Timbuktu.
Violência Em Nome De Deus.
Um interessante filme
vindo da África, mais especificamente da Mauritânia, dirigido por Abderrahmane
Sissako, passou por nossas telas. “Timbuktu” concorreu esse ano ao Oscar de
melhor filme estrangeiro e trata de uma cidadezinha no interior da Mauritânia
onde um grupo radical islâmico governa com mão de ferro. Os integrantes desse
grupo baixam várias leis baseadas em suas interpretações do Alcorão. Assim,
mulheres são obrigadas a usar luvas para não deixar suas mãos expostas, homens
precisam usar as calças com tamanho mais reduzido para as pernas ficarem
expostas, ninguém pode se aglomerar às portas de suas casas para ficar à toa
conversando, meninas não podem falar ao celular, etc., sob a pena de serem
levados presos, irem a julgamento e serem punidos com chibatadas. Músicas,
inclusive religiosas, são também proibidas. É muito difícil se rebelar contra
tal grupo, pois seus integrantes estão fortemente armados. O único homem que
fala de igual para igual com o grupo é o líder religioso local, que questiona
abertamente as leituras que os radicais fazem das escrituras sagradas, dando um
significado mais harmônico e pacífico para as interpretações do Alcorão. Sua
serenidade é um contraponto às visões radicais e é a grande virtude do filme,
onde fica bem claro que o fundamentalismo não é a caraterística preponderante
no islamismo. Os atos radicais são contestados, usando como argumentos as
próprias palavras de Alá. Quando os radicais invadem o templo religioso, onde
todos rezam, para divulgar as novas leis, o líder os expulsa, pois eles cometem
a enorme blasfêmia de terem entrado armados lá. O líder religioso questiona o
grupo inclusive usando a argumentação de onde está a compaixão e o perdão
presentes nas palavras de Alá. Tais características tornam essa película mais
reflexiva, relativizando os valores da cultura islâmica e não caindo na fácil
armadilha da demonização dos muçulmanos, criando estereótipos baseados na pura
e simples exposição de um fundamentalismo.
Além dessa virtude, o
filme tem mais ainda a nos oferecer. Temos aqui também um drama familiar, onde
um criador de vacas que mora longe do povoado tem uma vida pacata com sua
esposa, filha e um menino pastor das vaquinhas. A mais valiosa delas é chamada
de GPS e o menino pastor as leva para o rio próximo para beber água. Deve ser
dito aqui que a região onde está a cidade de Timbuktu é de desertos e o rio,
apesar de muito raso, é a mais importante fonte de água da região. Mas um
pescador coloca lá suas redes, achando-se o dono do local. Na hora de beber água,
GPS se enrola nas redes e é morta pelo pescador. O criador de vacas vai, então,
tomar satisfações com o pescador e acaba matando o dono das redes depois de uma
briga. Obviamente, será preso pelos fundamentalistas e condenado à morte. O ato
de atacar o pescador foi uma espécie de reação por parte do criador de vacas às
humilhações impostas pelos radicais. Alguns deles, inclusive, rodeavam sua tenda
no deserto quando a esposa estava sozinha, chegando a cortejá-la. O criador de
vacas sabia que ia morrer, mas a única coisa que realmente lhe causava dor era
o fato de que não ia mais ver a sua filhinha.
O filme também tem a
virtude de criar um diálogo entre a tradição e a modernidade. Todos se
comunicam por celular, até o criador de gado com a sua esposa. Sua melhor vaca
se chama GPS. Os rapazes de Timbuktu discutem sobre futebol e sobre até uma
suposta venda da Copa do Mundo para a França em 1998 por parte do Brasil em
troca de um contêiner de arroz para o nosso país, já que para o povo de
Timbuktu, o Brasil é um país muito pobre (risos de ironia e de fundo de
verdade, já que realmente ainda temos muita gente abaixo da linha de pobreza). A
proibição da bola de futebol por parte dos fundamentalistas criou uma linda
sequência onde os rapazes da cidadezinha jogavam futebol com uma bola
imaginária, num balé que é uma verdadeira declaração de amor ao esporte. Mesmo nos
confins da África, a camisa de Messi, do Barcelona, estava lá.
O filme também enfoca o
aspecto da loucura como ato libertador. A única mulher do povoado que não sofria
qualquer represália dos fundamentalistas, não usava burka ou luvas e se vestia
de forma multicolorida, era uma idosa dada como louca. Andando com um galo
(???) debaixo do braço, a mulher cantarolava e dançava livremente pela cidade,
sob os olhares indiferentes dos radicais, que acharam que ela tinha
simplesmente pirado na batatinha. Mas aí fica a pergunta: será que a mulher
pirou mesmo? Ou era uma estratégia para fugir de uma loucura bem maior? Até
porque, em contrapartida, as moças bonitas muito sofriam, pois eram
simplesmente obrigadas a casar com os fundamentalistas, sob as mais diversas
ameaças de violência.
Por essas e por outras,
“Timbuktu” é um excelente filme, pois relativiza nossa visão plana do
islamismo, tem um interessante drama e faz um bom diálogo entre a tradição e a
modernidade.
Cartaz do filme
Uma cidadezinha governada por radicais.
Repressão às mulheres da cidade.
Mulher enfrentando o autoritarismo...
Futebol sem bola...
Um líder religioso que peita os radicais.
Uma família feliz, longe de tudo..
Uma briga que terminará em morte.
Resignação com a morte iminente e a dor de não poder mais ver a filha.
Uma esposa desolada com a perda do marido.
África em Cannes!!!!
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