Barry
Lyndon: Drama com Tons de Comédia e Tragédia.
O filme “Barry Lyndon”,
de Stanley Kubrick, cujo roteiro foi baseado no romance de William Makepeace
Thackeray, tem uma história muito cativante, que prende nossa atenção em todas
as três horas de duração. Vamos aqui falar um pouquinho sobre o que essa
história nos conta.
O filme se passa na
Irlanda, em pleno século XVIII. Redmond Barry (interpretado por Ryan O’Neal) é
um jovem camponês que perdeu seu pai num duelo e vivia em dificuldades com sua
mãe. Ele era apaixonado por sua prima Nora (interpretada por Gay Hamilton), mas
ela estava prometida a um militar inglês. Redmond o desafia para um duelo mas,
sem saber, a bala de sua arma é trocada por uma bala de estopa, para que o
noivo de Nora não fosse morto. O pai de Nora precisava de uma ajuda financeira
para quitar suas dívidas e o oficial inglês iria bancar tudo. Assim, foi
forjada a fraude no duelo, o que não isentou Redmond de uma fuga. Redmond vai
para o mundo, ficando sem eira nem beira após ser assaltado. Ele alista-se no exército inglês e presencia
os horrores da guerra, desertando. Sua vida, então, passa a ser uma sucessão de
aventuras onde vemos situações engraçadas e inusitadas (numa espécie de “Forest
Gump” do século XVIII). Ele é preso por um oficial prussiano (aliado dos
ingleses) como desertor, passa a combater pelos prussianos para não ser
julgado, trabalha como espião para os prussianos, mas faz um acordo com o
irlandês (da mesma nacionalidade dele) que tinha que espionar. Os dois
conseguem fugir do controle dos prussianos e ganham a vida com o jogo de
cartas, tirando dinheiro dos nobres por onde passavam. Os nobres que não
pagassem as promissórias eram obrigados a enfrentar duelos com Redmond. O
duelo, inclusive, é um elemento que permeia todo o filme. Vamos falar dele com detalhes
mais tarde. Até esse momento, podemos dizer que a história possui uma
característica que se aproxima mais do gênero aventura, onde nosso protagonista
é um herói que se safa das mais variadas situações e torcemos muito por ele. A
coisa começa a mudar na segunda parte do filme. Ele se apaixona por uma moça
chamada Lady Honoria Lyndon (interpretada por Marisa Berenson), mas ela é
casada com o ancião Sir Charles Lyndon. Redmond e Lady Lyndon se tornam amantes
e Sir Charles morre após discutir com Redmond. Assim, há o casamento entre os
dois amantes, algo reprovado pelo filho de Lady Lyndon, Lord Bullingdon. Após
esse casamento, Redmond passa a se chamar Barry Lyndon e tem um filho com sua
esposa. Mas as coisas serão muito turbulentas, pois Barry tem várias amantes,
deixando claro que somente se casou com Lady Lyndon por conveniência, o que
despertou o ódio de Lord Bullingdon. Barry e Bullingdon se tornariam inimigos
mortais. A mãe de Barry advertiu o filho dizendo que ele não tinha um
patrimônio próprio, que o dinheiro que ele desfrutava era todo da esposa. Para
que ele não dependesse tanto da esposa, era necessário que ele tivesse um
título de nobreza. E aí Barry passou a gastar muito dinheiro com favores e
paparicos a membros da nobreza para obter o título em troca, o que praticamente
acabou com a fortuna de Lady Lyndon. Só que o plano de Barry foi por água
abaixo, pois ele se desentendeu publicamente com Lord Bullingdon, chegando às
vias de fato, o que afastou os nobres. Para piorar a situação, o filho de Barry
morreu num acidente, o que tornou Lady Lyndon praticamente louca e fez Barry se
entregar a bebida. Nesse momento, Lord Bullingdon, que havia saído de sua casa
depois do ataque de Barry contra ele, retorna e propõe um duelo. Barry chegou a
ter a vida de Bullingdon nas mãos no duelo, mas atirou para o lado, algo que
Bullingdon não fez, atirando na perna de Barry, o que provocou sua amputação. Com
isso, Barry foi expulso da casa dos Lyndon e Bullingdon lhe deu uma pensão
vitalícia, desde que Barry abandonasse de vez a Inglaterra, até porque, se ele
continuasse por lá, suas dívidas o colocariam na cadeia. Assim, resignado,
Barry retorna à Irlanda. Ainda tenta retornar ao jogo, mas sem sucesso. Lady
Lyndon se recupera e Lord Bullingdon volta a viver com a mãe.
O filme tem alguns
pontos interessantes. O primeiro deles se refere a práticas presentes no Antigo
Regime, como a importância dos títulos de nobreza. Redmond Barry é um camponês
que quer ser alguém na vida, quer ter um título. Devemos nos lembrar que a
sociedade de Antigo Regime era altamente hierarquizada, com pouquíssimas
chances de mobilidade social. Tal situação se mostra bem presente na trama,
pois Redmond Barry persegue uma posição de destaque na sociedade, inclusive
obedecendo as regras do clientelismo (troca de favores) tão presente naquela
sociedade. E, mesmo praticamente dilapidando a fortuna de sua esposa para fazer
favores, não consegue atingir seu objetivo. O máximo que ele consegue é o
sobrenome Lyndon depois do casamento com Lady Lyndon. Mas Bullingdon, inimigo
declarado, fazia questão de chamá-lo pelo seu nome camponês: Redmond Barry. Outro
fator que lembra o Antigo Regime são os duelos para defender a honra. O filme
preocupa-se bastante em mostrar com detalhes todo o ritual e as variadas regras
dos duelos, que ocorrem em momentos-chave do filme: a morte do pai de Barry, a
ida de Barry para fora de sua cidade, a amputação da perna de Barry. A exibição
dos duelos nos mostra as contradições do Antigo Regime aos nossos olhos de
hoje, pois regras altamente racionalizadas (inclusive com normas de etiqueta) norteavam
um evento macabro, que poderia levar à morte.
Outro ponto marcante é
a forma como a história foi construída. Ela possui dois núcleos bem definidos:
o primeiro mostra a ascensão de Redmond Barry, onde ele é tratado como um herói
de filmes de aventura, altamente virtuoso e sem defeitos, e torcemos pelo seu
sucesso na busca de um lugar ao sol. Já o segundo núcleo mostra um Redmond
Barry excessivamente ambicioso e mesquinho, que traía a esposa, espancava o
enteado e buscava a qualquer custo seu título de nobreza. Se na primeira parte
do filme ele se comportou como mocinho e foi presenteado com isso, na segunda
parte, ele se comportou como vilão e foi castigado por isso (nunca teve seu
título de nobreza, perdeu seu filho, sua perna e foi obrigado a voltar para a
Irlanda e sua vida de pobreza). Aqui fica uma impressão de polarização
excessiva no personagem. No início, só virtudes e prêmios. E ao fim, só
defeitos e castigos. Nessa hora, a gente se lembra do personagem de Humphrey
Bogart, em “Casablanca”, Rick: um mocinho de “maus modos”, mas ao longo de todo
o filme, capaz de atos condenáveis, mas também de boas ações. Um dos motivos
dessa polarização em Barry Lyndon pode estar no fato de que, a medida que o
protagonista se afastava do campesinato e se aproximava da nobreza, seu caráter
se transformava de algo positivo (o camponês) para algo negativo (o nobre).
De qualquer forma,
Barry Lyndon é outro filme de Kubrick que suscita essas e mais outras
discussões interessantes, sendo altamente recomendável por isso.
Cartaz do Filme
Redmond Barry sendo
assaltado...
O filme tem uma bela
fotografia e figurino
Cena de guerra: mais
uma vez, esse tema aparece num filme de Kubrick
A cabeludíssima Lady
Lyndon
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