Cortinas
Fechadas. O Cinema Na Luta Contra O Autoritarismo.
E o cinema cumpre sua
função social de lutar pela democracia e contra o autoritarismo. O filme
“Cortinas Fechadas”, de Jafar Panahi e Kambuzia Partovi pode até não ser muito
convencional e um tanto enfadonho, mas tem grande importância, pois o excelente
cineasta iraniano Jafar Panahi foi condenado a não filmar no Irã por vinte
anos, sob a alegação de falar mal do governo. Caso ele filmasse, ele seria
condenado a seis anos de prisão domiciliar. Você teria peito para filmar?
Panahi teve.
A filmagem foi feita às
escondidas, na casa do diretor, e todo o material foi enviado de forma
clandestina para o exterior. O filme ganhou o Urso de Prata no Festival de
Berlim de 2013 com melhor roteiro. Só essa história em si já é de tirar o
fôlego. Mas por qual mensagem Panahi arriscou tanto o seu pescoço? O que ele
queria nos dizer? Quais são as inquietações de um artista que sofre a violência
de uma censura e uma condenação judicial?
Vemos no filme um
escritor (interpretado por Partovi) que claramente simboliza o espírito
criativo de Panahi. Ele vive em sua casa totalmente isolado, com todas as
cortinas fechadas, com medo da presença das forças policiais que rodeiam a
área. Às escondidas, ele traz um cachorrinho, animal que é considerado “impuro”
no Irã e que é exterminado sistematicamente pelas autoridades. A cena em que o
cachorrinho vê o massacre de cães promovido pelo governo é, igualmente,
comovente e brutal. Numa noite, um casal de irmãos entra por uma porta aberta
da casa, se escondendo da perseguição da polícia. O escritor num primeiro
momento, e num arroubo de pavor, quer expulsar o casal de casa, já que sua
situação também está comprometida com o governo, mas seu espírito humanitário
acaba falando mais alto e ele acolhe a garota, Melika (interpretada pela
belíssima Maryam Moqadam), que tem tendências depressivas e suicidas. Logo
percebemos que essa menina representa os sentimentos mais sombrios de Panahi
com relação a todas as pressões que ele sofre do regime. Enquanto o escritor
continua a fazer seu trabalho, Melika sempre menciona a inutilidade daquela
tentativa. Em outro momento, Melika arranca todas as cortinas das janelas para
desespero do escritor, num claro sinal de conflitos de sentimentos vívidos na
mente do cineasta. O próprio cineasta aparece no filme, mas não encontra o
escritor e Melika, que são constituintes da sua psiquê. Ele encontra a casa
bagunçada, com as cortinas abertas, a janela quebrada e os móveis revirados,
fruto dos conflitos do escritor com Melika. Assim, Panahi vai mostrando sua
vivência cotidiana: manda consertar a janela quebrada, conversa com pessoas
interessadas em seu trabalho que o visitam, recebe almoços deliciosos da
vizinha. Nessa parte do filme, um vizinho lança a seguinte pérola: “agora as
coisas estão ruins para você, mas não se preocupe, isso passa, as coisas vão
melhorar. No fim das contas a vida é formada apenas de lembranças”. As cenas de
tentativa de suicídio também são especiais, onde vemos Melika entrando na água
do mar e caminhando até sua cabeça afundar. Panahi faz o mesmo, mas logo depois
ele retorna das águas com o filme rodando de trás para frente, num claro sinal
dos altos e baixos do estado emocional do artista e de sua vontade de lutar
mesmo após as crises de depressão. O filme não poderia terminar de forma mais
emblemática. Panahi fechando a sua casa com um portão de grades sanfonadas e
indo embora, numa alegoria da situação de prisão em que ele se encontra e da
qual não temos muita informação.
Somente um artista
poderia traduzir sua angústia pessoal em uma arte tão significativa. Todo o
autoritarismo do mundo não foi suficiente para calar o poeta das imagens que é
Jafar Panahi. E o cinema se mostra mais uma vez como uma arma implacável contra
as arbitrariedades dos imbecis com visões estreitas.
A lindíssima Melika
O escritor e o
cachorrinho
Panahi: luta pela
liberdade
Suicídio como alegoria
do desespero
Cena final: prisão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário