Era
Uma Vez Em Tóquio. Desconstruindo um Remake.
O que acontece quando
você vê o remake de um filme antes da
primeira versão? Você desconstrói o remake,
lógico! Os dois filmes japoneses que estão em circuito, “Era Uma Vez Em Tóquio”
(1953) e seu remake “Uma Família em
Tóquio” (2013), nos dão a chance de fazer uma comparação de como a mesma
história é contada em diferentes épocas, dando margem a uma reflexão e tanto.
Nos dois filmes, a
história é muito simples. Um casal de idosos que vive afastado de Tóquio vai
visitar seus filhos já adultos e com suas vidas formadas na capital japonesa. Devido
às suas ocupações, os filhos começam um jogo de empurra para ver quem fica com
os pais. Tudo é feito sem qualquer constrangimento ou arrependimento. Até que a
mãe adoece e morre, o que obriga a todos largarem as suas vidas e a
participarem do funeral na longínqua cidade dos pais. O trauma que poderia ser
uma chance dos filhos se redimirem dos seus atos supostamente mesquinhos se
torna algo ainda mais digno da indignação, pois uma das filhas ainda quer levar
algumas roupas da mãe logo depois de morta. A história mostra de uma forma nua
e crua como os filhos se distanciam cada vez mais dos pais, mesmo numa
sociedade serena e que valoriza tanto a honra como na sociedade japonesa. Entretanto,
as versões de 1953 e 2013 apresentam algumas diferenças que são dignas de nota,
tal como um tema musical com variações.
Em primeiro lugar, a
história sofre diferenças de acordo com a época em que elas passam. Na versão
original de 1953, o casal de idosos tem três filhos, mas um deles é falecido,
pois morreu na 2ª Guerra Mundial, que havia acabado cerca de oito anos antes. A
nora, que era viúva, Noriko (interpretada por Setsuko Hara), tem uma presença
bem marcante desde o início do filme, sendo o membro da família que mais se
preocupa com o casal e os trata de forma mais doce. Há um vínculo entre os
idosos e Noriko, pois o casal não suporta a longa viuvez da nora e a
“autorizam” a procurar um novo marido, algo que ela reluta em fazer, por achar
muito egoísmo da parte dela pensar num novo relacionamento. Esse vínculo
afetivo entre o casal de idosos e a nora Noriko foi o que de melhor surgiu na
versão de 1953 e acabou parcialmente se perdendo na versão de 2013, pois nesta
última versão, o terceiro filho está vivo e há um relacionamento com Noriko
mantido às escondidas dos pais tradicionalistas (novos tempos, novas atitudes).
Ao descobrir Noriko, a mãe encontra uma “nora” temerosa de rejeição e começa um
relacionamento com ela, onde se tornam muito amigas. Mas Noriko só será
descoberta por toda a família nos funerais da mãe e surgirá todo um dilema de
como o pai, recentemente viúvo, aceitará a nora desconhecida. Talvez tenha sido
por isso que Noriko e seu namorado não tenham deixado a casa do patriarca logo
após o funeral da mãe. Na versão original, Noriko logo deixa a casa do pai,
pois ela precisa voltar ao seu trabalho. Aliás, a necessidade de Noriko
retornar ao seu trabalho por ser uma viúva de guerra é bem assinalada na versão
de 1953 como algo altamente negativo, já que a sociedade da época era bem mais
machista e uma mulher viúva trabalhar para viver dava um impacto de desamparo
muito maior que o de hoje.
E a partilha dos bens
da mãe após a sua morte? Vimos que uma da\s filhas queria levar algumas roupas
da mãe logo após a sua morte. A versão de 2013 tratou o assunto e forma
asséptica. Um dos parentes cortou a conversa com um “não é hora de discutirmos
isso agora” e ponto final. Na versão de 1953, tivemos uma abordagem muito mais
rica desse tema, pois a mocinha que vivia com o casal de idosos reclamou com
Noriko da mesquinharia dos filhos. Mas Noriko, sempre sorridente e serena, diz
que as coisas são assim mesmo, que os filhos se modificam com o tempo e que
eles não têm culpa disso. Perguntada se ela passou por essa modificação, Noriko
confirma que sim. A mocinha acha que essa modificação é muito ruim e Noriko,
resignada, concorda plenamente. Assim, o filme passa a ideia de que, quanto
mais os filhos crescem e se tornam independentes, mais eles se afastam dos pais
e isso é um processo natural, algo que o casal de idosos aceitava com muita
compreensão e serenidade. O dilema de consciência vem justamente no momento em
que repudiamos as atitudes dos filhos com relação aos pais, consideradas por
nós como insensíveis e mesquinhas, mas depois colocadas como um curso natural
da vida, fazendo com que o espectador saia da sala cheio de grilos na cuca e
inclusive repensando o seu próprio relacionamento com os pais. Tudo isso faz
desses dois filmes (“Era Uma Vez Em Tóquio“ e “Uma Família em Tóquio”) obras de
grande importância que nos fazem pensar como lidamos com nossas próprias
famílias, assunto às vezes muito espinhoso que jogamos para debaixo do tapete e
que provocam distanciamentos de até uma vida inteira.
A família.
Um sereno casal de
idosos.
Noriko, personagem
fundamental.
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