Tradição,
Modernidade e Ectoplasma: O Estranho Caso de Angélica.
O filme “O Estranho
Caso de Angélica”, do consagrado cineasta português Manoel de Oliveira chegou a
grande tela depois de muito tempo de espera. O filme conta a história de um
fotógrafo judeu de nome Isaac, que é chamado às pressas para fotografar uma
jovem chamada Angélica que morreu precocemente e jaz sorridente em seu leito de
morte. A partir daí, a vida do pobre fotógrafo se transforma radicalmente, pois
ao tirar fotos da menina morta, ela “acorda” e dá sorrisos a ele. Seu susto
inicial vai sendo substituído por um fascínio que leva a uma paixão, chegando às
raias da obsessão doentia e do desespero, pois o fotógrafo Isaac somente pode
confortar sua paixão nas grades fechadas do portão do cemitério onde Angélica
está enterrada. Durante o dia, Isaac anda como um zumbi sem rumo, à procura de
sua amante morta, o que desperta fofocas entre as pessoas do povoado onde ele
está. Devemos nos lembrar que ele é um judeu se comportando de forma estranha
num povoado português onde todos são católicos praticantes, gancho que Oliveira
usa para falar do estranhamento e preconceito para com o outro. Durante a
noite, Isaac já está mais próximo de sua amada, pois seu pequeno quartinho de
pensão está repleto de fotos de Angélica que se movimentam. E a própria figura
fantasmagórica de Angélica surge na sacada buscando a alma de Isaac para dar
umas voltinhas aéreas por aí. É literalmente um amor à primeira vista e uma
paixão muito bem correspondida do outro mundo! Com esse êxtase ectoplásmico, a
vida material de Isaac fica cada vez mais sem sentido e ele caminha a passos
largos para a morte e para os braços de sua amada Angélica. Mas, além de uma
inusitada história de amor, Oliveira também aborda outros curiosos temas. O
motivo pelo qual Isaac está na pequena aldeia é para retratar o trabalho
artesanal dos agricultores em vinhas, algo que está em vias de extinção em
virtude da modernização e mecanização da agricultura. Aliás, o embate tradição
X modernidade é um tema desenvolvido com muita maestria no filme. Isaac, um
jovem rapaz, se interessa em registrar elementos culturais antigos, como o
trabalho nas vinhas de agricultores que usam enxadas e cantarolam para manter o
ritmo de trabalho. Há um trabalhador que só canta as canções, que são
retrucadas por um uníssono “Pumba!” ecoado pelos trabalhadores que golpeiam o
chão com as enxadas, algo visto com desdém pelos próprios moradores da aldeia
que não se preocupam com suas tradições, como faz a dona da pensão onde Isaac
está hospedado e que estranha o interesse do jovem fotógrafo naqueles
agricultores altamente rústicos. Elementos de tradição também podem ser vistos
nos preconceitos já citados que os católicos nutrem contra nosso pobre e
atormentado Isaac, que é judeu. Em contrapartida, há o núcleo de modernidade do
filme, este composto por homens idosos que são cientistas, engenheiros, fazem
pesquisa de ponta e têm altas discussões filosóficas sobre temas que vão da
política à astrofísica. É curioso notar a presença de uma engenheira brasileira
neste núcleo de personagens. Será que essa personagem está dentro daquela
concepção de que, para ser moderno, deve-se aceitar incondicionalmente o
estrangeiro? Outro dado curioso está no diálogo entre esses renomados
cientistas sobre a situação econômica de Portugal, como se toda a modernidade presente
nem sempre fosse benéfica de todo. Ao analisarmos todos os elementos que
permeiam esse filme, devemos aplaudir, e muito, esse diretor que é Manoel de
Oliveira, pois mesmo do alto de seus 103 anos, ele continua atual, reflexivo,
crítico e, acima de tudo, muito criativo. Definitivamente, é um dos grandes
diretores do cinema português.
Cartaz do Filme
Isaac, um rapaz muito atormentado e apaixonado
Isaac e Angélica dando uns voos por aí
Manoel de Oliveira, o Cara!!!!
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