O
Físico. Loucas Aventuras De Um Médico Inglês No Oriente Médio.
Um bom filme histórico em
circuito. “O Físico”, infelizmente, começa com uma tremenda barbeiragem na
tradução. O título original do filme é “The Physician”, que significa “O
Médico”. E a nossa tradução ficou “O Físico”, quando físico em inglês é
“Physical”. Pegou muito mal. Teve gente perguntando na fila do cinema se era
filme sobre o físico Stephen Hawking, provavelmente em tom de gozação. Mas
voltemos ao filme. Ele é baseado no romance de Noah Gordon e conta a história
de um rapaz inglês, Rob Cole (interpretado por Tom Payne) que vive em Londres
no século 11 e que perdeu a sua mãe por causa de uma doença conhecida como
“doença do lado”. Rob irá viver com um barbeiro (interpretado por Stellan
Skarsgard), que também ganha a vida vendendo supostos remédios milagrosos.
Devemos nos lembrar do contexto da Europa Medieval, onde a medicina e as
condições de higiene eram muito pouco desenvolvidas. Um dia, o barbeiro
contraiu catarata e ficou nas mãos de médicos judeus, fazendo uma pequena
operação que trouxe-lhe de volta a visão. Muito curioso, Rob, que já era um
estudioso da medicina, perguntou como aqueles médicos conseguiram acesso a uma
ciência médica tão desenvolvida. Eles então lhe disseram que aprenderam o que
sabiam numa cidade do Oriente Médio e que um dos melhores professores era Ibn
Sina (interpretado pelo sempre excelente e magistral Ben Kingsley). Rob então
iniciará uma viagem para o Oriente Médio, ávido por ser aluno de Ibn Sina. Mas
essa empreitada será muito perigosa, já que Rob é cristão e poderá sofrer
perseguições dos muçulmanos. Por isso, ele irá disfarçado de judeu, povo mais
aceito pelos árabes. Nosso protagonista, inclusive, terá que fazer uma
circuncisão a sangue frio para seu disfarce convencer.
O filme aborda um tema
muito interessante, que é o desenvolvimento tecnológico e as condições de vida
na Europa Medieval, em detrimento de um nível tecnológico bem maior no mundo
muçulmano do Oriente Médio. Enfatizar essas diferenças nos ajuda a eliminar
certos preconceitos com relação aos muçulmanos. Era muito interessante perceber
a escola de Ibn Sina, com direito a muitos livros e a citações de gregos
antigos. Mas, mesmo com todo o desenvolvimento científico, a componente
religiosa se fazia presente. Se Rob queria dissecar cadáveres, Ibn Sina dizia
que isso era pecado nas três religiões reveladas (a muçulmana, a cristã e a
judaica). A componente religiosa acaba, infelizmente, abrindo um precedente
para alimentar alguns preconceitos. Se o filme parecia um bom exemplo de
expressão de uma visão culturalista, ela cai por terra ao reproduzir certos estereótipos
que o Ocidente produz sobre o Oriente. A Escola é no Oriente Médio e tem
professores árabes muçulmanos como Ibn Sina? Sim. Mas a maioria dos estudantes
é composta de judeus. Ainda, há um grupo de Imãs e Mulás que vê a visão
científica da escola como uma afronta a Alá. Ainda, há uma tribo
fundamentalista que quer invadir a cidade para instituir uma ditadura
teocrática e derrubar o governo do Xá que persegue esse fundamentalismo
religioso. Qualquer semelhança com o Irã do contexto da Revolução Islâmica de
1979 NÃO é mera coincidência. Ou seja, mesmo que a escola seja de origem árabe,
a maioria judaica de alunos parece querer nos dizer que esse povo teria mais
relações com um conhecimento científico do que os muçulmanos, retratados como
fundamentalistas. O árabe que lutava contra esse fundamentalismo era justamente
o Xá, assim como o Xá do Irâ, Reza Pahlevi, que lutava contra a Revolução
Islâmica e era aliado dos Estados Unidos. Assim, infelizmente esse filme
reproduz o estereótipo do judeu civilizado e do muçulmano bárbaro e
intransigente, quando tinha em mãos uma oportunidade única de lançar mão de um
enfoque mais culturalista que ajuda a questionar preconceitos.
De qualquer forma, o
filme atrai muito a atenção, pois mostra ideias presentes no Oriente Médio do
século 11 que só desabrochariam na Europa renascentista do século 14. É uma
história que vale a pena ser assistida, mesmo que carregada de alguns
preconceitos.
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Cartaz do Filme. Erro de tradução...
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Ainda na Europa, Rob (de azul) quer se desenvolver como médico.
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Em viagem pelo deserto para chegar ao Oriente Médio.
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Ibn Sina, o grande mestre.
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Rob cuida da amada nas violentas epidemias
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Conhecendo o poderoso Xá.
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Fazendo cirurgia no Xá.