12
Anos de Escravidão. 9 Oscars.
Mais um filmaço na
noite do Oscar. Esse talvez seja o melhor de todos. Embora a temática racial
nos Estados Unidos pareça ser um tema já muito batido, o assunto pode ser visto
como uma fonte inesgotável. E é isso que sentimos no excelente “12 Anos de
Escravidão”, de Steve McQueen, que já ganhou o Globo de Ouro de melhor filme. Mau
sinal para a premiação do Oscar. Tomara que eu esteja enganado.
Esse filme é baseado na
história real de Solomon Northup (interpretado por Chiwetel Ejiofor), um homem
negro livre que é músico e tem uma vida bem burguesa com sua família, isso em
meados do século XIX nos Estados Unidos. Um dia, ele recebe a proposta de
empregos de uns homens que dizem ser donos de um circo e precisam de alguém que
toque violino, justamente o instrumento de Solomon, que aceita a oferta. Ele irá
jantar com esses homens num restaurante e vai exagerar na bebida, perdendo a consciência.
Na verdade, Solomon cai numa armadilha, onde vai ser sequestrado para ser
escravizado e vendido o que, segundo a história apresentada, pareceu ser uma
prática bem comum na época. Assim, vemos Solomon, um homem livre e com estudo, presenciar
todos os horrores da escravidão, lutar para sobreviver nesse meio e bolar
estratégias para reaver sua liberdade. O filme tem o enorme mérito de analisar
a escravidão de forma bem fria mostrando os horrores dos castigos corporais em
detalhes, mas não sem mostrar um certo indício de paternalismo que os senhores
tinham para com os seus escravos, dentro de uma lógica de Antigo Regime em que
o mesmo pai que pune e castiga é o pai que ama e protege. Dessa forma, vemos
senhores que chicoteiam impiedosamente seus escravos, mas também os abraçam como
um pai que abraça os filhos. Ainda, vemos senhores usando escravas como objetos
sexuais, o que despertava a ira das senhoras que mutilavam as escravas sem dó
nem piedade, e principalmente no rosto, para deixarem suas faces cheias de
marcas. A forma como os escravos eram vendidos nos mercados também chama a atenção,
onde mães e filhos são separados e seres humanos são tratados como mercadorias (“esse
é forte e trabalhador”, “esta faz bons serviços domésticos”, “esse menino é
ágil e esperto”, “essa menina é mais clarinha e pode me dar muito dinheiro”,
etc.). Vemos capatazes negros estalando chicotes sobre escravos nas plantações de
algodão (algo que acontecia muito: os negros a serviço dos senhores punindo
negros, onde até o nosso protagonista letrado e refinado é obrigado por seu
senhor a chicotear uma colega). O caso de negras que casam com seus senhores e
têm uma vida de senhoras também é registrado no filme, mostrando como a escravidão
é um fenômeno complexo, afetando estruturas e relacionamentos sociais. Talvez esse
tenha sido um dos filmes mais historicamente fidedignos com relação ao tema da escravidão.
Daí a sua importância.
E os atores? Chiwetel
Ejiofor, nosso protagonista Solomon, foi muito bem. Ele realmente convence ao
mostrar todo o seu estado de choque quando entra em contato com as violências que
sofria como escravo. Benedict Cumberbatch (olha aí nosso Khan de novo!) fez um
senhor de escravos mais “bonzinho”, digamos assim (se bem que, quando o bicho
pegava, ele pensava mais em seu umbigo). Mas a interpretação de Cumberbatch foi
ofuscada pela de Michael Fassbender, que fez o senhor de escravos Epps, a
melhor materialização desse “paizão” de Antigo Regime, capaz das maiores violências
e sadismos, num contraste bem marcante com os (poucos) gestos de carinho que
tinha para com os seus cativos. Quem não conhece a complexidade da escravidão pode
achar que seus poucos gestos de carinho eram o resultado de uma mente insana,
mas os estudos históricos realmente apontam para uma visão paternalista do
senhor de escravos, apesar de todas as violências que praticava. Ainda com relação
aos atores, um destaque especial deve ser dado a Lupita Nyong’o, que faz a
escrava Patsey, e concorre ao Oscar de atriz coadjuvante. Patsey era a
preferida de Epps, por ser a que mais colhia algodão todos os dias (mais de
duzentos quilos diários!) e era usada como objeto sexual de Epps, o que
despertava a ira de sua esposa e imprimia-lhe as piores violências como dar uma
garrafada na cabeça da mocinha ou rasgar-lhe o rosto com as unhas. A escrava
chega a pedir a Solomon que a mate para se livrar daquela vida horrível,
mostrando outra estratégia que os escravos usavam contra a escravidão, que era
dar fim à própria vida. Ela inclusive será açoitada por Solomon a mando de
Epps, pois este, numa crise de ciúmes, acaba lhe imprimindo o castigo. Um detalhe
interessante parte da esposa de Epps, que alerta o marido sobre a expressão de ódio
que os negros têm para com os brancos e o medo de uma revolta escrava, numa menção
velada ao chamado haitianismo, que foi uma espécie de medo que os brancos
sentiram dos escravos negros, pois em 1803, na colônia francesa do Haiti, os
escravos se revoltaram, matando todos os brancos da ilha e formando uma
república independente (foi o primeiro país do continente americano a
conquistar sua independência depois dos Estados Unidos). Essa revolta escrava
haitiana despertou um receio de que escravos de outras partes do continente também
se revoltassem. E a esposa de Epps, na sua ânsia de vingança contra Patsey acaba
fazendo menção a um perigo de revolta escrava (lembremos que a história do
filme se passa na década de 1840, portanto, cerca de quarenta anos depois da
revolta haitiana).
Só espero que as
conquistas no Globo de Ouro não tirem “12 Anos de Escravidão” da briga pelas
estatuetas. É mais um filme fundamental, mais um filme de denúncia, mas talvez
um dos melhores concorrentes ao Oscar desse ano de 2014. Ele merece cada uma
das nove estatuetas a que concorre e, como eu sempre digo com os filmes muito
bons, “é para ver e ter”. Ah! E também tem o Brad Pitt!!! Mas nunca ele me
pareceu tão irrelevante...
Cartaz do Filme.
Solomon. Expressão de
Choque.
Fassbender
arrebentou!!!!
O diretor Steve
McQueen. Nome de ator de ação.
Patsey. Personagem que
provoca muita comoção.
Nosso Khan ofuscado.
Brad Pitt. E daí?
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