Vertigo
e Voyeurismo.
Saiu
a última cópia restaurada (2012) de “Vertigo”, mais conhecido aqui no Brasil
como “Um Corpo que Cai”, do grande diretor Alfred Hitchcock. Pode-se dizer que
o serviço foi muito bem feito, com imagens para lá de nítidas. É muito bom
rever grandes nomes do cinema como James Stewart e Kim Novak. E também reviver
essa grande história de suspense.
Para
quem não conhece ou se lembra, a história fala de um detetive da polícia, John
Ferguson (interpretado por Stewart) que está licenciado após, numa perseguição
a um bandido, ficar pendurado no último andar de um prédio, desenvolvendo
acrofobia (medo de altura). Para piorar, um policial ainda morreu tentando
salvá-lo. Por isso, Ferguson resolveu dar um tempo. Mas ele foi chamado por seu
amigo Gavin Elster (Interpretado por Tom Helmore), que pede que Ferguson
investigue sua esposa, Madeleine (interpretada por Kim Novak), que se comporta
estranhamente. Ferguson começa sua investigação e chega a uma estranha história
onde Madeleine é meio que possuída por sua bisavó, que havia se suicidado no
passado. Após uma tentativa de suicídio, Madeleine se aproxima de Ferguson e os
dois se apaixonam. Ferguson tenta dissuadir Madeleine de suas influências
espíritas e a leva a uma antiga missão religiosa em que sua bisavó teria vivido. Mas Madeleine
sobe as escadarias do campanário e se suicida. Ferguson fica meio zureta, com
um baita complexo de culpa por não ter conseguido enfrentar a altura do
campanário e salvar Madeleine. A partir daí, Ferguson perambula pela cidade,
nos locais onde ele via Madeleine, até que ele encontra Judy, uma moça muito
semelhante à Madeleine. Ferguson iniciará um relacionamento com Judy. Na
verdade, Judy é Madeleine, que era uma comparsa de Elster. O amigo de Ferguson
queria matar sua esposa e usou toda a história de Madeleine para atrair
Ferguson. Ao subir no campanário, Elster sabia que Ferguson não conseguiria
chegar até o alto e já esperava Madeleine com sua mulher morta, jogando o corpo
e forjando o suicídio de Madeleine. Assim, Ferguson foi a testemunha perfeita
para o suposto suicídio, com Elster fugindo com todo o dinheiro da verdadeira
esposa assassinada. Mas Ferguson, obcecado com Madeleine, obriga Judy a se
vestir como Madeleine. Ela esconde o segredo, pois também está apaixonada por
Ferguson. Mas Madeleine deu um pequeno descuido: usou o colar da suposta
bisavó, que aparecia num quadro da bisavó que estava num museu em que Ferguson
espionava Madeleine. Assim, Ferguson descobriu a tramoia toda e levou Judy/Madeleine
para a missão religiosa, onde tira toda a verdade da moça no alto do
campanário. O problema é que uma freira surge do nada, o que assusta Madeleine,
que cai do alto da torre e morre, deixando nosso Ferguson provavelmente zureta
de novo...
Realmente
um grande filme de Hitchcock. O grande detalhe aqui é o voyeurismo que permeia
todo o filme. Ferguson vigia Madeleine o tempo todo, sempre às escondidas.
Madeleine observa o quadro de sua suposta bisavó no museu. Nós, espectadores,
visualizamos buquês de flores e penteados que se repetem em Madeleine e no
quadro da bisavó. Ferguson busca mulheres semelhantes a Madeleine depois de seu
suposto suicídio. O pavor que Ferguson tem ao encarar grandes alturas. A freira
que espreita o casal na escuridão do campanário. O pesadelo de Ferguson, onde
vemos composições tensas de imagens, misturadas com animações abstratas. O
filme é um permanente exercício do olhar. Um olhar feito às escondidas, tenso,
que não pode ser descoberto; olhar que
não descobre, inicialmente, a trama assassina (Ferguson não vê seu amigo Elster
jogar a esposa morta do alto do campanário), mas deduz todo o plano também num
olhar, ao ver o colar da bisavó no pescoço de Judy. Imagem que leva a outra e
transmite uma mensagem subliminar, despertando a suspeita. Olhar que também
retransforma Judy em Madeleine, ao ser reconstruída por Ferguson em todos os
detalhes, do vestido a cor e penteado do cabelo exatos, fruto do voyeurismo de
Ferguson a Madeleine durante a investigação. Todo esse exercício do olhar nos
faz cúmplices de Ferguson, tanto que, quando Judy aparece pela primeira vez,
pensamos imediatamente: “É Madeleine!”, justamente depois de visualizarmos
tantos detalhes de seu rosto, assim como Ferguson o fez. Nós, espectadores da
sala de projeção, somos assim meio que parceiros de Ferguson nesse ritual de
admiração e devoção a Madeleine, o que nos aproxima do personagem protagonista
do filme, provocando grande empatia (e, diga-se de passagem, impossível não ter
empatia com um boa-praça como James Stewart!!!).
No
mais, o filme é um interessante documento de como eram as coisas em 1958, época
em que o filme foi rodado. Os carros na rua, as pessoas, hábitos, vestuário,
ainda mais nessa versão tão bem restaurada, são um verdadeiro testemunho vivo
em nossas retinas, trazendo o passado com tanta força e intimidade para nós no
presente. Esse é um verdadeiro milagre que somente uma arte como o cinema pode
nos proporcionar.
Por
essas e por outras, vale a pena recordar “Vertigo” mais uma vez...
Cartaz do Filme
Ferguson
e Madeleine.
Pesadelo
de Ferguson.
Medo
de altura (concordo plenamente...)
Confissão
e Morte no Campanário. Pelo menos, o medo de altura acabou...
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