quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - O Crítico

O Crítico. Brincando Com Clichês.
Mais um filme argentino na área. “O Crítico” é uma espécie de brincadeira. Um filme que fala do cinema, mais especificamente, de quem analisa o cinema, ou seja, os críticos. Vemos aqui a história de Victor Tellez (interpretado por Rafael Spregelburd), um crítico de cinema de um jornal, já saturado pelos filmes que vê e que é obrigado a analisar. Implacável, Tellez entende que a sétima arte está morta e tem uma revolta especial contra histórias românticas, considerando-as um lixo em termos de arte e povoadas de clichês altamente previsíveis. Ele anda com um pequeno grupo de críticos de cinema que, juntos, veem as películas e depois as discutem num café, onde os garçons estão sempre antenados com o que é escrito por eles. A vida de Tellez só não fica nesse marasmo por dois motivos: um deles é a sua irmã, que tenta de todas as formas encorajá-lo a escrever um roteiro, além de pedir a Tellez que ajude a cuidar de sua filha de 16 anos; e o outro motivo é a necessidade que ele tem de comprar um novo apartamento. Depois de muita procura, Tellez irá encontrar o apartamento ideal, mas terá que disputá-lo com Sofia (interpretada por Dolores Fonzi), uma moça altamente vivaz, que vai na contramão da intelectualidade do crítico. Pouco a pouco, os dois se aproximam e todos os clichês rechaçados pelo nosso protagonista acontecem com ele na vida real, tornando a história um tanto divertida.
O filme infelizmente não empolga muito. Há uns bons momentos de riso, mas a coisa não engrena. Até parece as comédias românticas que ele mesmo critica. Não pelos clichês, mas pela dose um pouquinho alta de tédio em alguns momentos. Pelo menos, o final não foi um clichê previsível, mas ainda sim um clichê. Fica aquela impressão já vista em outros filmes resenhados aqui de que a ideia é boa e podia ter sido mais bem desenvolvida. De qualquer forma, a película abre um espaço para reflexão. Até onde a opinião de uma pessoa é tão válida a ponto de destruir um produto cultural ou a carreira de outra pessoa? Se existem comédias românticas cheias de clichês e altamente previsíveis e há pessoas que gostam de tal gênero, o que isso tem de ruim, ora bolas? Como já foi dito aqui, são historinhas que não acrescentam nada a nossa vida, mas servem para entreter, para você sair levinho, levinho do cinema. Se Harry e Sally hoje devem estar discutindo a relação em meio a várias brigas (como foi insinuado no filme), houve um bom momento deles no passado que (por que não?) deve ser valorizado. Os bons filmes sempre serão lembrados. Vide a história romântica de “A Felicidade Não Se Compra”, onde o próprio Tellez vai lembrar: “Capra é Capra”. Se o filme é bom, ele sobrevive por si só em sua atemporalidade. Agora, o que é um filme ruim ou uma arte de má qualidade? Tais conceitos são muito relativos. Temos produtos culturais sendo concebidos de acordo com necessidades de mercado? Claro que sim! Mas classificar produtos culturais como ruins em termos artísticos por causa disso nos levaria a ser  frankfurtianos demais. Por isso que, ao escrever linhas opinando sobre uma determinada manifestação artística, o crítico (em minha modestíssima opinião) não deve ter o medo de dar a sua opinião, pois nunca agradaremos simultaneamente a gregos e troianos. Mas ele também deve se lembrar que toda a coisa tem o seu lado bom e seu lado ruim. Só espinafrar é muito fácil. Quero ver é buscar motivo de elogio em algo que te desagrada.

Concluindo, “O Crítico” peca por ter desenvolvido mal a ideia que propôs (o filme poderia ter tido um andamento mais rápido e investido mais na comédia), mas tem a virtude de ter mostrado boas ideias engraçadas. Vá mas não espere muito. O filme, infelizmente, é menos do que parece no trailer. Ainda bem que tem a Dolores Fonzi, que vale o ingresso.


Cartaz do filme


 
Tellez, um crítico cansado com seu ofício.


Sofia, uma mulher cheia de vida.


Esse casal reproduzirá uma série de clichês que Tellez tanto odeia.


os protagonistas e o diretor Hernán Guerschuny

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - Êxodo

Êxodo. Moisés, Um Desafio Cinematográfico Que Se Renova.
Quem gosta de cinema sabe que o personagem bíblico Moíses é um verdadeiro desafio cinematográfico. Cecil B de Mille fez duas versões de “Os Dez Mandamentos”: uma muda, do ano de 1923 e outra falada e colorida, estrelada por Charlton Heston e Yul Brynner, do ano de 1956. Esta última versão, inclusive é um baita filme, de 220 minutos, excelente elenco e com efeitos especiais muito bem elaborados para a época. Com tamanho sucesso, fazer uma nova versão da história de Moisés e do êxodo dos hebreus do Egito à altura é sempre um grande desafio. E Ridley Scott topou. Ele que já fizera interessantes filmes históricos como “Gladiador” e “Cruzada” tenta dessa vez contar a história bíblica do Antigo Testamento por um novo viés. Se na versão de Cecil B. de Mille, a vertente religiosa assume um tom pomposo e até solene, Scott procurou aqui seguir outro caminho. A tábua dos Dez Mandamentos ficou meio de lado, só sendo mencionada mais ao fim da história, e sua confecção foi sem as pirotecnias de de Mille, por exemplo. A versão de Scott mostrou um diálogo curioso entre Moisés e Deus, representado por um menininho com cara de invocado. A coisa era conflituosa, pois Deus queria um general que rebelasse o povo hebreu contra a arrogância dos faraós egípcios, que se sentiam deuses sobre a terra (algo que irritava Deus profundamente). Moisés, por sua vez, torcia o nariz quando Deus criticava as suas atitudes como general, dizendo que, com Moisés atuando segundo suas estratégias, a coisa demoraria muito para funcionar, o que deixava Moisés louco da vida. Deus, então, fala que será melhor para Moisés assistir ao Todo Poderoso agir. E lançam-se as Sete Pragas sobre o Egito, onde vemos a tirania do Deus do Antigo Testamento a todo o vapor, deixando as loucuras de “Noé” no chinelo. Nem Moisés aguentou tantas hecatombes, inconformado com aquela violência divina toda. Coube a nosso profeta apenas advertir o faraó Ramsés da desgraça que se abateria sobre os egípcios: a morte de todos os seus primogênitos, depois que Ramsés ameaçou matar todos os primogênitos hebreus. O encontro de Ramsés e Moisés depois da morte do filho de Ramsés é emblemático. O faraó pergunta ao profeta que Deus é esse que mata os filhos das pessoas. E a única resposta de Moisés é que os filhos dos hebreus não foram mortos. Não foram mortos, diga-se de passagem, pois cordeirinhos tiveram que ser sacrificados para o sangue deles ser espalhado pelas portas e janelas de casas para proteger os filhos primogênitos. E depois ainda falam mal dos sacrifícios de animais dos praticantes de religiões africanas...
A travessia do Mar Vermelho é outro elemento curioso. Moisés irá citar que eles podem aproveitar uma maré baixa, o que poderia ser uma explicação científica da passagem bíblica. Entretanto, a subida da maré se deu de forma altamente pirotécnica, precedida de uma violenta tempestade, e com um caixote homérico de que nem Ramsés e Moisés escaparam, embora tenham sobrevivido ao tubo, algo que pegou muito mal para a coerência do filme.
Quanto ao elenco, tivemos boas participações. Christian Bale como Moisés convence. O mesmo não se pode dizer para Joel Edgerton, que fez um Ramsés um tanto rechonchudo (Yul Brynner era bem mais esguio para o papel). Ben Kingsley, pouco aproveitado. Sigourney Weaver, quase fazendo figuração como a mãe de Ramsés. Quem deu um show foi o ótimo John Turturro, no papel do faraó Seti, com uma interpretação contida e refinada, mostrando toda a versatilidade desse ator ítalo-americano que merecia também um Oscar de melhor ator em sua carreira. Não podemos nos esquecer da pequena, mas muito válida participação de Golshifteh Farahani, que brilhou em “A Pedra de Paciência” nas telas brasileiras este ano e fez Nefertiti, a esposa de Ramsés.

Chegando ao fim destas linhas, vem a pergunta inevitável: “Êxodo” foi melhor ou pior do que “Os Dez Mandamentos”, de 1956? O filme mais antigo foi uma superprodução, teve um baita de um elenco e tomou a história pelo viés mais “oficial”, mais bíblico e religioso, e teve tramas paralelas à história principal, como um envolvimento entre Moisés e Nefertiti. Nosso “Êxodo” teve a virtude de uma visão mais crítica dos castigos divinos, materializada no diálogo tenso entre Deus e Moisés. Mas teve alguns sérios defeitos como subaproveitar bons nomes do elenco escolhido e suprimir algumas passagens bíblicas como a de revolta de Moisés contra o povo hebreu, que passou a adorar uma divindade enquanto as tábuas dos Dez Mandamentos eram confeccionadas. E o fato de Moisés e Ramsés serem os únicos sobreviventes daquele senhor caixote que tomaram também ficou difícil de engolir, ainda mais com aquele monte de figurantes (e cavalos, tadinhos) mortos. Me solidarizo também com os cordeirinhos sacrificados. De qualquer forma, a Bíblia e o Cinema de algum jeito se aproximam, pois ambos contam histórias espetaculares e incríveis. Assim, apesar dos pesares, ainda recomendo uma conferida em “Êxodo”. Mas pedindo, obviamente, toda a licença a Cecil B. de Mille. 


Cartaz do filme.




Dois irmãos e um pai


Moisés. Não sendo filho legítimo, não poderia ser faraó.


Um faraó fofinho


Ben Kingsley subaproveitado


Sigourney Weaver e Ridley Scott. Figuração.


John Turturro arrebentou, como sempre!!!


A bela Golshifteh Farahani (eta nome complicado!) também marcou presença.


Moisés, já como o líder dos hebreus e seu barbão habitual.


Boas cenas de batalha.


Prestes a tomar o caixote...


Versão de de Mille. Efeitos especiais irados para a época...


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - Um Belo Domingo

Um Belo Domingo. A Saga Do Professor Maluquinho.
Curiosa essa produção francesa de 2013, “Um Belo Domingo”. Um filme que inicialmente parecia um pequeno romance água com açúcar, vai se revelar uma radiografia  pregressa da vida do protagonista. Acaba virando a história de amor de um personagem só.
Vemos aqui a trajetória de Baptiste (interpretado por Pierre Rochefort), um professor assistente que pula de cidade em cidade, nunca parando definitivamente em algum lugar ou emprego. Numa sexta-feira, ao fim do expediente, um de seus alunos não foi levado para casa. Baptiste levará então o menino até a casa de seu pai, que havia esquecido o garoto e estava de viagem marcada. O professor vai se oferecer para passar o fim de semana com o menino, que o convence de ir ver a mãe, Sandra (interpretada por Louise Bourgoin), que trabalha como garçonete num restaurante à beira da praia. Os três irão passar o fim de semana juntos e Baptiste descobre que a moça tem dívidas e sofre ameaças. O professor buscará ajudar Sandra, procurando a família dele, de quem estava afastado há muito tempo, para arrumar o dinheiro necessário. O problema será justamente esse seu retorno à família, pois a relação de Baptiste com seus parentes foi muito conflituosa no passado.
Pode-se dizer, então, que o filme é dividido em duas partes bem nítidas. A primeira é a construção do romance, da história de amor entre Baptiste e Sandra. Olhares, aproximações e beijos. Mas sempre mostrando o personagem de Baptiste de forma enigmática. O professor é muito introspectivo e calado, tal como se essas características fossem um presságio do que seria a segunda parte do filme: a elucidação do passado de Baptiste ao aproximar-se de sua família. Aqui, a trama toma contornos de um drama familiar tenso, onde a chave do conflito estava na não aceitação mútua das formas de ser tanto de Baptiste quanto da família. O professor não aceitava que a família lhe impusesse suas vontades e expectativas. Por serem muito ricos e com carreiras consolidadas, os familiares de Baptiste esperavam que ele fizesse o mesmo. Mas isso não ocorreu, o que levou a consequências trágicas e a um forte clima de ressentimento entre ambas as partes, muito difícil de se superar.
Apesar de um desfecho cheio de esperança, “Um Belo Domingo” tem como núcleo central a ideia de que, às vezes, para você recomeçar, ir para a frente e empreender uma nova vida, é necessário ajustar contas com o passado. Como dizia o sábio João Saldanha, “ninguém é filho de chocadeira”. Mesmo que você tenha rompido com o seu passado, volta e meia você precisa encará-lo mais uma vez, para verificar se ainda existe ou não uma chance de reconciliação com o que foi deixado para trás. E, mesmo que sua certeza seja a de um rompimento total, nunca se sabe o homem que você será no futuro, como um dos irmãos de Baptiste salientou. O sonhador rompe com os grilhões do dinheiro, abre mão de uma herança e de uma vida confortável, para levar o conhecimento a quem não o tem. Alguns acham tal atitude louvável, outros diriam que é o caso para a internação num hospício...

O filme valoriza a mensagem romântica, a receita de um sonho heroico e utópico, enfatizando a natureza sensível e delicada do personagem Baptiste, já exausto de tantos sofrimentos em vida. Mas devo confessar que uns eurozinhos na conta bancária não fazem mal a ninguém e dá até para sonhar mais alto. Nosso Baptiste até podia montar uma escolinha só para ele lecionar. De qualquer forma, vamos valorizar a mensagem romântica e utópica do filme. Definitivamente, o cinema é a arte da ilusão.


Cartaz do filme.


Baptiste e Sandra. Encontro na praia.


Surge um clima de romance.


Baptiste, introspectivo, terá que encarar o seu passado pelo amor de Sandra


O relacionamento com a família não será fácil

domingo, 28 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - Chef

Chef. Boa Culinária E Tweets!
O bom filme “Chef”, de Jon Favreau, exibido nos cinemas este ano, é uma espécie de “Bistrô Romantique” turbinado. Mais uma vez, é uma película regada a uma boa e deliciosa culinária, onde ficamos babando perante bons pratos. Mas, se em “Bistrô Romantique” além da comida tínhamos vários pequenos casos amorosos, em “Chef”, a relação entre pai e filho toma o centro das atenções, tudo isso acompanhado com um elenco de coadjuvantes de luxo.
Vemos aqui a história de Carl Casper (interpretado por Jon Favreau), um chefe de cozinha de um renomado restaurante, que precisa fazer pratos muito especiais para a noite em que Ramsey Michel (interpretado pelo bom e infelizmente não muito visto por aqui Oliver Platt), um respeitado blogueiro de culinária, irá visitar o restaurante. Entretanto, o dono do restaurante, Riva (interpretado por ninguém menos que Dustin Hoffman), pede que o chefe faça o seu be-a-bá, no que é atendido. As críticas do blogueiro serão implacáveis, sendo reproduzidas no Twitter. Com a ajuda de seu filho Percy (interpretado por Emjay Anthony), que quer o pai mais presente, o chefe abre uma conta no Twitter e responde as críticas do blogueiro, sem perceber que dá uma resposta pública, o que detona uma guerra entre os dois e provocará a demissão do chef. Ajudado pela ex-esposa Inez (interpretada por uma Sofia Vergara para lá de exuberante, muito mais do que em “Amante a Domicílio), o chefe parte para Miami junto com a ex-esposa e o filho e lá consegue obter um trailer para vender sanduíches cubanos, com a ajuda do primeiro marido de Inez (interpretado por Robert Downey Jr.), tendo o objetivo de começar uma vida nova.
Como podemos ver, o filme conta com uma verdadeira constelação de coadjuvantes, que ainda conta com Scarlett Johansson como Molly, a recepcionista do restaurante onde o chefe trabalhava. Apesar de o filme ser uma mistura de comédia com um drama levinho que não acrescenta muito às nossas vidas, temos uma historinha bem simpática que entretém bastante. Vemos com carinho a saga do chefe gordinho que faz bons pratos, é cercado por mulheres deslumbrantes e busca resgatar o relacionamento com o filho. Juntar uma boa comida com bons atores foi uma excelente química, que ajudou a dar conteúdo e liga para a história. A segunda metade do filme, altamente latinizada, com boas tomadas de Miami e Nova Orleans, deram à trama um tom de road movie, numa viagem por lindas paisagens dos Estados Unidos, onde o preparo dos sanduíches e as maravilhosas carnes davam um colorido especial e muita água na boca. Outro elemento interessante é o uso da internet e das redes sociais, sobretudo o Twitter. Se num momento, essa tecnologia destrói a carreira do chefe, fechando as portas dos grandes restaurantes a ele, por outro lado as mesmas tecnologias redimem sua vida, já que elas serão usadas na divulgação de seu trailer, numa prova de que não são as tecnologias más, mas sim o uso que se faz delas.

Com tantos bons elementos assim, e ainda bem interligados, “Chef” é um filme altamente recomendável, principalmente se você estiver num daqueles dias tristes. A historinha, apesar de ser água com açúcar, é divertida, prende a atenção e faz você ficar com a alma bem levinha. Divirta-se (e delicie-se) com “Chef”.


Cartaz do filme.


Uma história de pai e filho.


Muito trabalho no restaurante.



Sofia Vergara muito deslumbrante!!!!


Robert Downey Jr., outra boa presença no elenco.


Scarlett Johansson, sempre linda com qualquer cabelo.


Oliver Platt, sempre um grande ator.


Dustin Hoffman. Participação de luxo.


Vida nova e de sucesso no trailer. 

sábado, 27 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - Akira

Akira. Fins E Começos.
A boa animação japonesa “Akira”, inspirada na HQ de Katsuhiro Otomo, é uma história altamente distópica que, apesar de tudo, torna o futuro uma imensa página em branco, ávida por ser escrita. A tragédia nuclear, tão presente na cultura japonesa do pós 2ª Guerra, também marca presença nesta curiosa história. E de forma dupla! A primeira explosão nuclear, ocorrida em 1988, na mesma data da explosão da primeira bomba atômica americana (16 de julho), assinalava o fim do mundo conhecido, do Japão civilizado e organizado, altamente obediente e com códigos de honra bem rígidos. A hecatombe trouxe Neo Tóquio, uma cidade caracterizada por uma gigantesca cratera, cuja ferida no solo parece se manifestar na sociedade, altamente desorganizada, em estado de beligerância permanente, onde uma elite corrupta e decadente disputa poder com um militar golpista que, pasmem, parece a figura mais lúcida de todo o filme. Uma gangue de motociclistas adolescentes desajustados, liderados por Kaneda, vive realizando duelos com uma gangue rival, os palhaços. Mas os acasos da vida envolverão Kaneda e, principalmente, seu amigo Tetsuo, no projeto Akira, cujas experiências mentais e telecinéticas serão realizadas com crianças que têm no jovem Akira a sua figura mais poderosa. Tetsuo, um adolescente delinquente, irá incorporar alto poder depois de se envolver no projeto acidentalmente e começará uma destruição por toda Neo Tóquio. Mas o poder é demais para ele, que literalmente vai inflar e explodir. Akira, que estava confinado a uma câmara criogênica, será liberado por Tetsuo e provocará outra explosão nuclear, desta vez para varrer a corrompida Neo Tóquio do mapa e criar um novo começo. Como é dito no filme pelo cientista do projeto Akira: “Neo Tóquio é uma fruta já muito madura que apodrecerá e dará origem a uma nova e boa semente”. As alusões da segunda explosão nuclear do filme ao “Big Bang”, como uma metáfora de um novo começo estão muito bem assinaladas. Entretanto, o mais curioso ao final do anime é a frase “Eu sou Tetsuo”, dita pelo próprio, entremeada às imagens de estrelas e galáxias em expansão, como se o adolescente morto se incorporasse àquele novo começo.

Fins e começos. Buscar dar a volta por cima. Essa é a mensagem mais importante de “Akira”, história que até hoje é cultuada por muita gente. Uma das animações japonesas mais amadas de todos os tempos.


Cartaz do filme


Kaneda e sua moto irada!!!!


Tragédia nuclear, sempre presente no imaginário japonês.


Tetsuo, um desajustado com muito poder


Tetsuo, um desajustado em deformação

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - O Mercado de Notícias

O Mercado De Notícias. O Que É Ser Jornalista?
Este ano tivemos um excelente documentário brasileiro intitulado “O Mercador de Notícias”, que tem como objetivo principal fazer um mapeamento da atividade jornalística no Brasil, usando como inspiração a peça teatral de mesmo nome, escrita pelo dramaturgo inglês Ben Johnson, em 1625. Johnson teve o privilégio de ser o segundo maior dramaturgo inglês (só perdia para Shakespeare, obviamente) e sua peça falava sobre os primórdios do jornalismo tal como entendemos hoje, que surgia na Europa em meados dos séculos XVII e XVIII. O documentário é muito interessante e esclarecedor, pois podemos ver nomes consagrados do jornalismo brasileiro sendo entrevistados, como Geneton Moraes Neto, Luís Nassif e Paulo Moreira Leite, falando de seu “metier”. E eles abordam várias questões como a liberdade de imprensa, a ética, o posicionamento político dos jornais, a oposição das mídias ao governo, o futuro da imprensa com o advento da internet e outros temas caros ao jornalismo. Tudo isso entremeado por encenações da peça de Ben Johnson.
Esse documentário de Jorge Furtado é um material e tanto não só para os estudantes de jornalismo como também é uma curiosidade para o grande público, já que ele tem a oportunidade de ver jornalistas falando até de forma bem crítica de sua profissão, que muitas vezes passa a pecha de que é um “quarto poder infalível”, onde os profissionais de imprensa, quando criticados, assumem uma postura altamente corporativista e se defendem, muitas vezes até atacando, perante aos olhos do público. Obviamente existem exceções, como o bom programa “Observatório da Imprensa”, do Alberto Dines (que inclusive faz falta a esse documentário), mas de certa forma, fica um espírito de onipotência e até uma rispidez no ar quando a imprensa se sente atacada. Nesse documentário, não sentimos esse corporativismo. Ao bom estilo do “Observatório da Imprensa”, analisa-se de forma crítica o papel da mídia na sociedade, tomando inclusive o exemplo da bolinha de papel na careca do José Serra, que tomou proporções de um atentado à vida de um candidato a presidência da República, e a da reprodução de um Picasso travestido de verdadeiro pela mídia, na sede do INSS de Brasília. Isso sem falar da destruição de reputações que a mídia promove volta e meia, com o objetivo de atacar governos ideologicamente incompatíveis com a orientação política dos jornais.

Definitivamente, “O Mercado de Notícias” é um documentário que vale muito a pena ser visto, pois ele discute com muita responsabilidade qual é o papel da mídia na nossa sociedade atual.


Cartaz do filme


Geneton Moraes Neto é um dos entrevistados.


Paulo Moreira Leite e Luís Nassif também dão boas contribuições.


O diretor Jorge Furtado e as atrizes que encenam trechos da peça. 

Resenha de Filme - O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro

O Dragão Da Maldade Contra O Santo Guerreiro. Antônio Das Mortes Se Redime.
O personagem mais curioso e inquietante dos filmes de Glauber Rocha está de volta. Antônio das Mortes reaparece em “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”. Vimos esta estranha figura em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e sua característica mais marcante era a sua crise existencial ao cometer crimes. Matador de aluguel, Antônio das Mortes, o matador de cangaceiros sempre trabalhava para os poderosos, não deixando de cumprir com suas obrigações. Se tem que matar, que se mate, se é o que tem que se fazer, que se faça, dizia o matador. Mas sempre com uma ponta de remorso e incerteza.
E não será diferente nesse filme. Antônio das Mortes irá ao povoado de Jardim das Piranhas para verificar se ainda existem cangaceiros. Ele, que havia liquidado Corisco, falava em tom nostálgico com os moradores da cidade sobre Lampião e Corisco. Glauber, inclusive, quer mostrar que houve uma passagem do tempo, se referindo aos tempos de Getúlio Vargas como uma época antiga. Uma alusão a épocas mais recentes aparecem nas tomadas onde Antônio das Mortes anda em estradas entre caminhões. O novo e o antigo coexistem, pois há no vilarejo a figura do empresário que quer trazer a industrialização a Jardim das Piranhas (interpretado por Hugo Carvana) e a do coronel cego, que se recusa a ver os novos tempos de mudanças e ainda teima em manter o seu poder ancestral, coronel esse magnificamente interpretado por Jofre Soares. Tanto para o empresário quanto para o coronel, os últimos remanescentes do cangaço são prejudiciais, pois juntamente com a santa, a líder religiosa popular, aglutinam o povo e as suas tradições folclóricas num núcleo fora do alcance da influência dos poderosos. Assim, Antônio das Mortes entrará em ação mais uma vez, ferindo mortalmente o cangaceiro numa luta que assume todo um ritual folclórico, com direito a desafios em versos entre o assassino e o cangaceiro. Antônio das Mortes vai ferir o cangaceiro mortalmente, que agonizará por um longo tempo. Antônio chegará a pedir perdão para a santa, mas essa deixa claro que ele mesmo é que terá que encarar suas culpas e arrependimentos.
Os conflitos não se dão somente nas camadas baixas da sociedade. Vemos, também, litígios nas elites, onde o coronel é traído por sua esposa (interpretada por uma bela Odete Lara) com o empresário da cidade. Após ver o coronel (e o seu marido) ridicularizado por todos os seus jagunços, a esposa fere mortalmente o empresário. A grande redenção de Antônio das Mortes virá quando o coronel decide massacrar todo o povo servidor da santa e do cangaceiro. O matador simplesmente se virará contra os jagunços, liquidando a todos, inclusive ao coronel e a sua esposa. O filme termina com Antônio das Mortes divagando sem rumo entre os caminhões da estrada.
Mais um filme de pedagogia marxista exibindo elementos de uma cultura popular brasileira. O povo retratado como um amálgama folclórico que seguia a santa e o cangaceiro, montados em rituais e tradições populares que manifestavam continuamente. O cangaceiro e o povo violados pelas elites de ontem (o coronel) e de hoje (o empresário capitalista). Um coronel cego que se recusa a aceitar os novos tempos. Um empresário que se borra de medo do coronel. Traições, adultérios e muito derramamento de sangue. Um matador de aluguel em crise que se redime executando friamente o coronel e seus jagunços. Um anti-herói que abraça as causas do povo após aceitar sua admiração pelo cangaço e sua visão social.

Dizer que existe um elo entre “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” não é nenhum exagero. E esse elo é justamente Antônio das Mortes, que transita do Mal dos poderosos para o Bem dos oprimidos. Assim, Antônio das Mortes é um duplo antagônico: ele tem os seus dias de dragão e os seus dias de Santo Guerreiro. Ele é o mais barroco, mais romântico, mais expressionista dos personagens de Glauber. Homem de sentimentos díspares e fala mansa, sendo mais um dos paradoxos do grande cineasta brasileiro.


Cartaz do filme


Antônio das Mortes está de volta!!!


Nostalgia com os grandes líderes cangaceiros.


 
O cangaceiro e a santa; Expressão do poder popular.


Coronel e esposa. Poder ancestral.

Luta contra o cangaceiro. Tradições folclóricas.


Um empresário assassinado.


Antônio das Mortes se volta contra os poderosos!!!!


O criador e a criatura. Quem é quem???

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - Amantes Eternos

Amantes Eternos. Crepúsculo Hard Core, Cultura e Loki.
Os vampiros voltam a atacar! Só que dessa vez de uma forma bem intelectualizada e refinada. O excelente filme “Amantes Eternos”, de Jim Jarmusch, fala da vida (ou morte) de um casal de vampiros, Adam e Eve (sugestivo). Mas não é um romance adolescente à la “Crepúsculo”. O buraco é mais em cima. Bem mais em cima.
Para começarmos, Adam (interpretado pelo nosso querido “Loki” Tom Hiddleston) é um vampiro deprimido que vive na parte mais erma e abandonada de Detroit. Ele é um roqueiro dark que consegue relíquias musicais como antigas guitarras e violões com a ajuda de seu amigo Ian (interpretado por Anton Yelchin). Adam também compra às escondidas sangue do estoque do hospital, sempre com grandes somas de dinheiro. Já Eve, sua esposa e eterna amante (interpretada por Tilda Swinton), vive em Tanger e parece não lavar o cabelo há trezentos anos. Ela conta com a companhia de seu amigo, o velho Marlowe (interpretado por John Hurt), que lhe fornece o sangue necessário. Adam e Eve usam toda a tecnologia da internet para manter-se em contato. O estado depressivo de Adam desperta preocupação em Eve, que vai a Detroit para visitar o amado. O encontro dos dois será delicioso, pois como amantes da boa arte e cultura, e sendo vampiros, o casal tem séculos e séculos de conhecimento e erudição, além de serem muito talentosos culturalmente falando. A própria casa de Adam ou biblioteca de Eve são um grande amontoado, cujo acervo lembra uma grande biblioteca ou museu, sendo esse background cultural o grande barato do filme. Adam é um artista refinado e sensível que testemunhou várias épocas e tendências e Eve é uma especialista em dizer a idade de qualquer objeto. Mas o soturno casal também é amante das ciências físicas e biológicas, lembrando de grandes oportunidades esquecidas como a visão de Tesla sobre o futuro da eletricidade (se a visão de Tesla se confirmasse, a eletricidade seria espalhada pelo ar por enormes bobinas sem afetar os humanos e não precisaríamos de tantos fios que quebram hoje em dia em eletrodomésticos e outros aparelhos) ou que tem a capacidade de identificar anomalias no ciclo de reprodução de fungos. A vida tranquila do casal só será afetada pela irmã eternamente adolescente (socorro!!!) de Eve, Ava (interpretada por Mia Wasikowska), que aparece de repente na casa de Adam, para desgosto do vampiro roqueiro.
Definitivamente, é um filme de vampiro que foge do convencional. As tradicionais mordidas estão fora de moda e são consideradas excessivamente dramáticas pelos vampiros. O negócio agora é obter sangue O negativo (o de melhor qualidade, mais raro) do hospital. Mas existe sempre o perigo de se obter sangue contaminado (não é fácil ser vampiro nos tempos da AIDS), algo que faz Adam criticar muito os humanos, chamados por ele de zumbis, que contaminam tudo, desde a água chegando até ao sangue, destroem o meio ambiente e, ainda por cima, não aproveitam as boas oportunidades dadas pelos gênios universais como Newton, Einstein ou Tesla. Vampiros cultos, refinados e com ampla visão de mundo, consequência dos séculos e séculos de existência como mortos vivos. Por amar a boa arte, o filme também tem o mérito de ser altamente cosmopolita, onde podemos ver desde um rock dark e underground de Detroit até a cultura de traços árabes de Tanger. E os vampiros apreciando todas essas manifestações numa boa, sem qualquer preconceito. Só é de se lamentar que a necessidade faça o monge e o casal altamente refinado tenha que voltar a mergulhar na barbárie. Mas chega de tantos spoilers.

Dessa forma, vale muito a pena dar uma conferida nessa nova abordagem em cima dos vampiros nos DVDs ou TVs pagas, pois o filme já saiu de cartaz. “Amantes Eternos” é uma história de amor, mas também é uma história de boa arte, de boa cultura, de bom gosto. Um casal moribundo sem perder a elegância. Um casal sensível. Um casal com tesão em si próprio e pelo sangue. Ah, e que não suporta adolescentes!


Cartaz do filme.


Um casal cheio de estilo.


Um vampiro deprimido.


Uma vampira com uma vasta biblioteca.


Amor por relíquias


Mente aberta a outras culturas.


Mas o tesão de sempre pelo sangue.


Ava, uma vampira adolescente mala.



Ironia da barbárie em meio a tanta sofisticação.