Mãe,
Só Há Uma. Trocando As Bolas.
Anna Muylaert volta a
atacar. Depois do sucesso estrondoso de “Que Horas Ela Volta?”, a diretora
agora nos traz “Mãe, Só Há Uma”, onde um tema altamente polêmico é tratado.
Volta e meia, vemos na mídia uma história de troca de bebês em maternidades e
até mesmo de roubo de crianças, com o bebê roubado somente descobrindo tal
situação depois de muitos anos. E aí, vem toda uma situação nova: uma nova
família, parentes, estilo de vida, etc. Mas aí, fica a questão que os
telejornais nunca nos falaram: a transição de uma antiga família para uma nova
é feita de forma tranquila ou turbulenta? Será algo fácil ver aquela mulher que
você acredita ser sua mãe ir para a prisão e você conviver com seus pais
biológicos que indiretamente foram responsáveis pela prisão de sua mãe? Pois é.
Muylaert buscou analisar todas essas questões em sua nova película.
Vemos aqui a história
de Pierre (interpretado por Naomi Nero, sobrinho do ator global Alexandre
Nero), um jovem de inclinações homossexuais que vive com a mãe e a irmã numa família
onde o pai já é falecido e é de um estrato social de classe média baixa. Um
belo dia, ele fica sabendo que sua mãe o roubou na maternidade e ele tem outra
família, o mesmo ocorrendo com sua irmã. Com a prisão da mãe, a sua família é
inteiramente esfacelada e, por serem menores de idade, os dois irmãos são
obrigados a conviver com uma nova família e realidade. Os novos pais de Pierre
são de uma camada social mais alta e ficaram cinco anos procurando o menino,
que passou a ser chamado a todo momento de Felipe, um nome escolhido pelos
novos pais. Isso era uma verdadeira agressão à individualidade de Felipe, que
se sentia roubado duas vezes. Obviamente, esse novo relacionamento será muito
complicado e doloroso. Felipe, quer dizer, Pierre, ao ver sua família
desmoronar e ter que conviver com uma nova realidade onde gente estranha para
ele são seus verdadeiros familiares, acaba tendo surtos ocasionais enquanto
procura se adaptar à nova realidade. E ainda houve o agravante de que sua
irmãzinha desaparece com sua também nova família. E a família biológica de
Pierre, que passou cinco anos procurando o menino, agora convive com a dura
tarefa de satisfazer todos os caprichos do garoto para fazê-lo sentir-se
confortável em sua nova casa.
O ator-protagonista,
Naomi Nero, não decepcionou. Embora a sua carga emocional parecesse soar um
pouco exagerada em determinados momentos, ele foi bem no transcorrer da
película. Matheus Nachtergaele, no papel do verdadeiro pai biológico de Pierre,
era o medalhão do elenco e atuou com o talento que todos esperavam, indo do
terno ao violento, passando pelo frágil e quebradiço, num caleidoscópio de
interpretações muito bem estruturadas. Agora, um destaque todo especial deve
ser dado à atriz Daniela Nefussi, que interpretou as duas mães de Pierre, onde
a fragilidade das personagens ficou altamente latente. Uma, pelo medo de perder
o filho que roubou, e a outra pelo medo de perder o filho que recuperou.
A questão do homossexualismo
é muito curiosa. Conforme o vídeo abaixo que contém a entrevista com Muylaert, Pierre
experimentava situações variadas para a sua sexualidade, pois não queria se
submeter a rótulos. Mas, quando Pierre é submetido à obrigação de viver com sua
nova família, ele se rende a um rótulo somente para agredir os pais biológicos.
Assim, o personagem sabe usar sua sexualidade e rótulos de acordo com suas conveniências.
Uma coisa que muito
chamou a atenção foi o desfecho da película. Em virtude do filme ter uma duração
um tanto curta (cerca de 82 minutos), o desfecho se dá abruptamente, com uma
tremenda cara de anticlímax o que, a princípio, incomoda um pouco. Mas, se
pensarmos melhor, esse é o melhor desfecho que o filme poderia ter, pois
qualquer final que pudesse apresentar uma solução soaria muito falso em virtude
das circunstâncias da situação tão espinhosa que o filme nos mostra. Assim,
Muylaert parece ter sido genial nesse ponto. Mas nem tudo é desalento. A
diretora, que também é a roteirista do filme, plantou uma pequena semente de
esperança dentro da situação tão caótica. Que semente é essa? Vá ao cinema e
veja!
Assim, “Mãe, Só Há Uma”
é a prova de que nosso cinema também produz boas películas e não fica somente
nos lugares comuns de humores descartáveis produzidos pela Globo. O filme é um
convite à reflexão da busca por uma solução numa situação aparentemente insolúvel.
É um filme que trata de relações humanas e de seus complexos desdobramentos em
contextos escabrosos. Vale a pena dar uma conferida. E não deixe de ver o
trailer após as fotos, além da entrevista com Muylaert do blog Cinestro.
Cartaz do filme
Pierre, atormentado pela realidade de uma nova família
Uma mãe que é presa...
Uma mãe que é rica...
Descobrindo sua sexualidade...
Extravasando com os colegas...
A diretora Anna Muylaert
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