A
História Da Eternidade. Uma Obra-Prima Do Cinema Brasileiro.
Nosso cinema volta e
meia consegue produzir verdadeiras joias que, infelizmente, passam praticamente
despercebidas do grande público. É o caso do excelente “A História da
Eternidade”, escrito e dirigido por Camilo Cavalcante. A princípio, o filme
parece mais um de muitos que abordam a questão da seca e da miséria no
Nordeste, uma espécie de lugar comum inaugurado no cinema novo com clássicos
como “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Vidas Secas”. Mas, com o tempo, vemos
que a película não é somente isso. A história vai girar basicamente em torno de
três mulheres: uma jovem, uma adulta e uma idosa. A jovem é Alfonsina
(interpretada por Débora Ingrid), a única mulher de sua casa e responsável
pelas atividades domésticas, já que o pai e os irmãos trabalham duro no campo,
tornando-os pessoas muito rudes, sobretudo o pai, Nataniel (interpretado por
Claudio Jaborandy). A seca que assola a pequena cidade só piora as coisas.
Alfonsina tem um desejo ardente de conhecer o mar e seu tio João (interpretado
de forma magistral por Irandhir Santos), um homem com alma de artista, é o seu
principal amigo. Há muitos atritos entre João e seu irmão, o pai de Alfonsina,
pois João aluga um pequeno barraco e não tem condições de pagar. Ele procura
vender o artesanato que produz numa feirinha, mas sem sucesso. Além disso, o
rude pai forjado na vida dura do campo vê o lado artista de João com extremo
preconceito. Para piorar a situação, João ainda tem crises de epilepsia, uma
doença desconhecida na cidadezinha que é “curada” com rezas (como as crises
passam, a impressão é que a reza faz passar o distúrbio).
A segunda mulher é Querência
(interpretada pela lendária Marcélia Cartaxo), uma mãe que perdeu o seu filho
pequeno, fruto da seca e miséria do Nordeste. A mulher sofre todo o santo dia,
não quer saber de comida, tem seu semblante arrasado, vivendo trancafiada
dentro de casa, não querendo falar com ninguém. Mas há um homem que a ama a sua
espreita. É o cego sanfoneiro Aderaldo (interpretado por Leonardo França), que
disse que não vai sair da frente da casa da moça enquanto ela não der trela
para ele. A devoção de Aderaldo por Querência é comovente e, obviamente, cheia
de fundo musical.
A terceira mulher é a
idosa Das Dores (interpretada por Zezita Matos), que conforta Querência e é
tomada de uma religiosidade profunda, sendo uma espécie de responsável pela
igrejinha católica local. Mas um dia ela recebe a visita de seu neto, vindo de
São Paulo. A avó dá todos os mimos para o garoto e o acolhe em sua casa. Mas
mal sabe ela que o menino se envolveu com coisas erradas na cidade grande e
está marcado para morrer.
Como se pode ver, há
várias tramas interessantíssimas. A mais interessante e estruturada, sem a
menor sombra de dúvida, é a da jovem Alfonsina, que deseja ver o mar, mas é
reprimida pelo pai. João é o grande personagem do filme. Sua performance a la Ney Matogrosso com a música “Fala”
dos Secos e Molhados é o momento mais tocante de toda a película. Minto. Há
outro momento extremamente tocante, também, que é quando o tio mostra o mar a
Alfonsina bem no meio do sertão, usando apenas a imaginação, olhos fechados e
um copo d’água. A química entre a sobrinha e o tio era simplesmente
extraordinária. Mas provocaria, também, uma tragédia. A história de Querência
foi a menos trabalhada. Um love story
do agreste. Poderia ter sido mais bem desenvolvida. Já a história de Das Dores
teve um quê de desejo incestuoso, com voyeurismo da avó ao presenciar o neto
deitado na cama com febre só com uma cueca bem apertada, rendendo uma ida da
idosa à igreja e a um ritual de autoflagelação.
O mais curioso é quando
a chuva chega. Todas as vidas dessas três mulheres sofrerão transformações
radicais, como se a água transformasse a rotina daquele lugar extremamente seco
e trouxesse tragédia para alguns, alegria para outros, viradas muito fortes
para a vida de todos.
Só é de se lamentar que
as três histórias não tenham sido desenvolvidas igualmente. Mas, mesmo assim,
“A História da Eternidade” é um filme do qual nos devemos orgulhar, e muito. Um
filme que merece ser muito divulgado e premiado. Um filme que deve constar da
videoteca de qualquer cinéfilo que admire os melhores produtos do cinema
brasileiro. Uma joia rara. Não deixem de ver.
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Cartaz do filme
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Outro belo cartaz do filme
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Momento precioso do filme. Dança de João a la Ney Matogrosso.
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Um sanfoneiro em busca do amor. Bela fotografia.
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Uma mulher que perdeu o filho
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Sanfoneiro batendo ponto na casa de sua amada
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Uma menina que quer conhecer o mar
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Uma avó que precisa proteger o neto.
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Forte química entre tio e sobrinha
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Devoção que leva à autoflagelação.
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A vinda da água trará transformações profundas àquela cidadezinha assolada pela seca...
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O elenco com o diretor
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Camilo Cavalcante recebe o troféu de melhor filme no Festival de Paulínia. Merecidíssimo.
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