terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Resenha de Filme - Êxodo

Êxodo. Moisés, Um Desafio Cinematográfico Que Se Renova.
Quem gosta de cinema sabe que o personagem bíblico Moíses é um verdadeiro desafio cinematográfico. Cecil B de Mille fez duas versões de “Os Dez Mandamentos”: uma muda, do ano de 1923 e outra falada e colorida, estrelada por Charlton Heston e Yul Brynner, do ano de 1956. Esta última versão, inclusive é um baita filme, de 220 minutos, excelente elenco e com efeitos especiais muito bem elaborados para a época. Com tamanho sucesso, fazer uma nova versão da história de Moisés e do êxodo dos hebreus do Egito à altura é sempre um grande desafio. E Ridley Scott topou. Ele que já fizera interessantes filmes históricos como “Gladiador” e “Cruzada” tenta dessa vez contar a história bíblica do Antigo Testamento por um novo viés. Se na versão de Cecil B. de Mille, a vertente religiosa assume um tom pomposo e até solene, Scott procurou aqui seguir outro caminho. A tábua dos Dez Mandamentos ficou meio de lado, só sendo mencionada mais ao fim da história, e sua confecção foi sem as pirotecnias de de Mille, por exemplo. A versão de Scott mostrou um diálogo curioso entre Moisés e Deus, representado por um menininho com cara de invocado. A coisa era conflituosa, pois Deus queria um general que rebelasse o povo hebreu contra a arrogância dos faraós egípcios, que se sentiam deuses sobre a terra (algo que irritava Deus profundamente). Moisés, por sua vez, torcia o nariz quando Deus criticava as suas atitudes como general, dizendo que, com Moisés atuando segundo suas estratégias, a coisa demoraria muito para funcionar, o que deixava Moisés louco da vida. Deus, então, fala que será melhor para Moisés assistir ao Todo Poderoso agir. E lançam-se as Sete Pragas sobre o Egito, onde vemos a tirania do Deus do Antigo Testamento a todo o vapor, deixando as loucuras de “Noé” no chinelo. Nem Moisés aguentou tantas hecatombes, inconformado com aquela violência divina toda. Coube a nosso profeta apenas advertir o faraó Ramsés da desgraça que se abateria sobre os egípcios: a morte de todos os seus primogênitos, depois que Ramsés ameaçou matar todos os primogênitos hebreus. O encontro de Ramsés e Moisés depois da morte do filho de Ramsés é emblemático. O faraó pergunta ao profeta que Deus é esse que mata os filhos das pessoas. E a única resposta de Moisés é que os filhos dos hebreus não foram mortos. Não foram mortos, diga-se de passagem, pois cordeirinhos tiveram que ser sacrificados para o sangue deles ser espalhado pelas portas e janelas de casas para proteger os filhos primogênitos. E depois ainda falam mal dos sacrifícios de animais dos praticantes de religiões africanas...
A travessia do Mar Vermelho é outro elemento curioso. Moisés irá citar que eles podem aproveitar uma maré baixa, o que poderia ser uma explicação científica da passagem bíblica. Entretanto, a subida da maré se deu de forma altamente pirotécnica, precedida de uma violenta tempestade, e com um caixote homérico de que nem Ramsés e Moisés escaparam, embora tenham sobrevivido ao tubo, algo que pegou muito mal para a coerência do filme.
Quanto ao elenco, tivemos boas participações. Christian Bale como Moisés convence. O mesmo não se pode dizer para Joel Edgerton, que fez um Ramsés um tanto rechonchudo (Yul Brynner era bem mais esguio para o papel). Ben Kingsley, pouco aproveitado. Sigourney Weaver, quase fazendo figuração como a mãe de Ramsés. Quem deu um show foi o ótimo John Turturro, no papel do faraó Seti, com uma interpretação contida e refinada, mostrando toda a versatilidade desse ator ítalo-americano que merecia também um Oscar de melhor ator em sua carreira. Não podemos nos esquecer da pequena, mas muito válida participação de Golshifteh Farahani, que brilhou em “A Pedra de Paciência” nas telas brasileiras este ano e fez Nefertiti, a esposa de Ramsés.

Chegando ao fim destas linhas, vem a pergunta inevitável: “Êxodo” foi melhor ou pior do que “Os Dez Mandamentos”, de 1956? O filme mais antigo foi uma superprodução, teve um baita de um elenco e tomou a história pelo viés mais “oficial”, mais bíblico e religioso, e teve tramas paralelas à história principal, como um envolvimento entre Moisés e Nefertiti. Nosso “Êxodo” teve a virtude de uma visão mais crítica dos castigos divinos, materializada no diálogo tenso entre Deus e Moisés. Mas teve alguns sérios defeitos como subaproveitar bons nomes do elenco escolhido e suprimir algumas passagens bíblicas como a de revolta de Moisés contra o povo hebreu, que passou a adorar uma divindade enquanto as tábuas dos Dez Mandamentos eram confeccionadas. E o fato de Moisés e Ramsés serem os únicos sobreviventes daquele senhor caixote que tomaram também ficou difícil de engolir, ainda mais com aquele monte de figurantes (e cavalos, tadinhos) mortos. Me solidarizo também com os cordeirinhos sacrificados. De qualquer forma, a Bíblia e o Cinema de algum jeito se aproximam, pois ambos contam histórias espetaculares e incríveis. Assim, apesar dos pesares, ainda recomendo uma conferida em “Êxodo”. Mas pedindo, obviamente, toda a licença a Cecil B. de Mille. 


Cartaz do filme.




Dois irmãos e um pai


Moisés. Não sendo filho legítimo, não poderia ser faraó.


Um faraó fofinho


Ben Kingsley subaproveitado


Sigourney Weaver e Ridley Scott. Figuração.


John Turturro arrebentou, como sempre!!!


A bela Golshifteh Farahani (eta nome complicado!) também marcou presença.


Moisés, já como o líder dos hebreus e seu barbão habitual.


Boas cenas de batalha.


Prestes a tomar o caixote...


Versão de de Mille. Efeitos especiais irados para a época...


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