Jogos
Vorazes, A Esperança, Parte 1. Futuro Repleto De Alegorias Do Passado.
Eu
confesso que não conheço muita coisa de “Jogos Vorazes”. Sei que é inspirado
num best-seller teen, que já estamos
no terceiro filme (eu não vi o primeiro, mas vi o segundo) e que fala de um
futuro onde há um lugar chamado Panem com um governo central numa capital e há
uma divisão em doze distritos totalmente subjugados pelo poder central. Os tais
jogos vorazes seriam batalhas de morte entre adolescentes escolhidos
aleatoriamente (dois por distrito) para entreter a população num verdadeiro
espetáculo televisivo. Num desses distritos, a irmã de uma das escolhidas,
Katniss (interpretada por Jennifer Lawrence), se oferece como voluntária para
protegê-la. Katniss terá a companhia de Peeta (interpretado por Josh
Hutcherson), por quem se envolve emocionalmente. No segundo filme, o casal de
jovens já é visto como uma ameaça ao poder da capital. Num primeiro momento, a
coisa não me interessou. Achei o segundo filme um tanto exótico, principalmente
nos figurinos da elite da capital. Exotismo perfeitamente explicável como
veremos abaixo. Como eu vi esse segundo filme, me incumbi de ver a continuação,
que saiu recentemente nas telas, sem muita esperança de ver algo que prestasse.
Ledo engano. “Jogos Vorazes, a Esperança, Parte 1” é um filmaço, já que a
história sai das arenas e do establishment
do governo da capital, tornando-se uma verdadeira guerra civil. Há um décimo-terceiro
distrito que se rebela contra a capital e Katniss torna-se uma espécie de
símbolo da rebelião. Peeta, por sua vez, fica em poder da capital. Há um atroz
duelo de mídia, onde tanto Katniss quanto Peeta são usados como ícones pelos
dois lados. Esse duelo mídiatico é um aspecto muito interessante da historia,
pois vemos isso como uma parte de nossa realidade, onde ícones são produzidos
de forma artificial pela mídia todos os dias. Nosso mundo está cheio de
celebridades que são fabricadas e que simplesmente desaparecem quando não
interessam mais a quem as cria. Peeta e Katniss são exatamente a manifestação
disso. São ídolos criados em estúdio, editados de acordo com os interesses de
quem os manipulam, sejam os vilões da capital, sejam os mocinhos do 13º
distrito. Ambos os lados usam as mesmas armas midiáticas, algo visto hoje em
dia tanto nos governos capitalistas ocidentais quanto em grupos terroristas. A
visão da guerra de informação contemporânea se materializa neste best-seller juvenil. O mais curioso é
que o filme tem uma postura crítica com relação a essa guerra midiática, pois
as melhores tomadas de Katniss e que fazem mais sucesso junto ao publico são aquelas
em que a moça se manifesta espontaneamente, seja quando ela canta na beira do
rio uma canção de resistência (mesmo que ela tenha sido editada) ou quando
presenciamos suas palavras sinceras de indignação e revolta ao ver um hospital
incinerado por forças aéreas da capital. Outra crítica ao contexto midiático
reside justamente no exotismo e extravagância mencionados acima, com os
figurinos exagerados fazendo parte do espetáculo de entretenimento, onde nem o
presidente Snow (interpretado pelo excelente Donald Sutherland) escapa.
Mais
um aspecto interessante da trama reside na violência imposta pela capital aos
distritos, onde execuções são transmitidas ao vivo e pilhas de cadáveres
carbonizados se acumulam em distritos destruídos. Alusões claríssimas a muitos
momentos de nosso passado, indo desde a truculência dos reis absolutistas do
Antigo Regime, que matavam e esquartejavam publicamente quem se revoltava
contra o rei, passando pelas execuções transmitidas pela TV e em praças
públicas que até hoje acontecem em alguns países, e chegando aos campos de
extermínio nazistas ou às vítimas das bombas atômicas da Segunda Guerra
Mundial, sem esquecer dos massacres em países subdesenvolvidos acometidos pela
guerra fria como o Camboja, onde o governo do Khmer Vermelho assassinou
populações inteiras, com esqueletos encobrindo leitos de rios. Os próprios
jogos vorazes são uma reedição da política de pão e circo da Roma Antiga, onde
os espetáculos de gladiadores em batalhas até a morte eram o principal meio de
diversão da população para que ela não se revoltasse contra os imperadores.
Como podemos ver, a saga “Jogos Vorazes” torna-se uma compilação de muitas
coisas que vemos em nosso mundo real com o passar dos anos, confirmando aquela
máxima de que “ninguém é filho de chocadeira”. Na velha tensão entre paráfrase
e polissemia, vem a certeza de que “para se falar algo novo, temos que repetir
algo velho primeiro”. Assim, Panem nada mais acaba sendo que um decalque de
nosso mundo real, tanto do presente quanto do passado. As revoltas dos
distritos contra os guardas da capital são outro elemento que chama a atenção,
pois nos lembram também de movimentos revolucionários e lutas pela liberdade no
passado, onde muitas pessoas sacrificaram suas vidas em nome de uma causa. E o
filme exibe o massacre de revoltosos de uma forma nua e crua.
A
trama também se ampara num grande elenco. Nomes como Jennifer Lawrence, da nova
safra de queridinhos de Hollywood, são acompanhados por medalhões como Donald
Sutherland, Philip Seymour Hoffman (sempre ele!), Woody Harrelson e Julianne
Moore. Vou sempre defender aqui a tese de que blockbusters acabam tendo mais
credibilidade com a presença desses medalhões, embora esse mais recente “Jogos
Vorazes” não dependa tanto dos mirabolantes e computacionais efeitos especiais,
pois tem uma boa trama para contar.
Assim,
a grande diversão de “Jogos Vorazes, a Esperança Parte 1” fica por conta de
identificar todos esses elementos mencionados acima e perceber de quais fontes
as situações do filme foram extraídas. Ah, e ainda haverá a continuação, pois
tais filmes sempre terminam em aberto, o que deixa a gente sempre ansioso para
continuar a assistir.
Cartaz do filme
Atacando a força aérea da capital.
Peeta sob o domínio do Presidente Snow
Julianne Moore como a Presidente Coin.
Figurinos altamente exóticos. Espetáculo
televisivo.
Mais
uma vez Philip Seymour Hoffman dá o ar de sua graça.
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