Divergente.
Novas Leituras De Velhos Modelos.
O filme “Divergente”
não tem nada de original em sua história. Mas, mesmo assim, é uma película
digna de atenção pois, baseada num best-seller
mundial, busca recontar tramas já conhecidas de uma nova forma. Sendo uma
colcha de retalhos de gêneros como a ação, o suspense e a ficção científica,
esse filme dirigido por Niel Burger traz um elenco de carinhas ainda não tão
conhecidas, mas que se ampara em duas atrizes que já foram mocinhas em suas
épocas de juventude: Ashley Judd e Kate Winslet.
Vemos aqui um mundo num
futuro não muito distante, depois de uma suposta guerra que abalou a
humanidade. A cidade de Chicago semidestruída vê uma nova (?) organização
social dividida em cinco facções: os eruditos, os abnegados, os amigos, os
sinceros e os audazes. O poder está nas mãos dos abnegados, altruístas por
excelência, preocupados em ajudar as pessoas, servindo-as como funcionários
públicos. Desde já fica claro que os abnegados são a alegoria do regime
democrático. Os eruditos são homens de ciência, preocupados em desenvolver as
tecnologias. Os sinceros defendem a verdade e as leis. Os amigos defendem a
fraternidade entre as pessoas e os audazes são os corajosos que exercem a
função de polícia. Há, também, os sem facção, que são praticamente moradores de
rua. Os jovens, ao alcançar uma certa idade, escolhem qual facção irão seguir
após um teste de aptidão. Geralmente, quem nasce numa facção escolhe a que já
vive, mas há exceções. Numa família de abnegados, a jovem Beatrice
(interpretada por Shailene Woodley) escolhe a vida dos audazes, para a decepção
dos pais que não mais a verão. O detalhe aqui é que os resultados de seu teste
de aptidão foram inconclusivos, ou seja, ela tinha elementos de mais de uma
facção, sendo classificada como “divergente”. A mulher que lhe aplicou o teste
disse que ela não deveria contar para ninguém o resultado. Ao entrar em sua
nova facção, Beatrice troca seu nome para Tris e se vê obrigada a passar por
severas provas dentro de uma rígida disciplina militar para poder fazer parte
da facção dos audazes. Se falhasse, ela terminaria como sem facção. Tris terá
então que enfrentar suas limitações e usar todas as suas habilidades, ao mesmo
tempo em que esconde que é uma divergente. Apesar de todos os contratempos,
Tris se torna uma audaz. Mas há um plano arquitetado pelos eruditos, liderados
por Jeanine (interpretada por Kate Winslet), que quer tomar o poder dos
abnegados, sob a acusação de que eles querem acabar com as facções. Para isso,
os audazes serão “lobotomizados” com soluções químicas para deixá-los altamente
sugestivos e usarem de sua violência e força militar para tomar o poder.
Jeanine abomina a vontade e ambição humanas, causadoras da guerra de anos
antes. Assim, Tris, que é uma divergente e está imune às sugestões dos
eruditos, vai lutar contra essa tentativa de golpe e, ao mesmo tempo, tem que
impedir de ser morta, pois os divergentes têm vontade própria, já que
apresentam características de várias facções.
Quando é dito aqui que
o filme não é algo original, quer se dizer que a história bebe em várias
fontes. A primeira delas é a noção de estado autoritário que reprime totalmente
a individualidade das pessoas, sendo o estado nazista talvez um dos melhores
exemplos. A divisão da sociedade em facções com funções estritamente definidas
remete a esse estado autoritário, presente de uma certa forma, desde “A
República”, de Platão, passando pelas sociedades de Antigo Regime, indo até as
ditaduras com culto à personalidade do século XX, embora no contexto do filme
não haja um líder específico. A repulsa à vontade individual fica claro no
discurso de Jeanine, que a culpa pela provocação da guerra. Assim, a sociedade
de facções é uma “nova sociedade” platônica, onde cada indivíduo cumpre sua
função. O discurso de um Estado autoritário que deve reprimir a ambição e
vontade humanas também é visto no “Leviatã”, de Thomas Hobbes, um dos teóricos
do absolutismo. Quanto às facções propriamente ditas, já mencionamos que os
abnegados são a alegoria da democracia. Quanto aos audazes, fica bem clara a
sua posição militarista, altamente sedutora (Beatrice admirava os audazes desde
pequena!), como eram as sociedades fascistas que atraíam a população com seu
discurso ultranacionalista e vigoroso no que se tange ao uso de força bruta
para resolver situações de crise. Os eruditos, por sua vez, tem também um quê
autoritário que remete a uma ideologia positivista, que prega a ideia de que os
mais capacitados intelectualmente devem assumir os governos, evitando que
pessoas ignorantes do povo assumam altos cargos. Como a democracia possibilita
que qualquer pessoa possa subir ao poder, os positivistas têm uma pecha
altamente antidemocrática.
Assim, “Divergente”
transfere para um futuro próximo questões e modelos que já são conhecidos há
muito tempo. De qualquer forma, o filme tem seu valor, pois lança mãos desses
elementos conhecidos numa história cativante, que prende seus olhos à telona o
tempo todo, sendo uma concatenação de vários gêneros, onde cada um tem o seu
espaço na trama de forma adequada.
Tris. Escolha pelos
audazes, mas uma divergente.
Escolhendo uma facção.
Violentas provas de resistência e luta impostas
pelos audazes. Militarismo.
Jeanine. Manifestação
loura de um estado autoritário.
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