Miss
Julie. Jogo De Sedução Entre Classes Sociais.
Um bom filme nas nossas
telas. “Miss Julie” é apresentado com dois atrativos principais. Ele foi
escrito e dirigido por Liv Ullmann, lendária atriz que trabalhou com o não menos
lendário diretor sueco Ingmar Bergman, além de ter tido um relacionamento com
ele. E Ullmann se inspirou numa peça do escritor sueco August Strindberg, que
produziu textos naturalistas e é considerado um dos precursores do
expressionismo no teatro. Outro detalhe interessantíssimo foi a escolha do
elenco, com os “hollywoodianos” Jessica Chastain e Colin Farrell, acompanhados
de Samantha Morton. Com todos esses atrativos, pode-se dizer que foi uma
fórmula que deu certo. E muito certo.
Vemos aqui a história da
tal Miss Julie (interpretada por Chastain), uma mocinha filha de um Barão
anglo-irlandês, que aparentemente sempre teve uma vida muito mimada e protegida
dentro do seio aristocrático. No verão de 1890, no dia do solstício, Julie
começa um jogo de sedução com John, (interpretado por Farrell), o mordomo da
casa, que era casado com Kathleen (interpretada por Morton), a cozinheira.
Nesse joguinho orquestrado por Julie, vemos todo um grande conflito entre
classes sociais, onde tais dilemas chegam às estruturas do Antigo Regime, que
em 1890 há muito haviam caído na Europa, mas que ainda mostravam espasmos e
reflexos.
O texto é um primor, méritos
de Strindberg e Ullmann, que conseguiu adaptá-lo para o cinema. Para não cometer
o pecado dos “spoilers” (outro dia tomei uma bronca de um amigo meu leitor no “tete-a-tete”
por causa disso, e prometi a ele me policiar), vou apenas dizer com relação ao
texto que ele possui inversões interessantíssimas quanto ao conflito entre
classes sociais, onde Julie e John mutuamente se elogiam e se acusam, trocando
a toda hora a condição de hegemonia de uma classe perante a outra. E tais
diálogos foram feitos com grande engenhosidade.
Para que essa
engenhosidade fosse perfeita, a interpretação dos atores era fundamental. E aí,
podemos dizer que a grande estrela do filme foi Colin Farrell. Ele foi muito
intenso a grande parte da história. Dá gosto de ver um grande ator do cinema
americano sendo aproveitado por Ullmann na adaptação de uma peça europeia de um
escritor consagrado. Farrell deu grande dramaticidade à coisa, com oscilações fortes
de emoção, indo da serenidade ao desespero, da paixão ao ódio. Não que Jessica
Chastain tenha ido mal, mas sentimos melhor o seu talento nas partes mais dramáticas
do filme, da segunda metade em diante, onde ela também se saiu muito bem. Entretanto,
Farrell foi mais presente por toda a película, muito em virtude de seu
personagem e de seu passado com Miss Julie. Só é de se lamentar que Samantha
Morton tenha aparecido um pouco menos, pois nas cenas em que ela atua,
percebemos que a atriz não ficava devendo em nada aos seus colegas, sendo a expressão
da serenidade em pessoa em meio a todo aquele turbilhão. Um filme de atores que
fizeram muito bem seu serviço. Um filme para quem gosta de atuação.
E nossa Liv Ullmann na direção?
Pode-se dizer que, com um elenco desses, até foi moleza. Mas não podemos negar
que Ullmann é cheia de virtudes. Adaptar uma peça para o cinema foi uma delas. Embora
o espaço da cozinha fosse o da maioria dos diálogos, outras locações foram
escolhidas, como por exemplo, os bosques, onde a fotografia estava simplesmente
deslumbrante. Os figurinos também estavam numa boa medida, sobretudo os de
Farrell e Chastain, sempre de azul, a cor da tristeza na cultura anglo-saxã (o
detalhe do ombro à mostra de Chastain era uma alegoria da decadência da
personagem e do Antigo Regime). Ullmann também fez belos closes nos diálogos,
obtendo boas imagens de perfil de Farrell e belas imagens de Chastain, cada vez
mais desfiguradas e descabeladas com as crises de relacionamento. Uma mecha que
teimava em cair do cabelo ordenadamente penteado de Farrell era mais um sinal
do caos interclassista instalado naquele relacionamento impossível.
Assim, se você gosta de
um filme com um belo texto, boas interpretações e belas imagens, metodicamente
construídas, “Miss Julie” é um prato cheio e altamente recomendável. Só deve-se
dizer que o andamento é lento, sem voos muito rápidos e ágeis. Mas, ainda
assim, um excelente programa, que só aumenta a curiosidade sobre a produção de
Strindberg.
Cartaz do filme
Miss Julie. Uma mulher solitária em seu mundo aristocrático...
John. Mergulhando num caso com Julie...
Um perigoso affair...
Ombro à mostra. Sinal de decadência...
Kathleen. Serenidade...
Ullmann dirigindo Farrell.
Liv Ullmann, ontem...
... e hoje.
August Strindberg, o autor desse magnífico texto...
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