O
Homem do Rio. Colcha de Retalhos da Nouvelle
Vague.
O filme “O Homem do
Rio”, de 1964, é uma grande preciosidade. Concebido durante o período da Nouvelle Vague francesa que, dentro de
nossa visão estereotipada, trata-se de um movimento de filmes
intelectualizados, “O Homem do Rio” não tem nada disso. Ele parece ser uma
grande brincadeira e uma espécie de “colcha de retalhos”, já que ele faz
alusões e paródias a vários gêneros e filmes muito conhecidos, numa explosão de
intertextualidade.
Vemos aqui a história
de um roubo de três ídolos de pedra de uma suposta civilização pré-colombiana.
Uma some de um museu de Paris, outra está enterrada na antiga casa de Agnès Villermosa
(interpretada por Françoise Dorléac, que é nada mais, nada menos irmã de
Catherine Deneuve) que fica no Rio de Janeiro (a casa é o Parque Lage no filme),
e a terceira está em Brasília, na casa do milionário Mário de Castro
(interpretado pelo italiano radicado no Brasil Adolfo Celi). Essas três estátuas
precisam juntas ser levadas a uma gruta no interior da Amazônia, pois elas dão
a informação para se descobrir um grande tesouro. Para impedir que as estátuas
sejam roubadas, Agnès contará com a ajuda de seu namorado, o militar e porra
louca Adrien (interpretado por ninguém menos que Jean Paul Belmondo!), que está
de licença por uma semana. A partir daí, temos um grande filme de aventura, que
se passa em Paris, Rio de Janeiro, Brasília e no interior da floresta
amazônica. Temos muitas situações absurdas e engraçadas, como a insistência de
Adrien em perseguir carros a pé (e alcançá-los!), trepar em altos de prédios e
construções (tal como Harold Lloyd no cinema mudo), ver Belmondo voando de
cabeça para baixo pendurado no avião (tal como Chaplin em “O Grande Ditador”) e
mais muitas outras situações. Assim, podemos dizer, nos poucos exemplos que
vimos acima, o que já citamos: o filme é uma espécie de colcha de retalhos
formada por vários gêneros e homenagens a filmes diferentes. Há algo de
Hitchcock, de James Bond, até de Tin Tin na história, tudo colocado de uma
forma bem divertida.
Outro elemento
interessantíssimo do filme é o seu valor como documento histórico, pois ele foi
rodado em 1963 e finalizado em 1964. Assim, podemos ver uma Paris com menos
carros, o Rio de Janeiro da década de 1960, com o cais da Praça XV em
escombros, pela demolição do mercado municipal para a construção da perimetral
(e hoje é a perimetral que é destruída), o estado de abandono do Mirante Dona
Marta, sem qualquer arborização, as ainda baixas construções de Ipanema, a
Avenida Atlântica em mão dupla, etc. Tudo isso com a visão estereotipada de que
o Brasil só tem samba, mulher bonita, favela, malandragem, etc. Mas também é interessante
notar como o filme mostra um Brasil moderno, passando por uma Brasília ainda em
obras, e estamos falando de 1963, três anos depois da inauguração da cidade (a
catedral ainda estava em construção em 1963!). Vendo esse exemplo, podemos
entender porque nossos aeroportos só ficarão prontos depois da Copa e das Olimpíadas
(se ficarem!). O filme é especialmente engraçado para nós, brasileiros, pois
vemos Brasília a apenas cinquenta quilômetros de distância na Rio-Petrópolis,
ou então a mansão do milionário Castro ser o MAM, no Rio de Janeiro, com vista
para a Esplanada dos Ministérios em Brasília. Mas o cinema não se preocupa com
essas incongruências que tornam o filme ainda mais engraçado para nós.
Dessa forma, “O Homem
do Rio” é uma preciosidade, pois é uma grande comédia de aventura e de grande
sucesso de bilheteria na época, forjado no interior da Nouvelle Vague. E também um grande documento histórico de como era
o Brasil na década de 1960, onde vemos rupturas (cidades menores e em
construção em contraste com as cidades grandes e prontas de hoje) e
permanências (pobreza e miséria, principalmente na região amazônica, que parece
não ter mudado quase nada).
Cartaz do Filme.
Um vivaz Belmondo no
Mirante Dona Marta.
Beijo Apaixonado numa
Ipanema pouco urbanizada.
Belmondo em ação nas
ruas de Paris.
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