A
Passageira. Reabrindo Feridas.
Uma notável co-produção
Peru, Argentina e Espanha sacode nossas telonas. “A Passageira”, filme escrito
e dirigido por Salvador del Solar, consegue ser uma excelente película de ação
e, ao mesmo tempo, ser um daqueles filmes latino-americanos que revolve com
maestria o passado negro das ditaduras do continente. Tudo isso coroado com as
belas atuações dos atores Damián Alcazár e a bela Magali Solier.
O filme mostra a
história de Magallanes (interpretado por Alcazár), um taxista de Lima que é
também motorista particular de um Coronel que sofre de Alzheimer (interpretado
por Federico Luppi). Um belo dia, uma moça entra em seu táxi. É Celina
(interpretada por Solier), que durante a ditadura militar peruana, era menor de
idade e foi presa por Magallanes que, cumprindo ordens, a entregou para o
Coronel que agora é senil. Mas na época, o Coronel a manteve em cárcere privado
em seu quarto particular por um ano, usando e abusando da menina. Ao reconhecer
Celina, Magallanes, que era apaixonado por ela, segue a moça e descobre que ela
está em dificuldades financeiras. Surge então a ideia de Magallanes chantagear
o Coronel para arrumar dinheiro para Celina e, assim, se redimir um pouco de
seu passado de maldades de um soldado que seguia as ordens do regime
autoritário. Mas os planos para a chantagem não sairão como o previsto, e
situações espinhosas surgirão ao longo da trama.
Os dois atores
protagonistas aqui chamam muito a atenção. Alcazár deu um show de interpretação.
Sua obstinação em buscar se retratar por seu passado cheio de defeitos
realmente convencia. Ele conseguia ser ponderado, safo e violento nas horas
certas. Já Solier, apesar de parecer pouco no filme, roubou a cena todas as
vezes em que apareceu. Sua beleza indígena era bem marcante e ela foi a
responsável pelo momento de maior plasticidade de toda a película, a linda
sequência onde Celina, desesperada, sobe morro acima no escuro da noite
iluminado pelas luzes de Lima lá embaixo. Somente essa cena já vale o ingresso,
onde a atriz expressa um paroxismo de dor e de sofrimento de um passado
desesperador e humilhante que vem à tona. É uma pena que os “spoilers” me
evitem de falar mais sobre essa personagem e essa atriz. Mas só vou falar
rapidamente de mais uma coisa: será de Celina o clímax do filme, onde ela vai
destilar todo o seu sofrimento e indignação de uma forma muito peculiar, que
cria uma ponte entre os anos de autoritarismo da ditadura militar com o
terrível passado colonial da América Espanhola. Esse, sem qualquer sombra de
dúvida, é o momento alto do filme. Mas não quero estragar a surpresa.
“A Passageira” é um
filme que, além de denunciar dos crimes da ditadura militar, mostra como a
impunidade reina e algumas estruturas bem sólidas de autoritarismo sobreviveram
aos efeitos do tempo, estando aí em tempos atuais de democracia. Magallanes
ainda convive com pessoas que são o suprassumo da truculência e violência de
tempos pregressos, indo dos capangas do filho do coronel, passando pelo major
da delegacia de polícia, indo até a um amigo próximo que era saudoso dos tempos
de repressão. O medo e a insegurança ainda subsistem, principalmente quando
Magallanes põe a mão no vespeiro e tenta fazer a chantagem com gente graúda. Mas
toda essa trama tensa consegue ser sintetizada num bom filme de ação moderada e
muito bem escrito. A nossa atenção fica presa a tela o tempo todo e nem
sentimos o tempo passar. E a história é muito bem amarrada, com um bom desfecho
e a lição de que o dinheiro não consegue apagar os traumas do passado que devem
sempre ser denunciados, ainda mais em tempos presentes de mentalidade altamente
autoritária.
Dessa forma, “A
Passageira” é um filme essencial, pois ele consegue entreter e fazer refletir
ao mesmo tempo. Um bom filme de ação um tanto moderada, com um certo quê
hollywoodiano, mas também com a temática cara a nós da América Latina, que é a
repressão da ditadura militar. E isso com a presença de dois atores altamente
competentes e cativantes. Vale muito a pena dar uma conferida nessa película.
Cartaz do Filme no Peru
Cartaz do Filme no Brasil
Magallanes busca ajustar contas com seu passado
Celina, um passado traumático
Um reencontro, cheio de desencontros...
Um coronel senil
As mágoas virão à tona...
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