terça-feira, 30 de junho de 2015

Resenha de Filme - Jornada ao Oeste

Jornada Ao Oeste. A Existência Depende Do Olhar.
Um filme muito peculiar está em nossas telas. “Jornada Ao Oeste” tem pouco menos de uma hora de duração e é, no mínimo, intrigante. Ele se caracteriza por planos longuíssimos onde um suposto monge budista se move de forma extremamente lenta pela cidade, enquanto que as pessoas assistem a tudo aquilo, perplexas. Essa co-produção da França e de Taiwan pode muito bem se encaixar na proposta de cinema experimental. É interessante notar que o monge (interpretado por Lee-Kang Sheng) ganha um discípulo (interpretado por Denis Lavant), que o passa a seguir em seus mesmos passos lentíssimos. Aliás, o filme começa com um plano muito longo que mostra um enorme close do rosto de Lavant, com apenas alguns pouquíssimos movimentos de respiração e uma singela lágrima, representação de que o personagem não tinha uma razão para a sua vida, até encontrar o tal do monge. Dá para perceber que o fio narrativo é muito tênue e as ações se concentram nos movimentos muito lentos dos personagens em contraposição ao ritmo frenético das grandes cidades.
A reação dos transeuntes também é interessante. Numa escadaria, uma garota fica preocupada com o monge e lá fica por perto, chamando a atenção das pessoas a ele que, indiferentes, continuam suas rápidas passadas. Até que chega um momento em que a própria menina se desinteressa do monge e vai embora. Vemos esse comportamento em mais pessoas em outra tomada, já no meio da rua, com o monge sendo seguido pelo seu discípulo. As pessoas se juntam, olham, riem e, depois que se perde a graça, dão as costas e vão embora. A impressão que se dá é a de que, numa sociedade muito dinâmica, com um turbilhão de informações por segundo, tal atitude de lentidão extrema logo perde a pecha de novidade e torna-se velha. Ou seja, o movimento do monge e seu discípulo vai totalmente na contramão do que é nossa sociedade hoje: extremamente rápida e pouco detalhista, beirando a superficialidade. O movimento extremamente lento dos passos do monge, pelo contrário, prima pelo detalhismo, onde vemos cada músculo, dedo, tendão de seu pé fazendo o movimento do caminhar.

O mais interessante está ao final do filme, onde vem uma citação que diz que, por mais que existam coisas no mundo, a existência está condicionada ao olhar. Ou seja, as coisas somente ganham sentido quando elas são notadas, apreciadas. A nossa sociedade não vê mais. Apenas absorve superficialmente um turbilhão de informações. Como dizia o famoso geógrafo brasileiro Milton Santos: há muita informação, mas não comunicação, que seria uma troca sadia e produtiva de informação. Uma troca que levaria uma teoria racional e palatável sobre as coisas da vida e do mundo, e não um acesso à informação que nada de concreto produz. Ao focarmos nossa atenção em movimentos tão lentos e detalhados, conseguimos perceber os detalhes de uma realidade que a sociedade moderna os tem como imperceptíveis. Ou seja, está na hora de desacelerarmos e percebermos mais as coisas à nossa volta, até para sentimos melhor o espetáculo da vida. Enquanto escrevo essas linhas, me lembro da sensacional aproximação entre si dos planetas Vênus e Júpiter que ocorre no céu estes últimos dias. Um grande show da natureza que ocorre muito rapidamente para padrões astronômicos, mas muito lentamente para nossa sociedade superacelerada, que nem para mais para apreciar um céu estrelado e testemunhar essa maravilha da natureza. Para o bom apreciador, é um lindo efeito celeste de perspectiva. Para uma pessoa conectada com a velocidade do dia a dia, são apenas dois pontos luminosos próximos, e ainda se ela se der ao trabalho de dar uma espiadinha no céu e na direção certa. Definitivamente, a existência está condicionada ao olhar... Dessa forma, “Jornada ao Oeste” é um filme experimental que merece nossa atenção, pois suscita muitas discussões sobre o comportamento contemporâneo de nossa sociedade.

Cartaz do filme

Um solitário monge, em passos lentíssimos

Um homem sem esperança

Um pequeno ponto vermelho em sua alma

Um discípulo começa a segui-lo

O mestre e seu discípulo. Pessoas perplexas...

Misturando-se na multidão




segunda-feira, 29 de junho de 2015

Resenha de Filme - Enquanto Somos Jovens

Enquanto Somos Jovens. Qual É A Hora De Envelhecer?
Ben Stiller está de volta. E o melhor, longe dos blockbusters, ou seja, quando podemos ter a chance de presenciarmos esse bom ator em papéis mais dramáticos que exigem um pouco mais de seu talento. Stiller sempre soube transitar bem entre esses dois tipos de película. Podemos vê-lo em cinemas de shopping nas férias até nos Estações da vida em baixas temporadas como agora. E, dessa vez, ele está num ótimo filme que discute questões que vão do processo de amadurecimento de um indivíduo, passando pela forma como os valores mudam com o tempo e chegando até a questão da ética na produção de um documentário. Tudo isso com leves pitadas de humor, mas com o filme tendo o gênero do drama como carro principal.
O filme em questão, “Enquanto somos jovens”, escrito e dirigido por Noah Baumbach, conta a história de um casal de documentaristas, Josh e Cornelia (interpretados, respectivamente, por Ben Stiller e Naomi Watts), que já passaram da casa dos quarenta anos. Josh divide o seu tempo entre dar aulas na universidade e finalizar um documentário que já está produzindo há muito tempo. A vida do casal parece monótona e vazia. Um casal amigo, da mesma idade, está mais preocupado em ter filhos, algo que Josh e Cornelia repudiam, já que eles fracassaram depois de muitas tentativas. Um belo dia, numa das aulas de Josh, surge um casal na sala que está na casa dos 25 anos: Jamie e Darby (interpretados, respectivamente, por Adam Driver e Amanda Seyfried). Jamie se apresenta como um fã de Josh e logo Josh é seduzido. Ele acha que esse casal mais jovem é bem mais descolado e sabe das coisas, e logo quer começar uma amizade para experimentar esse gosto de juventude revigorante. Uma juventude que repudia a tecnologia e ainda preserva coisas antigas, por mais estranho que isso possa parecer, ao passo que o casal mais velho não abre mão dos confortos da tecnologia. Mas o que parecia uma nova filosofia de vida para Josh, logo se tornará uma grande decepção... paremos por aqui.
O casalzinho Stiller-Watts funcionou muito bem. Atores que eram carinhas novas e bonitas já encaram papéis mais maduros, na crise dos 40. E aí fica a pergunta: vale a pena voltar no tempo e se rejuvenescer ou ter consciência do envelhecimento e assumir uma postura mais digna com relação à passagem do tempo? É pecado uma pessoa mais velha querer beber da fonte da juventude? Ou cada coisa está escrita em seu tempo determinado? Só de levantar essas questões, o filme já vale o ingresso. Obviamente, nosso casal mais velhinho vai passar por momentos engraçados ao tentar esse rejuvenescimento. Mas o foco aqui não é a comédia, mas sim a discussão filosófica de como o homem deve encarar a passagem do tempo.
O filme já seria de grande valor se abordasse apenas essa questão. Entretanto, ele vai além, pois é um filme sobre documentaristas e a arte de se fazer documentário. E aí, novas questões são levantadas: um documentário deve ser objetivo e mostrar a vida como ela é? Ou o documentário é o produto da visão de um documentarista, constituindo-se, apenas em mais uma visão da realidade? Ou, pior, é uma montagem deliberada de uma ideia fictícia que tem contornos artificiais de real? Infelizmente, não posso dar mais dicas aqui, pois caso contrário vamos cair nos spoilers. Mas dá para perceber que um filme com Ben Stiller que trabalha questões e reflexões tão profundas só pode fazer mais bem â carreira de Ben (desculpem-me, mas não resisti ao trocadilho).

Dessa forma, “Enquanto Somos Jovens” é outro filme que merece a atenção do bom cinéfilo, pois tem vários atrativos: Ben Stiller em filme mais reflexivo, a questão dos efeitos da passagem do tempo no indivíduo e a questão da ética na produção de um documentário. Prato cheio!!!

Cartaz do filme

Josh e Cornelia. Um casal buscando revigorar sua vida.

Problemas com o sogro...

Casal amigo da mesma faixa etária. Preocupação com filho

Jamie...

... e Darby. Casal mais jovem e "descolado"...

Novas experiências e alucinações com o Santo Daime...

Será que se envolver com esse casal vai ser uma boa experiência?

Qual é o segredo da felicidade?


sábado, 27 de junho de 2015

Resenha de Filme - Minha Querida Dama

Minha Querida Dama. Mais Do Que Um Apartamento Herdado.
Mais um bom filme em nossas telas. “Minha Querida Dama”, escrito e dirigido por Israel Horovitz, tem a virtude da película que mistura gêneros. Entramos na sala pensando que vamos ver uma comédia romântica bobinha. Mass o filme se transforma e temos na verdade um drama denso e bem escrito. O filme também tem duas outras virtudes. Ele se apoia num excelente elenco e tem Paris como pano de fundo. Assim, temos temperos especiais que só tornam o conjunto da obra mais gostoso.
Vemos aqui a história de Mathias Gold (interpretado por Kevin Kline), um homem de meia idade que se considera um fracassado. Mathias nunca se deu bem com seu pai e agora ele teve que se desfazer de todos os seus bens para viajar de Nova York a Paris para tomar posse de um apartamento que seu pai deixou como herança. Sua esperança é vender esse apartamento para recomeçar sua vida. Quando ele chega lá, encontra um bom apartamento de dois andares e um grande jardim, cheio de quinquilharias e com uma senhora de 92 anos vivendo nele. Ela se chama Mathilde (interpretada por Maggie Smith) e lhe comunica que era a antiga proprietária. Mathilde vendeu o apartamento para o pai de Mathias sob a condição do imóvel ser um “viager”, ou seja, o novo proprietário teria que aceitar o antigo proprietário morando lá até a sua morte e, mais ainda, o novo proprietário ainda teria que pagar uma espécie de aluguel ao antigo proprietário enquanto este último vivesse. Mathias, sem saber muito o que fazer, aluga um dos quartos para permanecer em Paris com a intenção de buscar a melhor solução possível para todo esse imbróglio. Numa bela manhã, Mathias descobre que Mathilde tem uma filha, Chloé (interpretada pela bela Kristin Scott Thomas), ao flagrá-la no banheiro. Devido à situação constrangedora, o relacionamento entre Mathias e Chloé começa de uma forma muito ácida e agressiva. E esse trio (Mathias, Mathilde e Chloé) vai ter que se aturar até que se resolva todo o problema.
À despeito da curiosidade dessa estranha peculiaridade do sistema imobiliário francês (o tal do “viager”), o filme tem um escopo principal mais interessante, que é o relacionamento entre os três personagens principais, à medida que o passado de todos vai sendo desvendado. É nessa hora que a leve comédia passa a ter contornos de um drama bem elaborado que realmente vale o ingresso. E aqui deve ser dito que todos os atores principais estiveram muito bem mas, dentre eles, Kevin Kline simplesmente arrasou. Ele nos fez rir e nos comover com toda a carga dramática do personagem, que não pode ser destrinchada em mais detalhes aqui por causa dos spoilers. É muito legal ver esse ator que tanto trabalhou lá na década de 1980 fazendo um papel de peso aqui e se mostrando em muito boa forma na arte de atuar. De Maggie Smith, não podemos falar nada de ruim; ela sempre consegue dar um ar de graça e serenidade em suas personagens. E é muito bom ver Kristin Scott Thomas de volta. Apesar dos traços da idade, sua beleza platônica continua intacta. Ao olharmos seu rosto com os lindos olhos claros sempre temos aquela impressão de quando encaramos aqueles anjinhos de resina em lojas de presentes. Passa algo de cândido, macio e afetuoso.
Dessa forma, “Minha Querida Dama” é mais um bom filme que está pelos cinemas da cidade e que vale a pena dar aquela conferida, pois é cheio de atrativos que agradam muito quem gosta de um bom cinema.

Cartaz do filme

Mathias. Um homem atormentado pelo seu passado

Mathilde. Uma pedra no sapato de Mathias

Chloé. Filha de Mathilde e relação conflituosa com Mathias

Muitas brigas entre os dois.

Buscando compreender a situação

Um apartamento difícil de vender

Revirando o passado



quarta-feira, 24 de junho de 2015

Resenha de Filme - Jardins de Pedra

Jardins De Pedra. A Volta Do Que Foi.
Dentro da mostra de Francis Ford Coppola no CCBB, temos um interessante filme que revisita a questão da guerra do Vietnã, imortalizada em “ Apocalypse Now”.  Só quero dizer que, por se tratar de um filme de mostra, com difícil acesso, esse artigo terá spoilers. “Jardins de Pedra”, produzido em 1987, vê os militares americanos e o Vietnã por outro viés. Ao invés dos campos de batalha e da linha de frente em território asiático, o filme se passa nos Estados Unidos, com militares que, indiretamente participam da guerra. E como é que isso ocorre? Tais militares são os responsáveis pelas cerimônias fúnebres dos soldados mortos no Vietnã. E aí fica aquela questão: é melhor ficar por ali mesmo para preservar a sua vida ou “fazer a coisa certa” no campo de batalha? A cada enterro de soldado, fica aquela dúvida. Alguns soldados encaram tal cerimônia com escárnio, fazendo inclusive deboches durante o ritual. Outros militares, entretanto, têm uma visão diferente, com um remorso dentro de sua alma por não ter tomado uma atitude heroica como a daquele soldado morto no caixão. E assim, os dias vão passando e alguns desses militares tomarão atitudes para tentar chegar aos campos de batalha, sempre com aquele receio implícito de morte certa.
O filme conta com um bom elenco. James Caan, Anjelica Houston, James Earl Jones (a “voz” de Darth Vader) são os atores principais. É interessante notar que Coppola procura humanizar a figura do militar, tão hostilizada durante aqueles dias de guerra. Há dois meios onde os militares se relacionam: a caserna, onde há toda uma hierarquia explícita, e o meio privado, onde superiores e subalternos chegam a se comportar como membros de uma família, jantando e bebendo juntos. Há algumas insinuações sutis de mistura entre essas duas esferas, onde um soldado faz uma piada a seu superior durante uma inspeção no alojamento, ou no caso da morte do pai de um soldado, onde um superior mais rígido lhe dava alguma demonstração de carinho. Por girar muito em torno do universo militar, os pacifistas foram retratados de uma forma um pouco mais periférica e talvez até um tanto caricata, embora a personagem de Anjelica Houston seja pacifista. Ela namora o personagem de James Caan, um sargento que não concorda com os procedimentos das forças armadas com relação à guerra, embora negue sistematicamente a seu superior que seja pacifista.
O filme gira em torno de um jovem soldado dos cortejos fúnebres que fará de tudo para ir ao Vietnã. E volta morto. Assim, a cerimônia fúnebre, considerada uma tarefa menor por alguns daqueles militares, passou a ter um significado diferente quando foi de gente do próprio sangue deles. Foi uma experiência muito traumática para aqueles militares tão “família”.

Assim, “Jardins de Pedra” (uma alusão às lápides dos cemitérios militares) são um filme que, se às vezes nos mostra uma cadência um tanto lenta e entediante, ainda assim é um filme que vale a pena ser visto, pois trabalha a guerra do Vietnã de outro ponto de vista: aquele dos militares que não participam da guerra e ainda passam pela dor na consciência de enterrar seus colegas mortos. Ir e se sacrificar ou não ir e sobreviver, eis a questão...

Cartaz do filme

Casal formado por militar e pacifista

Um soldado que quer ir ao Vietnã

Militares em dois momentos: na caserna...

... e na vida mais "civil"...

Um casalzinho que será destruído pela guerra...


A morte de um amigo próximo...


Cerimônia fúnebre. Desta fez, foi o próprio sangue.

Os jardins de pedra.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Resenha de Filme - Francis Ford Coppola, O Apocalipse De Um Cineasta

Francis Ford Coppola, O Apocalipse De Um Cineasta. Surtando No Sudeste Asiático.
Um grande documentário passou em nossas telonas em mostra do CCBB. “Francis Ford Coppola, O Apocalipse de um Cineasta”, nos mostra o processo de filmagens de “Apocalypse Now”, uma das grandes obras do famoso diretor ítalo-americano. As imagens do documentário foram tomadas pela esposa de Coppola, Eleanor, muitas vezes sem o conhecimento do cineasta, e podemos ver que a produção de “Apocalypse Now” foi um parto muito difícil, dada a grandiosidade do projeto e de todas as dificuldades nele envolvidas. Pode ser dito que o diretor teve momentos de surto e quase pirou, nas palavras da própria esposa.
E por que todo esse processo foi tão tenso? Em primeiro lugar, o filme foi rodado nas Filipinas, cuja paisagem tinha uma semelhança muito grande com a do Vietnã. Ele não teve qualquer ajuda do governo americano para as cenas de guerra onde havia tiroteios, helicópteros, aviões, etc. Assim, Coppola fez acordos com o ditador das Filipinas, Ferdinando Marcos, para usar esse aparato militar filipino que era desviado durante as filmagens, já que o país vivia uma guerra civil com a guerrilha comunista, e aí em alguns momentos as filmagens tiveram que esperar. Isso provocou uma lentidão que era muito criticada nos Estados Unidos, mesmo que Coppola tenha usado recursos próprios para o filme, se bem que chegou uma hora em que a United Artists colocou dinheiro e exigiria esse retorno. Um outro fator que auxiliou no atraso das filmagens foram as tempestades tropicais e tufões, que destruíram cenários. Se bem que, em algumas  oportunidades,  tomadas foram feitas sob uma chuva muito torrencial, já que, nas palavras de Coppola, a guerra acontecia também nessas condições.
Outro momento um tanto chocante foi o que aconteceu com o ator Martin Sheen. Para quem não conhece a história, seu personagem era um militar escalado para matar outro americano, interpretado por Marlon Brando, que havia criado uma espécie de pequeno reino onde ele governava autoritariamente, com execuções à torto e direito. Só que, para Sheen, foi muito difícil encarar a maldade de um personagem que teria que matar de forma fria e calculista. Coppola, após um pesadelo com Sheen, decidiu filmar com ele uma cena que era a reprodução de seu pesadelo, onde Sheen, seminu e bêbado, se encarava perante um espelho se admirando, como todo belo ator do “star system” faria, mas que depois encararia de frente o personagem do filme, “demonizado” pelo ator em sua cabeça. Sheen, completamente bêbado, atuou de forma muito violenta e estressada, cortando a mão após quebrar o espelho e praticamente surtando. A cena exigiu tanto de Sheen que, no dia seguinte, ele estava com fortes dores no peito. Encaminhado ao hospital, descobriu-se que ele tinha sofrido um forte ataque cardíaco. O ator quase morreu por causa disso. E Coppola, surtadaço, estava mais preocupado em encobrir o caso da mídia americana.
As trocas e choques culturais também se fazem muito presentes no filme, onde uma tribo nativa foi usada nas sequências quando Sheen chega ao “reino” de Brando. Eleanor Coppola ficou muito interessada nos rituais dessa tribo nativa, com direito à rituais de dança e sacrifícios de animais. Aqui temos uma curiosidade. Eleanor pareceu muito mais interessada nos rituais do que o marido. Mas, mesmo assim, ela o chamou para assisti-los, o que o diretor, aparentemente, fez muito a contragosto.
Talvez o momento em que Coppola chega à sua crise mais profunda é o do final do filme. Ele queria dar uma mensagem sobre a guerra, um tema considerado muito espinhoso para a época, pois a opinião publica estava dividida quanto à presença dos americanos no Vietnã. Sabemos que o filme tem uma crítica muito ácida a esse militarismo americano, comparando a um show pirotécnico que só os americanos sabem fazer. Mas o fim não estava legal para Coppola. E, em sua crise criativa, ele falava que até o suicídio seria uma saída interessante para livrá-lo daquele sério problema.
O documentário conta com depoimentos de membros do elenco (Dennis Hooper, Lawrence Fishburne, Martin Sheen, Robert Duvall e outros) e da produção de “Apocalypse Now”, o que incrementa bem a coisa, além das excelentes cenas de “making of” filmadas por Eleanor, que mostra seu marido trabalhando e os bastidores.

Hoje sabemos que o filme foi um sucesso total de crítica, prêmios e bilheteria. Mas, naqueles dias de incerteza, com filmagens arrastadas em condições inóspitas, podemos dizer que o processo de produção de “Apocalypse Now” foi algo de enlouquecedor. Um enlouquecimento comparável ao que acontecia com os soldados na guerra, nas palavras de Eleanor. Será? De qualquer forma, esse excelente documentário de 1991 vale muito a pena ser visto, pois aqui podemos ver todas as agruras e dificuldades que são encontradas quando se faz um filme. Só é de se lamentar que a sequência da fazenda francesa tenha sido cortada em “Apocalypse Now”, embora haja uma versão com ela, que é altamente recomendável de se ver.  

Cartaz do filme

Coppola. Produção de "Apocalypse Now" turbulenta.

Dirigindo sequência de "Apocalypse Now"

Cenas de combate feitas com a ajuda do governo das Filipinas.

Esta sequência quase custou a vida de Martin Sheen...

Alguns problemas com Marlon Brando

Em determinada hora, o suicídio parecia a única saída...

Eleanor Coppola, que filmou as cenas do "making of".

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Resenha de Filme - Mais Um Ano.

Mais Um Ano. Só Se Leva Dessa Vida A Vida Que Se Leva.
Um bom filme inglês em nossas telonas. Produzido lá no longínquo ano de 2010 (pois é, leitor, e só chega agora a nós), “Mais Um Ano” é um filme que tem como tema principal a reflexão que você faz das atitudes que tomou em vida, ou seja, quando você chegou â famigerada “melhor idade” (que, de melhor não tem nada) e você faz um balanço do que ficou para trás. Você aproveitou sua vida? Fez as escolhas certas? Foi feliz? E se você respondeu não para algumas dessas perguntas, o que você pode fazer no pouco tempo que ainda lhe resta? Lutar para correr atrás do prejuízo? Ou simplesmente sentar na sarjeta e chorar melancolicamente?
Vemos aqui a história de Tom e Gerry, que não são o gato e o rato do desenho animado, mas sim um casal já na terceira idade (interpretados, respectivamente, por Jim Broadbent e Ruth Sheen). Essa simpática dupla leva uma vida muito serena e centrada. Além de seus empregos (Tom é geólogo e Gerry trabalha na assistência social), eles têm uma atividade literalmente bem frutífera, que é a de cuidar de uma horta e um pomar num terreno baldio nas imediações de sua casa. Tom e Gerry têm uma série de amigos e parentes. E, ao contrário do feliz casal, todas as suas companhias vivem sérias turbulências. O filho, Joe (interpretado por Oliver Maltman) já chegou aos 30 e ainda não se casou. O irmão de Tom, Ken (interpretado por Peter Wight), é atormentado por tristezas do passado. O outro irmão de Tom, Ronnie (interpretado por David Bradley), perdeu a esposa há pouco tempo e tem uma relação conflituosa com o filho. E a amiga de Gerry, Mary (interpretada por Lesley Manville) é uma mulher solitária que não soube escolher as suas companhias masculinas, padecendo muito por causa disso. Assim, mais interessante do que Tom e Gerry, que parecem estar na calmaria do olho do furacão, são os seus amigos e parentes que passam por verdadeiros turbilhões. Todas essas crises pessoais em torno do casal protagonista nos são apresentadas ao longo de um ano, onde as estações (primavera, verão, outono e inverno) vão espelhando um rosário de melancolias e angústias.
O menos interessante dessa película é o casal principal. Eles mostram um relacionamento completamente asséptico, sem qualquer traço de crise, sendo o contraponto às histórias carregadas de tristezas e frustrações. Toda essa serenidade é amparada pela vida profissional dos dois, que ainda atuam em seus empregos e na atividade altamente produtiva que é manter a horta e o pomar, como se o fato de ter uma vida ativa e produtiva garantisse a serenidade e a sanidade do casal. O contrário ocorre justamente nos outros personagens, mergulhados na improdutividade e no conflito, sendo muito mais interessantes, sobretudo a personagem de Mary, onde tivemos uma grande atuação de Lesley Manville. Ela simplesmente arrasou! A forma como ela transpirava sua insegurança, fragilidade e sofrimento atinge profundamente em nossa alma. Surge uma correspondência imediata entre o personagem e o espectador, que se identifica com tudo aquilo, pois todos nós já experimentamos aqueles sentimentos em maior ou menor grau. E Mary faz isso de forma extremamente intensa, chegando às raias do paroxismo em alguns momentos, o que nos torna ainda mais solidários, pois compartilhamos da forma mais sincera possível sua dor. Sua postura quebradiça e indefesa nos enche de dó, sem ser pena, o que é mais curioso. E o sofrimento principal de Mary está na conclusão que todos tememos chegar a nossa velhice: não aproveitamos bem a vida e fomos extremamente infelizes, restando apenas chorar o leite derramado, pois nossa época já passou.

Dessa forma, “Mais um Ano” é mais um daqueles filmes que precisamos muito ver, pois ele nos dá muitas lições de vida e reflexões. É o tipo de filme que podemos usar como modelo na busca por atitudes que tomamos a cada momento de nossas existências. E nos dá a reflexão para decidirmos que passos devemos tomar. Vale muito a pena dar uma conferida.

Cartaz original do filme.


Tom e Gerry, Um casal excessivamente centrado.

O filho Joe precisa de companhia.

Mary é o retrato da melancolia em pessoa

Irmão mais velho de Tom. Viuvez.

Irmão mais novo de Tom. Passado de mágoas.

Às vezes, um ombro amigo é necessário




domingo, 21 de junho de 2015

Resenha de Filme - A Lição

A Lição. Como Sair De Um Beco Sem Saída.
Uma co-produção grega e búlgara chega às nossas telas. “A Lição” nos atenta para o fato de que nossas vidas aparentemente em ordem podem, de uma hora para outra, atravessar violentas turbulências, chegando a nos levar a situações insolúveis. E aí, ou a gente usa muita cabeça fria ou toma atitudes inusitadas alimentadas pelo desespero.
Temos aqui a história de uma professora de inglês numa cidadezinha da Bulgária (interpretada por Margita Gosheva), que se comporta de forma extremamente austera e tem um problema com seus alunos pré-adolescentes em sala de aula. Um deles roubou dinheiro do colega e, agora, a professora usa de todos os meios para descobrir o autor do delito. A professora quer porque quer usar a oportunidade para mostrar aos alunos que nenhum crime fica impune (pelo menos lá na Bulgária). Seu marido (interpretado por Ivan Barnev) é um desempregado que procura reformar o trailer da família para vendê-lo e, assim, arrumar algum dinheiro. Mas o marido é um tremendo mané e usa o dinheiro destinado a pagar algumas contas para comprar uma transmissão para o trailer. Assim, um belo dia, um oficial de justiça bate à porta da casa da família com uma ordem judicial para leiloar a casa deles. Agora, a nossa destemida professora precisará arrumar essa grana em apenas dois dias para evitar o leilão. E isso a conduz a caminhos mais tortuosos e perigosos do que ela imaginava, levando-a a praticamente um beco sem saída. Se ela vai conseguir sair dessa fria? Como? Paremos com os spoilers...
É um filme que vale a pena dar uma conferida, pois prende nossa atenção o tempo todo. A sucessão de dificuldades que a professora vai ter que enfrentar para salvar a casa onde mora é angustiante e compartilhamos todo o desespero da personagem (dava para escutar no escuro da sala de cinema os suspiros e as pequenas interjeições de preocupação e tensão que o público emitia a cada situação escabrosa que aparecia). E nós torcemos para que a personagem tenha sucesso em sair daquele rolo. O que mais assusta é que o filme mostra uma situação cotidiana que pode acontecer com qualquer um, ou seja, uma dívida inesperada. E, pior, como o sistema bancário, na sua ânsia por lucros, é extremamente cruel e insensível a qualquer tragédia pessoal, sendo muito curioso perceber como uma produção que tem um antigo país socialista do leste europeu, que queria provar a “liberdade” do capitalismo, agora se compromete justamente a fazer uma película que aponte as agruras desse sistema que, já estamos carecas de saber (ainda mais num país como o nosso!), é extremamente vil e cruel. O que mais dói no filme é que aquela situação inusitada que lá aparece não é tão inusitada assim e que pode acontecer com qualquer um de nós, nos dando um gosto de “leve desespero”.

Dessa forma, “A Líção” é um excelente produto cinematográfico, pois nos estimula a ter todas essas reflexões e, ao mesmo tempo, é uma grande obra de entretenimento, obviamente dentro dos parâmetros de interpretação dos atores do leste europeu, um pouco mais rígidos para a nossa cultura. Mas isso não atrapalha em nenhum momento, já que temos um bom roteiro aqui. Dê uma chegadinha ao cinema, pois vale a pena.

Cartaz do filme

Uma austera professora de inglês

Problemas em sala de aula

O marido (ao seu lado), a colocará em situações difíceis e humilhantes...


Agora, ela precisa correr sozinha contra o tempo para salvar sua casa...