O
Clã. Família Trapo.
O cinema argentino nos
brinda com mais um bom filme. “O Clã”, dirigido por Pablo Tapero, o mesmo de “Elefante
Branco”, que ganhou o Leão de Prata em Veneza esse ano, e que têm entre os seus produtores, Pedro e Agustin Almodóvar, traz mais uma vez uma boa história contada na balada do passado
recente de nosso vizinho. E, quando o cinema argentino costuma revolver o
passado de seu país, o resultado é muito bom. Esse novo filme é baseado numa
história real da família Puccio, que na década de 1980 cometeu vários
sequestros e assassinatos, abalando a sociedade argentina. Essa família era
ironicamente liderada por Arquimedes Puccio (interpretado pelo grande ator
Guillermo Francella), um agente do serviço de inteligência que, durante a
ditadura, trabalhava na repressão. Mas veio o governo de Raul Alfonsín e a redemocratização,
e as pessoas como Arquimedes deveriam, digamos, sair de circulação até que a
poeira abaixasse. Entretanto, o que o nosso estimado Arquimedes faria para
sobreviver nesse meio tempo? Óbvio! O mesmo que ele fazia no seu emprego anterior:
sequestros! Só que agora a motivação não era mais política, mas sim era “la
plata”. E tudo isso acobertado pelos militares argentinos. O problema é que toda
a família de Arquimedes ficava envolvida, já que o cativeiro de seus reféns era
no aconchego de seu lar. Um dos filhos de Arquimedes, Alejandro (interpretado por
Peter Lanzani) se envolvia diretamente nas tramoias e nunca gostou muito disso,
já que tinha uma carreira promissora como jogador de rúgbi. E, com esses dados já
dá para perceber como a trama é rica e como existem vários dramas de consciência
envolvidos, onde alguns membros da família aceitavam passivamente os negócios
do papai, mas outros nem tanto.
É uma película que se
apoia enormemente na atuação dos atores, sobretudo a de Francella, que dá um
show. Se todo mundo pensava que o cinema argentino era só Ricardo Darín, os
cinéfilos de plantão também devem dar atenção a esse grande ator que inclusive já
contracenou com Darín. Francella deu a Arquimedes um olhar fixo, frio,
calculista e penetrante, que lhe rendeu um grande carisma sem falar uma palavra
sequer nessas tomadas. Igualmente fria era a sua interpretação na hora de
negociar os sequestros ao telefone, onde ele dava instruções pausadamente sem
levantar ou embargar a voz. Outro que esteve muito bem foi Peter Lanzani, o
filho Alejandro que, se no início ainda aceitava passivamente todas as condutas
do pai, com o tempo foi questionando-as até entrar em conflitos violentos com
Arquimedes.
Um detalhe curioso está
na capacidade que os argentinos têm de sempre politizar o contexto envolvido na
película. Mesmo que a intenção dos sequestros praticados por Arquimedes seja o
dinheiro, ainda assim aparecia uma ou outra situação em que o sequestrado tinha
alguma relação com um ou outro ricaço que tinha ajudado a ferrar o país
economicamente de alguma forma (ah, os malfadados tempos em que o FMI abalava
as estruturas econômicas de nosso combalido continente!). Ou seja, havia um
leve discurso que esboçava uma legitimação do sequestro, mas que era logo
pulverizado pelos maus tratos que a vítima sofria no cativeiro, num exercício de
recordação de que tal procedimento não acabaria com as mazelas sociais do país
e era altamente repugnante, pois membros da ditadura o haviam usado para manter
sua coerção e autoritarismo.
Dessa forma “O Clã” é
mais um interessante filme argentino que resgata uma ferida aberta no passado
recente do país, tem uma atuação soberba de Guillermo Francella e, ainda por
cima, nos faz refletir sobre o quanto é hediondo e degradante um tipo de crime
como esse, ainda mais quando você obriga toda a sua família a ser sua cúmplice.
Vale mais uma vez a pena dar uma chegadinha ao cinema para conferir essa
interessante história.
Cartaz do filme
Uma família respeitosa...
Uma família tradicional...
Um pai e um filho...
Tirando dúvidas do dever de matemática...
Um olhar penetrante, frio e calculista...
Pablo Trapero e Guillermo Francella.
O verdadeiro Arquimedes Puccio.
A verdadeira família Puccio...
Em Veneza...
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