Depois
Da Chuva. Malhação Hard Core Em Dias De Nova República.
Mais um filme
brasileiro em nossas telas. “Depois da Chuva” tem um ar juvenil, ao bom estilo
“Malhação”. Mas em plena época da abertura política, com a eleição de Tancredo
Neves e a implementação da Nova República. Temos a oportunidade de testemunhar
como os jovens da época entendiam o contexto de transição do país de uma
ditadura para uma democracia. Isto é, jovens de uma escola particular bem
conceituada, jovens de uma elite baiana.
Vemos aqui a história
de Caio (interpretado por Pedro Maia), um garoto que vivia com anarquistas e
era uma espécie de ovelha negra da escola. Suas peças de teatro eram altamente
andróginas, onde ele e seus colegas se vestiam de mulheres interpretando mães e
filhas que questionavam os costumes da época e cantavam uma versão de “Negue”
em rock pesado (ops, alguém se lembrou do Marcelo Nova e do Camisa de Vênus
aí?). Ao fazer uma redação que criticava a volta do processo democrático e da
Nova República, dizendo que tudo nada mais era do que um continuísmo da
ditadura, Caio foi ameaçado de ser expulso da escola. Mas ele vai tentar
continuar por lá, se candidatando à presidência do grêmio.
O ponto chave do filme
foi a comparação entre a situação macroscópica da Nova República e a eleição do
grêmio estudantil da escola. Em ambos os casos, há um embate entre pensamentos
mais conservadores e mais progressistas. A volta à democracia se fez com uma
eleição indireta e com Tancredo Neves como mediador entre oposição e a elite
civil golpista. Assim, um pensamento conservador pairava no ar, da mesma forma
em que na escola, onde alunos politicamente moderados se acomunavam com a
direção conservadora na busca pelo poder. Contra tudo isso estavam os
anarquistas, grupo do qual Caio fazia parte. Mas, para não ser expulso e não
provocar problemas para a mãe que, diga-se de passagem, mal olhava para a cara
dele, Caio irá se “vender”, nas palavras de seu colega anarquista. O menino
vence as eleições, mas joga tudo para o alto, por não aceitar o esquema
conservador do “establishment”. Ao mesmo tempo, a morte de Tancredo e a posse
de Sarney também são um balde de água fria no processo democrático, com todo
mundo terminando com cara de tacho. A falta de atenção da mãe a Caio na sequência
final é o sintoma de que nada mudou e o futuro é sombrio.
O filme não empolga
muito, tem uma cadência lenta e alguns “bonequinhos” saíram da sala durante a
exibição. Mais uma boa ideia que poderia ter sido melhor aproveitada. A questão
de Caio ser reprimido pela escola ao fazer uma redação que denunciava a farsa
do processo democrático foi uma ótima ideia. Isso poderia ter sido mais bem
explorado e analisado. Era um bom filão. Mas o cotidiano anarquista muito
recorrente em rádios piratas, impressões de zines nos mimeógrafos, sessões de
fumo de maconha e shows de música e dança altamente emporraloucados se tornaram
um pé no saco. A coisa saturou. Não precisava tanto. A gente entendeu o estilo
de vida dos anarquistas logo no início do filme. Talvez explorar mais o embate
entre os anarquistas e os alunos mais conservadores no cotidiano escolar
tornasse o filme bem mais interessante.
De qualquer forma,
“Depois da Chuva” tem o grande mérito de denunciar como a nossa
redemocratização nasceu meio manca, meio torta. E nos ajuda a pensar como
vários resquícios de autoritarismo permanecem em nossa sociedade até hoje. Por
isso, esse é um filme que, apesar de seus problemas, dá uma importante
contribuição à reflexão e ao desenvolvimento de uma consciência política.
Cartaz do Filme
Caio, num mundo em transição...
Com a namoradinha...
"Negue" à la Marcelo Nova.
Redação que o comprometeu com o conservadorismo
Desalento com a falta de perspectiva...