referência historiográfica um pouco antiga e
lusófoba. Desta vez em “Getúlio”, vemos um filme mais factual e mais
“historiograficamente neutro”, onde é deixado para o público as suas próprias
tomadas de conclusões sobre as interpretações dos fatos. Vemos isso tanto no
atentado de Lacerda quanto na citação de Vargas ao final do filme. Mas isso não
significa que não haja um posicionamento na trama. Há uma radiografia da
conspiração militar, embora não tenha mencionado muito a oposição do
empresariado e as pressões do capital estrangeiro contra a política de
nacionalização. Na história, vemos uma oposição civil mais calcada nas figuras
individuais de Lacerda e Arinos. O detalhe a se lamentar foi a expressão de
Lacerda de resignação ao saber do suicídio de Vargas. Aquilo pareceu bastante
falso. Tanto que, reza a lenda que, ao saber do suicídio de Vargas, Lacerda
teria dito: “Filho da Puta, ele nos venceu de novo!”.
E os elementos
cinematográficos? O filme tem duas grandes virtudes principais. Em primeiro
lugar, a caracterização da época, com boas escolhas de locações, onde imagens
do Museu da República e da Assembleia Legislativa foram utilizadas, dando boa
legitimidade às cenas, isso sem falar do uso de automóveis da época, muito bem
conservados, criando um aspecto de elegância às imagens, elegância essa também
presente em um ótimo figurino. Ou seja, numa só frase, a reconstituição de
época estava muito boa. Mas talvez o elemento mais marcante tenha sido a
escolha do elenco. À exceção de Vargas (justamente ele!), os outros atores
estavam muito bem caracterizados! Houve realmente uma preocupação muito grande
em deixar os atores muito parecidos com os personagens históricos. Tanto que,
nos créditos finais, temos imagens dos atores colocadas ao lado de fotos dos
personagens reais, numa mostra de que o trabalho de caracterização foi muito
eficiente. Só foi uma pena isso não ter acontecido com Varges e com Fortunato. Um
último elemento cinematográfico interessante foi em cima do personagem de
Vargas, onde seus pesadelos provocados pelo medo do golpe e da prisão
desmontavam a figura de estadista e ditador, humanizando-o um pouco. Sua opção
pela via democrática em seu segundo mandato também fica clara no filme, não
usando a solução ditatorial e da força até talvez por falta de opção.
Resumindo, podemos
dizer que “Getúlio” é um bom filme por lidar com habilidade com um tema
histórico, sempre tão espinhoso para o cinema (embora sempre devamos nos
lembrar que a arte cinematográfica não tem qualquer compromisso com o que se
considera verdade ou uma determinada leitura do passado) e de possuir elementos
cinematográficos dignos de uma obra bem feita e cuidadosamente planejada.
Cartaz do Filme
Apesar do barrigão,
Tony Ramos não se parecia com Vargas.
Mas foi muito boa a
caracterização da época.
Carrões antigos também
foram estrelas.
Drica Moraes também
arrebentou como a filha de Vargas.
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