Ventos
De Agosto. Côcos, Ventos, Ondas E Um Defunto.
Mais outro filme de
nosso país. “Ventos de Agosto” nos conta uma história um tanto peculiar, doida
e non sense até. Mas que até tem uma
certa lógica interna. Imaginem uma vilazinha de pescadores lá no cafundó do
judas do Nordeste, perto da praia. A rotina dos moradores se resume à pesca e a
catar côco. Literalmente. Uma menina de nome Shirley (interpretada pela bela
Dandara de Morais), que gosta de rock e tatuagem, é obrigada a ficar na
vilazinha cuidando da avó. Ela se envolve com um rapaz da vila, Jeison
(interpretado por Geová Manoel dos Santos). Depois que os empregados da fazenda
enchem a caçamba de um trator com côcos, Shirley e Jeison partem para outro local
para descarregar o côco colhido e vendido. No meio do caminho, param para o
sexo na caçamba, em cima dos côcos mesmo, o que dá ao filme um toque de grande
sensualidade. Outro ofício de Jeison é a pesca submarina. Shirley fica no barco
tomando sol nua enquanto o namorado trabalha. E assim, entre uma trepada, um
bico e os cuidados com a avó, a vida vai passando em câmara lenta. Até que, um
dia, um pesquisador de ventos (interpretado por Gabriel Mascaro, que também
acumula o cargo de diretor do filme) chega à vila para registrar os sons dos
ventos do local. Mas o infeliz morre, levado pelas ondas noturnas da praia.
Jeison achará o corpo e quer que a polícia vá buscá-lo para o levar para o IML.
Só que a vila é longe pacas e a polícia não vai. E Jeison cuidando do corpo
enquanto a polícia não chega, para a incredulidade de todos os moradores.
Por se tratar da vida
numa vila afastada, a cadência do filme é lentíssima e pode aborrecer em alguns
momentos. O uso de atores caracterizados e de prováveis figurantes locais
aproxima o filme do neorrealismo italiano e do cinema iraniano em algum nível,
onde populares eram usados nas filmagens. As cenas de nudez de Shirley e Jeison
são outra marca da película, enchendo a história de uma sensualidade que não é
vulgar, como muitos detratores do cinema brasileiro criticam. O filme também
tem um leve toque de humor em algumas situações, que ajudam a levar a coisa com
mais suavidade.
Mas fica aqui a grande
questão: por que Jeison tomou tanto cuidado com o corpo de um estranho? Talvez
pelo fato de a própria vila não cuidar de seus mortos. Um cemitério à beira mar
era a maior prova disso, onde a maré destruía as sepulturas e trazia à
superfície os ossos dos mortos. Um crânio encontrado no fundo do mar por Jeison
só foi identificado como um morador muito antigo da vila por um outro morador
antigo em virtude de seu dente de ouro e esse morador nem deu muita trela para
o crânio achado no fundo do mar, sugerindo, inclusive, que ele deveria ser
devolvido. Tais atitudes provocaram indignação em Jeison que, ao ver um corpo,
tomou todas as providências para o sepultamento dele, organizando até uma missa
juntamente com a comunidade para a encomenda da alma do morto. Essa indiferença
com os mortos por parte dos moradores da vila pode ser vista como uma alegoria
da falta de interesse com a memória de nosso país por parte do povo e,
provavelmente é um dos motivos principais do filme ter sido tão bem visto pela
crítica.
Agora, se você espera
entretenimento, “Ventos de Agosto” tem apenas alguns lampejos de humor e uma
dose refinada de sensualidade. No mais, é um bom filme “cabeça”, com arroubos
de neorrealismo e, por que não, cinema novo. A situação do lugar (uma vila de
pescadores) nos traz a lembrança de “Barravento”, do Glauber, por exemplo. É um
filme um tanto recomendável, mas depende muito do gosto do freguês.
Cartaz do filme. Sensualidade
Shirley e Jeison. Sexo na caçamba de côco em meio ao marasmo
Pesca submarina. Outro ofício de Jeison
Enquanto isso, Shirley toma Sol.
Shirley se sente presa cuidando da avó
Influências do neorrealismo italiano
Crânio encontrado no mar. Pouco caso com a memória
A chegada de um estudioso dos ventos mudará a rotina da vilazinha...
Dandara de Morais (Shirley) e Gabriel Mascaro (diretor e o coletor de ventos)
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