Florbela.
Torrentes De Tristezas E Tragédias.
Uma mulher a frente de
seu tempo. O maldito branco na hora de escrever. Um rosário de tristezas,
mágoas e tragédias, entremeado por breves momentos de alegria e prazer. Pronto.
Estão descritas as ideias principais do bom filme “Florbela”, de Vicente Alves do
Ó, sobre a escritora portuguesa Florbela Espanca e sua atribuladíssima vida,
que parece sempre estar no meio das mais negras tempestades.
O filme começa com a
nossa personagem principal (interpretada por Dalila Carmo) numa tórrida cena de
sexo seguida por uma violenta agressão que ela sofre. Logo descobrimos que ela
trai o marido e o abandona, deixando o cônjuge aos prantos e entregue ao
desespero. As lágrimas silenciosas da moça denunciam o seu remorso. Ela começa
uma nova vida com o seu ex-amante e agora esposo Mário Lage (interpretado por
Albano Jerônimo). Entretanto, o caráter altamente liberal de Florbela, muito à
frente de seu tempo (a escritora era contemporânea da década de 1920), lhe
trará os mesmos problemas com o seu novo marido. Ao saber que seu irmão Apeles
(interpretado por Ivo Canelas) a espera, ela faz uma viagem para outra cidade
ao encontro dele, deixando o marido sozinho em casa, algo inimaginável para a
época. Quando ela encontra o seu irmão, percebemos duas coisas: que ele é
aviador e que existe um vínculo muito forte entre os dois. As conversas entre
os irmãos também revelam outros detalhes da trama: a escolha de vida dos dois é
repudiada pelo pai, que não os reconhece como filhos; a moça está com pouca
vontade de escrever (depois ficamos sabendo que ela está com uma tremenda crise
criativa); e as divagações lusitanas sobre a amargura e a tristeza estão mais
firmes do que nunca. O filme mostra também duas pérolas de pensamento na
conversa dos irmãos, algo que soa mais ou menos assim: “viver é não ter a
percepção de que se está vivendo” e “a dor que a saudade dos mortos nos provoca
tem que doer mesmo, pois assim percebemos que estamos vivos”. Belos pensamentos
sobre a vida e a morte.
O estilo avançado e
despojado de Florbela lhe traz mais aborrecimentos do que alegrias e ela
conclui que não sabe viver, pois não se enquadra nos valores de sua época. Muito
sofrimento ela acaba trazendo para o seu marido, que a persegue, despertando a
revolta da esposa. Mas uma conversa entre Mário e Apeles fará com que o cônjuge
adote uma postura mais liberal com a moça, o que faz o casamento perdurar,
mesmo que aos trancos e barrancos.
Outros dramas pessoais
permeiam o filme: o complexo de inferioridade de Florbela com seus poemas, uma
agressão sofrida por ela durante uma manifestação de rua, a morte da namorada
do irmão, o desespero de Florbela em ver o irmão seguir a perigosa carreira de
aviador, o que vai acarretar na perda de uma criança que ela espera, a
previsível morte do irmão num acidente aéreo, que leva Florbela ao desespero
total. Enfim, uma série de pancadas que a vida deu na moça. E qual será o lugar
onde ela buscará refúgio? Justamente na casa dos pais, onde seu pai a trata
friamente por causa de seus divórcios. Mas ir à casa dos pais pareceu algo
premeditado, pois ela tentou o suicídio, atirando-se ao poço e foi salva pelo
pai, que aparentemente se reconcilia com a nossa poeta. Ela retornará a casa do
marido que, a essa altura, já a queria ver pelas costas. A moça ainda consegue
voltar a escrever, mas vive somente mais três anos até morrer de tristeza, no
dia de seu aniversário de trinta e seis anos. Somente depois de sua morte, o
pai reconhecerá Florbela e Apeles como filhos.
Ufa, que história
pesada! E real. A gente até sabe que nossa vida é feita de altos e baixos, mas
parece que algumas pessoas têm a vocação para a tragédia, o que é o caso de
nossa Florbela aqui. Após ver um filme como esse, a gente sai do cinema
frustrado, pois presenciamos toda aquela dor sem poder fazer nada, e só podemos
assistir a um rosário de sofrimentos que atira nossos personagens para o
cadafalso. E, vivenciamos atônitos e impotentes, as dores reais de vidas já
passadas e esquecidas. Valem as palavras de Florbela Espanca ao fim do filme:
“Nossos mortos só morrem com a gente, mas eu não queria morrer com meus
mortos”. Ou seja, nossos entes queridos falecidos estarão sempre vivos enquanto
nos lembrarmos deles, mas carregar a dor da saudade é uma experiência que pode
ser insuportável. É um filme que nos faz pensar, que nos ajuda a reencarar a
vida e seus percalços. Carregamos seus personagens reais em nossos corações.
Cartaz do filme.
Uma poeta elegante e a
frente de seu tempo.
Crises criativas.
Apeles, o irmão
querido.
Inseparáveis, na
alegria e no desespero.
Irmão que aconselha
marido.
Últimos anos.
Escrevendo com dores acumuladas.
A verdadeira Florbela
Espanca.
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