Festival
do Rio 2016. Comboio de Sal e Açúcar. Guerra e Condição Humana.
Dentro do Festival do
Rio 2016, um interessante filme é “Comboio de Sal e Açúcar”, dirigido por
Licínio Azevedo. Essa é uma película com um certo quê hollywoodiano, mas que
retrata um tema que é tipicamente de Terceiro Mundo: a guerra civil em
Moçambique. Um trem (o tal comboio) é guardado pelas forças militares do
governo socialista, transportando carga e passageiros que não pagam um tostão
sequer pela viagem, sendo esse o único jeito que eles têm de se locomover a
grandes distâncias. A guerra civil tornou raros os carregamentos de sal, mas
principalmente os carregamentos de açúcar, fazendo-o um produto muito raro e
caro. Os carregamentos de sal e açúcar que o comboio leva o convertem numa
verdadeira mina de ouro ambulante, cobiçada pelos guerrilheiros anticomunistas
liderados por Xipoco, que trata seus inimigos de forma sanguinária, com direito
a decapitações e tudo. Assim, o trem era, em vários momentos, alvejado pelos
guerrilheiros, com os militares acastelados nas composições revidando o fogo
inimigo e o povo que viajava ficando no meio do fogo cruzado. Como se nada mais
bastasse em termos de desgraça, os militares ainda tripudiavam dos civis do
trem, com direito a estupros e abusos de toda a parte.
Quando eu digo que o
filme tem um quê hollywoodiano, é porque a película foi muito bem feita. Temos
uma ótima fotografia, onde as montanhas altamente escarpadas de Moçambique
muito impressionam por sua altura, majestade e formas poligonais altamente
exóticas. O figurino bem acabado dos militares, dos maquinistas do trem e das
roupas multicoloridas das mulheres era outro fator que chamava muito a atenção.
Os atores também estiveram muito bem, com interpretações sóbrias, contidas e
convincentes.
Mas a grande virtude da
película é a de expressar os horrores da guerra. Fica lançada uma grande
questão: os civis indefesos têm mais medo de quem? Do inimigo que empreende
emboscadas violentas ao comboio a todo momento ou dos próprios militares que os
protegem, que se acham no direito de estuprar civis a seu bel prazer e no
momento que quiserem? Essa é uma situação que realmente podemos chamar de
sinuca de bico ou de ficar entre a cruz e a caldeirinha. A situação de guerra
desvirtua completamente o Estado imposto e o sistema de leis, onde as
liberdades e proteções ao indivíduo caem totalmente por terra. E, aí, somente
os mais fortes sobrevivem e muitas covardias acontecem. Esses foram elementos
que a película conseguiu captar com muita maestria e que mostram o quanto o
nível do ser humano pode abaixar. Tudo isso com uma interpretação sóbria e
contida dos atores, não deixando a coisa piegas ou apelativa.
Dessa forma, “Comboio
de Sal e Açúcar” se tornou uma grata surpresa vinda de Moçambique diretamente
para o Festival do Rio desse ano. Um filme muito bem acabado, com uma história
cativante, bons atores, boa fotografia, e uma mensagem que mexe com nosso íntimo
e nos faz pensar na responsabilidade que um ser humano tem para com o seu
próximo nas situações mais desfavoráveis. Realmente um excelente filme.
Cartaz do Filme
Um comandante muito casca grossa
Um militar com boa educação e formação
Muitos civis indefesos...
Um militar estuprador...
Disputando uma mulher
Uma decapitação...
...e combates sanguinários...
O diretor Licínio de Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário