Capote.
Ilhas De Perdões Em Mares de Tragédias.
Este ano perdemos
Philip Seymour Hoffman. Esse grande ator fez os mais variados papéis. Filhinho
de papai, porra louca caçador de tornados, líder de grupo antiterrorista
alemão, violinista, etc., etc. Mas vamos lembrar hoje aqui do papel que o
consagrou: o do escritor homossexual Truman Capote, que lhe rendeu o Oscar de
melhor ator no ano de 2005. Capote, homossexual assumidíssimo, passou por
sérios problemas de preconceito nos Estados Unidos de fins da década de 1950 e
início da década de 1960. Ele era articulista da revista “New Yorker” e viajou
para o Kansas com o objetivo de cobrir o assassinato de quatro pessoas de uma
mesma família. O escritor logo sofrerá uma séria rejeição das pessoas por sua
condição extremamente afetada de se expressar. Por isso, ele foi com a
companhia da escritora Nelle Harper Lee, lésbica, que fará a tarefa de se
aproximar das pessoas da cidade, sobretudo do responsável pelas investigações,
o policial Alvin Dewey (interpretado por Chris Cooper), que muito sofreu com a
chacina, pois era amigo próximo das vítimas. Lee conseguirá aproximar Capote de
Alvin. Após algumas investigações, Alvin consegue chegar aos autores do crime,
dois homens. Capote fará de tudo para se aproximar deles. E consegue, onde ele
fará uma série de entrevistas com um deles, Perry Smith (interpretado por Clifton
Collins Jr.), por quem desenvolve laços afetivos, já que sua história de vida
se assemelhava muito à do criminoso, onde ambos sofreram rejeições na infância
e tiveram problemas de relacionamento com suas mães.
Capote perceberá que a
história do homicídio poderá render muito mais que um simples artigo e inicia
um projeto para escrever um livro, o que seria o grande trabalho de sua
carreira, “A Sangue Frio”. Mas o processo de produção do livro se revelou uma
verdadeira tortura para o escritor, pois o envolvimento com os acusados do
crime tornou-se cada vez mais profundo, a ponto de Capote buscar meios de
defender os criminosos. A situação piorou com a condenação dos dois a morte. O
desfecho do livro passou, então, a depender do fato de se a pena capital seria
cumprida ou não. Capote, então, fica num sério impasse, pois o êxito de seu
trabalho depende da morte dos acusados, mas, ao mesmo tempo, sua afeição a eles
o coloca numa situação de drama profundo. O relacionamento entre Capote e Perry
é tortuoso, com o prisioneiro vendo o escritor ora como amigo, ora como uma
pessoa que só tem interesses em obter sucesso profissional às custas da
desgraça dos prisioneiros. Os vários recursos que adiavam a execução só
aumentavam ainda mais o tormento de Capote. Até que, finalmente, os dois vão
para o corredor da morte, e para a forca. Capote tenta de todas as formas, se
desligar de tudo, em crises de depressão. Mas vai falar com os criminosos,
recebendo a compreensão de Perry, que quer que Capote assista a sua execução, já
que não há ninguém de sua família em seu último momento. Assistir a execução
foi a pá de cal no emocional do escritor, que mergulhou no alcoolismo e nunca mais
conseguiu terminar outro livro depois de “A Sangue Frio”, falecendo em 1984.
A grande atração do
filme é a soberba interpretação de Philip Seymour Hoffman, realmente digna do
Oscar de melhor ator. Sua atuação afetada o fazia parecer outra pessoa. Ainda,
ele conseguiu expressar todos os estados de espírito (o piadista, o deprimido,
o resignado pelo preconceito, o irônico) de forma magistral, mesmo tendo que
usar a interpretação afetada, que é vista com estereótipos. Hoffman supera a
força dos estereótipos e torna o personagem de Capote uma figura extremamente
humana e simpática para nós, quando a figura do homossexual afetado soa pouco
simpática numa sociedade ainda muito homofóbica e preconceituosa como a nossa,
seja aqui no Brasil, seja nos Estados Unidos.
Além da primorosa
interpretação de Hoffman, o filme tem outra interessante virtude. É uma
história que fala, sobretudo, de perdão. Perry cometeu um crime para lá de
hediondo. Sua punição foi justa? Para nós, que vivemos num mar de impunidade
aqui no Brasil, a execução soa muito justa. Só que essa não é a questão aqui. O
que realmente importa é buscar compreender por que tal crime ocorreu. Que
situações expressas na trajetória de vida de Perry o levaram a cometer tal
atrocidade? Esse era o objetivo da investigação de Capote que, ao mergulhar no
íntimo do preso, começou a entendê-lo. Podemos até questionar a tentativa de
Capote de salvar os criminosos, mas ele o fez por identificar seu próprio
passado com o de Perry. O dilema provocado pela aproximação de Capote com o
preso e a necessidade de terminar seu livro, que passava obrigatoriamente pela
execução, levou o escritor a um grande tormento. Mas o grande ato no filme foi
o de Perry que, à beira do cadafalso, ainda conseguiu perdoar Capote, mesmo que
isso não tenha surtido efeito na vida posterior do escritor, que entrou em
parafuso. Se Capote perdoa Perry ao se identificar com ele, Perry também perdoa
Capote ao presenciar o dilema do escritor.
Uma excelente
interpretação digna de Oscar. Um relacionamento humano tortuoso e complexo.
Tudo isso baseado numa história real. Tem horas que a vida consegue ser mais
criativa que a arte. Todos esses fatores fazem de “Capote” um filme memorável.
E o maior ícone do talento de Philip Seymour Hoffman.
Cartaz do filme.
Um escritor muito afetado.
Analisando uma chacina.
Com a ajuda de sua amiga Nelle Lee, ele interage com o povo da localidade.
Principalmente com Alvin, um delegado atormentado.
Assassinos descobertos.
Relação próxima com Perry, um dos assassinos.
Arte imita a vida.
O verdadeiro Capote.
Saudades de um grande ator...
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