Quem
não vive para servir não serve para viver.
A
América como ela é. Conservadorismo, direita e racismo travestidos de
democracia somente para os brancos WASP (sigla em inglês para a expressão
branco, anglo-saxão e protestante). Essa é a impressão inicial do filme “O
Mordomo da Casa Branca” (The Butler),
estrelado pelo “Academy Award Winner” e excelente Forest Whitaker. Vemos aqui a
história de Cecil Gaines, um menino negro do sul dos Estados Unidos que
trabalha como empregado numa fazenda que cultiva algodão. O filho do
proprietário da fazenda estupra a mãe de Cecil (interpretada por uma gorda e
deformada Mariah Carey que, praticamente entrou muda e saiu calada do filme) e,
não satisfeito, ainda mata o seu pai, numa mostra de que a vida dos negros da
primeira metade do século XX nos Estados Unidos estava totalmente à mercê dos
brancos e suas vontades. O menino é então adotado pela matriarca da fazenda
(interpretada pela veterana artista Vanessa Redgrave) que o inicia na criadagem
e na arte de servir. Depois de alguns anos, ele abandona a fazenda, pois, como
adolescente, já não tem a proteção que a criança negra da Casa Grande tem e,
para não ser assassinado, ganha o mundo. Ao tentar assaltar uma confeitaria, é
flagrado pelo empregado negro que o acolhe e lhe dá oportunidades de trabalhar
no comércio, sempre servindo as pessoas. Daí, sua carreira se desenvolve até
chegar a ser mordomo da Casa Branca. A vida, que pareceria um mar de rosas a
partir daí, tem ainda muitos lances dramáticos, como a crise conjugal na vida
de Cecil que a dedicação ao emprego provoca (a esposa de Cecil é interpretada
pela multimídia Oprah Winfrey) e as severas crises de relacionamento entre
Cecil e seu filho mais velho, Louis (interpretado por David Oyelowo). Louis
decide estudar no sul dos Estados Unidos e se torna politicamente engajado,
estando ligado a Martin Luther King num momento, e aos Panteras Negras em
outro, indo para a prisão várias vezes, para desespero de sua família, que
assiste tudo à distância. Seu pai, em contrapartida, procura não se engajar
politicamente para garantir seu emprego de mordomo, engolindo todo tipo de
humilhações para poder sustentar a família. Tudo isso tendo pano de fundo a
história dos Estados Unidos ao longo do século XX, principalmente no que tange
à questão racial. O filme tem um grande mérito: aborda o racismo em toda a sua
intolerância, agressividade e violência, onde o próprio espectador sente-se
agredido ante à tantas situações ultrajantes que os brancos impõem aos negros. As
posições de pai e filho também são relativizadas no filme. Fica bem claro que o
pacifismo de Martin Luther King é valorizado e a violência dos Panteras Negras
é condenada (ao melhor estilo manifestação pacífica X “Black Blocs” que vimos
nos últimos tempos) ao encontrarmos Louis jantando na casa dos pais com sua
namorada num gigantesco penteado “black power” e soltando arrotos à mesa, num
comportamento que choca os pais inseridos numa vida burguesa, apesar do racismo
que sofrem. Por outro lado, o próprio Martin Luther King valoriza os
procedimentos do pai mordomo de um envergonhado Louis, dizendo que conquistar a
confiança dos brancos e os conhecer a fundo também pode ser visto como uma
estratégia de luta (impossível não comparar tal situação com a dos escravos no
Brasil Colonial que, em algumas situações, se aproximavam dos seus senhores,
conquistando-lhes a confiança, ao denunciar planos de fuga de escravos, por
exemplo, ganhando prêmios como comida extra no almoço, um pedacinho de terra
para plantar e viver com a família no engenho e até a sua liberdade). Apesar
dessa relativização, pai e filho somente se aproximam quando o Cecil pede
demissão de seu emprego e também se engaja politicamente com o filho. Como todo
o filme americano que se preza, o “happy end” está garantido, com a apoteose
“we can” de Barack Obama, numa espécie de vitória final dos negros na sociedade
americana. Outra nota curiosa do filme é o desfile de presidentes americanos,
onde a constante é o conservadorismo e o racismo, exceção aberta a Kennedy e, talvez,
Eisenhower. Jimmy Carter somente em imagens de arquivo é uma ausência sentida.
Talvez o episódio da embaixada dos Estados Unidos no Irã em 1979 tenha sido
contundente demais para o seu já combalido carisma. A caracterização de Alan
Rickman na pele de Reagan, assim como a de Jane Fonda na pele de Nancy Reagan
impressionam. Destaques também para Cuba Gooding Jr. e Lenny Kravitz (!), que
trabalhavam na equipe de mordomos.
Dramas
pessoais e história da América. Racismo e luta pela liberdade. Bom elenco e
interpretações primorosas. Tudo isso faz de “O Mordomo da Casa Branca” um bom
filme.
Forest Whitaker e Oprah Winfrey
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