Infância.
Memórias De Domingos De Oliveira.
O renomado diretor
Domingos de Oliveira está de volta com mais um filme. “Infância”, como o
próprio título denuncia, tem um quê autobiográfico que se remete a um Rio de
Janeiro dos tempos de Carlos Lacerda, Getúlio Vargas e Samuel Wainer. Numa
suntuosa mansão, cuja Dona Mocinha (interpretada magistralmente por Fernanda
Montenegro) controla a vida de seus filhos, genros e netos com mão de ferro, temos
uma reprodução microcósmica de uma sociedade conservadora e tradicional. No meio
disso tudo, o pequeno Rodriguinho (interpretado por Raul Guaraná), alterego do
diretor, se ressente da perda de sua cachorrinha que morreu comendo bolinhas de
naftalina. Rodriguinho também quer se lembrar de seu falecido avô, que o tinha
como seu neto favorito. O menino leva uma vida mergulhado nos livros, jogos de
xadrez e aulas particulares com uma formosa professora (interpretada por Maria
Flor). A forma conservadora como era educado o isolava de uma infância normal com
escola e amigos. Enquanto isso, Dona Mocinha fazia questão de escutar um
programa de rádio com um discurso de Carlos Lacerda, ativo opositor direitista
do governo Vargas, obrigando toda a família a fazer o mesmo, que admirava o
jornalista mais pela “performance” de sua oratória do que pelo conteúdo de seu
discurso, embora todos concordassem com ele. É desnecessário dizer que as
figuras de Vargas e Wainer eram totalmente execradas nessa casa tradicional. Mas
nem tudo é unanimidade nessa família. O filho de Dona Mocinha (interpretado por
Ricardo Kosovski) é desquitado e tem um filho totalmente agressivo. E o pai de
Rodriguinho (interpretado por Paulo Betti) faz negócios com os imóveis de Dona
Mocinha sem autorização, vendendo apartamentos da matriarca no Andaraí e
comprando terrenos no “fim de mundo” que era o Leblon. E assim, sem mais
spoilers, Rodriguinho vai recordando de sua infância.
Esse filme é baseado na
peça “Do fundo do lago escuro”, escrita por Oliveira em 1977, como o diretor
faz na maioria das vezes, adaptando suas peças para o cinema. Além de um certo
tom nostálgico com o Rio de Janeiro dos anos 1950, o filme tem como característica
principal radiografar a elite conservadora da sociedade daquela época e suas
neuras. A figura da mãe que interferia na vida de todos, de forma praticamente “absolutista”,
onde todos tinham que se submeter aos seus gostos, opiniões e caprichos. A família
certinha, com um nome a zelar, da esposa submissa ao marido, espelhada nos pais
de Rodriguinho. O filho que se perdeu ao se desquitar de sua mulher, o que fez
com que o netinho se tornasse um perturbado por ter uma família fora dos padrões
e agredir gratuitamente a torto e direito. A empregada (interpretada por Nanda
Costa) amparada por um caseiro mais velho, seu futuro marido, cujo casal é criticado
pela matriarca pela diferença de idade, mas mesmo assim, tolerado de uma certa
forma, como se as classes mais baixas, pela sua própria condição, não precisassem,
obrigatoriamente, passar pelo crivo dos valores das sociedades tradicionais,
dado o seu “baixo nível”.
Uma coisa que sempre
chama a atenção em filmes de época é a reconstituição do passado, seja no
vestuário, penteado, maquiagem e locações. E esta foi impecável no filme, muito
bem trabalhada, o que dá um conteúdo estético fascinante, tornando a película
uma coisa bonita de se ver. Nesse ponto, o filme foi perfeito.
Dessa forma, “Infância”
foi uma boa produção de Domingos de Oliveira, recuperando a credibilidade de
seu cinema, que tinha sofrido alguns arranhões em seus últimos filmes. Mérito pela
reconstituição de época. Mérito pela visão crítica de uma antiga sociedade. Mérito
pela boa escolha do elenco (uma Fernanda Montenegro sempre ajuda muito). Um filme
que vale a pena ver e ter.
Cartaz do filme
Uma família bem comportada.
Dona Mocinha. Matriarca com mão de ferro.
Rodriguinho e sua professorinha
A empregada que encanta.
A mesa tradicional
Domingos de Oliveira.
Montenegro e Oliveira na divulgação do filme...
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