terça-feira, 30 de junho de 2015

Resenha de Filme - Jornada ao Oeste

Jornada Ao Oeste. A Existência Depende Do Olhar.
Um filme muito peculiar está em nossas telas. “Jornada Ao Oeste” tem pouco menos de uma hora de duração e é, no mínimo, intrigante. Ele se caracteriza por planos longuíssimos onde um suposto monge budista se move de forma extremamente lenta pela cidade, enquanto que as pessoas assistem a tudo aquilo, perplexas. Essa co-produção da França e de Taiwan pode muito bem se encaixar na proposta de cinema experimental. É interessante notar que o monge (interpretado por Lee-Kang Sheng) ganha um discípulo (interpretado por Denis Lavant), que o passa a seguir em seus mesmos passos lentíssimos. Aliás, o filme começa com um plano muito longo que mostra um enorme close do rosto de Lavant, com apenas alguns pouquíssimos movimentos de respiração e uma singela lágrima, representação de que o personagem não tinha uma razão para a sua vida, até encontrar o tal do monge. Dá para perceber que o fio narrativo é muito tênue e as ações se concentram nos movimentos muito lentos dos personagens em contraposição ao ritmo frenético das grandes cidades.
A reação dos transeuntes também é interessante. Numa escadaria, uma garota fica preocupada com o monge e lá fica por perto, chamando a atenção das pessoas a ele que, indiferentes, continuam suas rápidas passadas. Até que chega um momento em que a própria menina se desinteressa do monge e vai embora. Vemos esse comportamento em mais pessoas em outra tomada, já no meio da rua, com o monge sendo seguido pelo seu discípulo. As pessoas se juntam, olham, riem e, depois que se perde a graça, dão as costas e vão embora. A impressão que se dá é a de que, numa sociedade muito dinâmica, com um turbilhão de informações por segundo, tal atitude de lentidão extrema logo perde a pecha de novidade e torna-se velha. Ou seja, o movimento do monge e seu discípulo vai totalmente na contramão do que é nossa sociedade hoje: extremamente rápida e pouco detalhista, beirando a superficialidade. O movimento extremamente lento dos passos do monge, pelo contrário, prima pelo detalhismo, onde vemos cada músculo, dedo, tendão de seu pé fazendo o movimento do caminhar.

O mais interessante está ao final do filme, onde vem uma citação que diz que, por mais que existam coisas no mundo, a existência está condicionada ao olhar. Ou seja, as coisas somente ganham sentido quando elas são notadas, apreciadas. A nossa sociedade não vê mais. Apenas absorve superficialmente um turbilhão de informações. Como dizia o famoso geógrafo brasileiro Milton Santos: há muita informação, mas não comunicação, que seria uma troca sadia e produtiva de informação. Uma troca que levaria uma teoria racional e palatável sobre as coisas da vida e do mundo, e não um acesso à informação que nada de concreto produz. Ao focarmos nossa atenção em movimentos tão lentos e detalhados, conseguimos perceber os detalhes de uma realidade que a sociedade moderna os tem como imperceptíveis. Ou seja, está na hora de desacelerarmos e percebermos mais as coisas à nossa volta, até para sentimos melhor o espetáculo da vida. Enquanto escrevo essas linhas, me lembro da sensacional aproximação entre si dos planetas Vênus e Júpiter que ocorre no céu estes últimos dias. Um grande show da natureza que ocorre muito rapidamente para padrões astronômicos, mas muito lentamente para nossa sociedade superacelerada, que nem para mais para apreciar um céu estrelado e testemunhar essa maravilha da natureza. Para o bom apreciador, é um lindo efeito celeste de perspectiva. Para uma pessoa conectada com a velocidade do dia a dia, são apenas dois pontos luminosos próximos, e ainda se ela se der ao trabalho de dar uma espiadinha no céu e na direção certa. Definitivamente, a existência está condicionada ao olhar... Dessa forma, “Jornada ao Oeste” é um filme experimental que merece nossa atenção, pois suscita muitas discussões sobre o comportamento contemporâneo de nossa sociedade.

Cartaz do filme

Um solitário monge, em passos lentíssimos

Um homem sem esperança

Um pequeno ponto vermelho em sua alma

Um discípulo começa a segui-lo

O mestre e seu discípulo. Pessoas perplexas...

Misturando-se na multidão




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