O
Homem Das Multidões. Solidão Larga, Fotograma Estreito.
O filme brasileiro “O
Homem das Multidões” aborda um tema bem atual e assustador: a cada vez maior
superficialidade e distanciamento das relações humanas. Tendo Belo Horizonte e
seu sistema de metrô como pano de fundo, o filme tem imagens de formigueiros
humanos que contrastam violentamente com as dores da solidão e um comportamento
passivo por parte dos personagens perante esse sofrimento.
Vemos aqui a história
de Juvenal (interpretado por Paulo André), um maquinista de trem que vive em um
silêncio quase total, num comportamento fechado e introspectivo. Seu
relacionamento com os colegas se resume a monossílabos e expressões curtíssimas.
A vida de Juvenal é uma rotina onde nada de novo acontece. Trabalho no trem,
almoço em silêncio com os colegas, ficar sentado na praça vendo o mar de
pessoas passando, exercícios físicos na varandinha de seu apartamento
maltrapilho, lavar o chão de casa, sexo com a prostituta, escutar corridas de
cavalo no rádio. Juvenal só se tornava mais comunicativo quando estava em sua
casa à noite, falando consigo mesmo poucas palavras e ideias de forma
repetitiva. Tudo indicava que a vida do maquinista continuaria assim
indefinidamente, num marasmo total, não fosse a sua colega, Margô (interpretada
por Sílvia Lourenço), que fiscaliza o tráfego dos trens do metrô, sendo bem
mais comunicativa que nosso amigo, mas que leva uma vida igualmente solitária. Apesar
de tudo, Margô vai se casar com um homem que ela conheceu na internet, depois
de uns três ou quatro encontros. A moça irá convidar todos seus colegas para o
casamento e convidará Juvenal para ser o seu padrinho de casamento, pois,
apesar de conhecer muitas pessoas pela internet, não tem qualquer amigo
próximo, e o maquinista seria seu amigo mais “íntimo”, com quem tem
pseudoconversas, geralmente nos almoços. Num primeiro momento, Juvenal não aceitará
o convite inicialmente e ficará remoendo isso à noite. Entretanto, ele irá
aceitar o convite no futuro e usará o terno comprado por Margô. Eles têm uma
vida a dois meio barro, meio tijolo, onde a moça frequenta a casa do
maquinista, cujo principal programa é beber água do filtro em silêncio
profundo. Vem o casamento e Juvenal fica completamente deslocado, cujo único
momento de sociabilidade se resume a uns leves bebericos com o pai de Margô
(interpretado pelo estudioso de cinema brasileiro Jean Claude Bernardet). O
maquinista chegará ao seu apartamento e, alguns instantes depois, Margô chegará
com uma caixa de copos (o único copo de Juvenal havia sido quebrado numa das
visitas de Margô). Eles beberão novamente água e a noiva deprimida acenderá um
cigarro e fumará, exalando muita fumaça e apagando o cigarro no copo com água. Essa
quebra de rotina com o cigarro aceso é uma mostra de que o casamento de Margô
foi por água abaixo. O filme termina com o tímido casal se entreolhando com uma
expressão do tipo: “Pois é, o que se há de fazer?”.
Há um elemento muito
inquietante no filme. Os fotogramas são estreitíssimos! A telona vira uma espécie
de janelinha para o mundo de solidão de nossos personagens. Talvez aquela
estreiteza toda no enquadramento seja uma representação das limitações que os
personagens sofriam com suas vidas solitárias. A “falta de espaço” existente
nos fotogramas é altamente angustiante e opressora, não nos deixando
indiferentes em hipótese alguma, pois a intervenção é direta na imagem em si.
Outro elemento digno de
nota é o uso da internet como gerador de relações superficiais. Embora alguns
relacionamentos na grande rede tenham dado certo, essa já não tão nova
ferramenta tecnológica ainda tem a pecha de gerar relacionamentos pouco
profundos. As pessoas são tão efêmeras na rede quanto o turbilhão de informações
que nela passa todos os dias. Assim, uma ferramenta que poderia aproximar seres
humanos só proporciona ao fim das contas, sentimentos muito pouco táteis e
enormemente fugazes, aumentando ainda mais a sensação de impotência e solidão.
Um filme de pouquíssimas
palavras que nos faz pensar como lidamos com os outros e com nós mesmos. Essa é
a melhor definição para “O Homem das Multidões”. Saímos da sala com um
sentimento de desalento. Mas nos dias atuais, é vital que tal reflexão seja
feita. Daí a importância dessa película brasileira, tão pouco divulgada.
Cartaz do Filme
Juvenal. Solidão total em seu apartamentinho medíocre.
Margô, outra figura solitária
Só na multidão
Um casal sem rumo
Sem diálogos
Desalento em fotogramas estreitos.
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