sábado, 31 de maio de 2014

Resenha de Filme - Godzilla.

Godzilla. Desta Vez, Gojira Defende Os Humanos.
Um reboot do lagartixão japonês na área. O novo “Godzilla”, um dos monstros mais tradicionais da cultura japonesa, reaparece em Hollywood, depois de pegar carona nos “Jurassic Parks” da vida de anos atrás. Mas, é aquela velha história: novos tempos, novas questões. E o nosso gigantesco dinossauro também transitará pelas inquietações mais contemporâneas.
O filme começa com um pesquisador japonês, o doutor Serizawa (interpretado por Ken Watanabe, muito lembrado por sua participação em “O Último Samurai”, com Tom Cruise), sendo chamado para investigar um gigantesco buraco que cedeu numa mina. Lá, ele encontrou o fóssil de um gigantesco dinossauro, mas também uma espécie de casulo aberto, de onde fugiu uma gigantesca criatura. Vamos, então, ao Japão de 1999, onde uma família americana que trabalha numa usina nuclear passará por um acidente que destruirá a usina e matará a esposa, Sandra Brody (interpretada por Juliette Binoche, sim ela está no filme!!!). A alegação de que foi um terremoto não convenceu Joe Brody (interpretado por Bryan Cranston), que ficou no Japão para investigar os detalhes do acidente. Quinze anos depois, seu filho Ford (interpretado por Aaron Taylor Johnson), um militar perito em desarmar bombas, vai ao Japão livrar o pai da enrascada de estar preso por ter invadido seu antigo lar na zona radioativa e proibida. Numa nova incursão à zona proibida, pai e filho descobrem o verdadeiro motivo do acidente que vitimou a mãe. A criaturinha que fugiu do casulo ao início do filme se instalou na usina, pois se alimenta de radiação. E ficou hibernando por quinze anos. Os cientistas não a mataram porque queriam estudá-la. E aí o bichão cresceu, cresceu e saiu destruindo tudo pela frente, matando também o papai Brody. O problema é que a criatura queria copular com outra que estava num depósito de lixo radiotativo nos Estados Unidos. A esta altura, o leitor pode perguntar: e o Godzilla, onde está? Ele aparecerá depois de ter sobrevivido a vários ataques nucleares dos Estados Unidos na década de 1950 (pois é, aqueles testes nucleares todos eram para matar o Godzilla, mas não deram certo, pois na época dos dinossauros, a Terra era supostamente mais radioativa). E o objetivo principal do monstro será evitar a cópula dos outros dois monstrinhos, se caracterizando no maior empatador de foda da História. Tudo isso com um suposto motivo de restaurar um equilíbrio ecológico, já que os monstrões se alimentam de radiação e causam blecautes nas cidades que passam, antes de destruí-las totalmente (Honolulu, Las Vegas e São Francisco que o digam). Assim, os humanos ficam meio que à mercê dos bichões, que parecem mais um louva-a-deus com cabeça de lagarto (sendo que um deles até voa!), contra um Godzilla bípede que solta raios iradíssimos da boca. Houve até uma tentativa de destruir as criaturas com uma ogiva nuclear que teve que ser retirada às pressas da cidade, pois nosso desarmador de bombas nem teve competência para parar sua contagem regressiva.
O filme não empolga, pois os protagonistas humanos não conseguem fazer muito ante ao poder descomunal dos bichões que quebram o pau sem dó nem piedade. Mas o filme tem alguns elementos interessantes, como as alusões a terremotos e tsunamis que assolaram a Ásia e o Japão nos últimos anos, com direito inclusive a acidentes em usinas nucleares. E o elemento mais interessante foi colocar o Godzilla como o mocinho da história, inventando outros dois animaizinhos muito feios para serem seus inimigos. De resto, filme de monstro japonês com efeito especial americano. Só senti falta do Ultraseven ou Ultraman com sua pilha fraca no peito...



Cartaz do filme. Gojira de raios irados.


GOJIRA!!!!!!!


Um mocinho todo perdido.


Dinossauro nadando...


Hecatombes atômicas


Ken Watanabe, um dos poucos atores de prestígio...


junto com a sempre competente Juliette Binoche...

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Resenha de Filme - O Olho Nu

O Olho Nu. A Trajetória Do Inrotulável.
Bom documentário brasileiro nas salas. “O Olho Nu”, de Joel Pizzini, fala sobre a trajetória de Ney Matogrosso, artista de nossa música que é impossível encaixar em qualquer classificação. Toda a sua versatilidade aparece em detalhes nos 104 minutos de filme, narrados pelo próprio cantor.
Tudo está exposto ali. Sua infância em Mato Grosso, as lembranças do relacionamento com o pai, que era militar, que tinha tudo para dar errado (e deu errado por um período, quando ele saiu de casa aos dezessete anos) mas que, depois, se resultou numa aceitação por parte do pai da carreira artística e estilo andrógino do filho (vemos um divertido depoimento do pai, dizendo que estranhava as performances do filho, pois não aceitava ver “homem rebolando”, mas que depois “aderiu”), suas viagens pelo Brasil, em virtude da profissão do pai, seus tempos em Brasília, o primeiro emprego (preparador de lâminas para biópsias), seus tempos na aeronáutica, onde descobriu que homossexualismo não era fazer uma imitação caricata de mulher, e muitos outros detalhes interessantes de sua vida. Cabe aqui fazer uma ênfase especial aos tempos da ditadura militar, onde, em seus vídeos, ele encarava o espectador, com o intuito de se comunicar com ele, já que era proibido se manifestar pela fala, nem olhar para a câmara. Mas Ney Matogrosso encarava a câmara em tom altamente desafiador. Os tempos de Secos e Molhados também são muito marcantes, onde talvez ele tenha chegado ao auge de sua exuberância, embora seja muito difícil mapear isso em sua carreira, altamente criativa nas suas performances, com vestuários sempre muito inéditos e números de dança inovadores. Tudo isso numa época de forte censura e repressão (tinha que ser muito homem para fazer aquilo tudo). Seu ecletismo também é fundamental para seu estilo camaleônico, onde sua voz de contralto se manifesta com desenvoltura em músicas que vão de um sertanejo tradicional, passando pela MPB de um passado distante até tempos mais modernos e indo até a exaltação de ritmos latinos.
Um grande trunfo do documentário é que, como dito acima, ele é todo narrado pelo próprio Ney, assumindo um tom altamente autobiográfico, onde o espectador se torna íntimo do cantor ao longo da projeção. Muito curioso, também, é presenciarmos Ney vendo suas imagens de arquivo, onde ele discorda de seus próprios pensamentos de vários anos atrás, numa mostra de como a cabeça do cantor foi se transformando ao longo do tempo.  

Assim, o documentário “O Olho Nu” nos dá a oportunidade de perceber, depois de vários anos, a importância desse grande artista para a cultura brasileira, onde seu espirito livre e transgressor gerou verdadeiras explosões de criatividade, que atraíam outros gênios da música brasileira, como um Caetano Veloso, um Chico Buarque, um Arthur Moreira Lima, um Paulo Moura, um Tom Jobim e um Rafael Rabelo (quanta saudade dos que já foram e eram tão sensacionais como Rafael Rabelo e Paulo Moura, sem falar do Jobim, que sempre faz falta...). Para o amante da música brasileira de qualidade, é um documentário imperdível, que deve fazer parte da videoteca de qualquer fissurado em MPB e também de qualquer pessoa que se julgue cinéfila.

 Cartaz do filme


Explosão de criatividade no figurino.


Uma força da natureza.


Peitando a ditadura com olhar fixo ao espectador.


Secos e Molhados. Transgressão total!!!!


Com artistas consagrados da MPB, como Ângela Maria.


Coletiva de Imprensa.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Resenha de Filme - Yo Yo

Yo Yo. A Magia Do Cinema Se Alia à Magia Do Circo.
Respeitável público! Bem que se poderia começar essa resenha assim. O delicioso filme “Yo Yo” é uma terna homenagem a duas formas de arte que, volta e meia, se encontram: o cinema e o circo. A conciliação dessas duas manifestações artísticas é muito bem orquestrada aqui pelo realizador do filme, Pierre Etaix.
Vemos aqui a história de um multimilionário em 1925, que leva uma vida cheia de mordomias, cercada por criados que fazem tudo para ele. Cabe dizer que, como o filme neste momento se passa na década de 1920, ele é mudo, e o uso da sonoplastia de portas abrindo e fechando de forma acintosa e satírica dá muita graça a este momento do filme. Apesar da vida cheia de luxos e confortos, o milionário tem algo para sofrer. Uma antiga namorada que desapareceu pelo mundo. Um belo dia, um circo passa por sua porta e ele pede uma apresentação particular, onde  redescobre sua antiga amada que tem um filho seu. Com o fim da década de 1920, vem o som no filme e a Grande Depressão, onde milionários falidos se jogavam pelas janelas e você não podia nem andar direito pela calçada sem tomar com um falido na cabeça. Nosso milionário também caiu em desgraça, não tendo nem uma cadeira para subir para se enforcar. Com isso, ele junta seus trapinhos com a antiga amada e faz junto com ela uma trupe mambembe, não sem também levar o filho, que já se vestia de palhacinho. Os anos foram passando e o menino cresceu, tomando um caminho diferente dos pais, tornando-se o grande palhaço Yo Yo. Cabe dizer aqui que tanto o milionário como o menino na fase adulta são interpretados por Etaix. Mas esse talentoso ator fez outros papéis ao longo da história, que é cheia de gags engraçadíssimas, como o redator de gags atrapalhado que não consegue escrever gags mas se atrapalha com seus objetos, ele mesmo fazendo inúmeras gags. Ou então sua interpretação de Hitler que se torna um Carlitos. Não devemos nos esquecer também da cena non sense do soldado no campo de batalha da Segunda Guerra Mundial, que corre por um campo atento ao que parecem tiros, mas na verdade ele está de olho numa bola de futebol que vai em direção ao gol, tentando defendê-la.
Nosso herói passa por inúmeros percalços, mas consegue construir uma carreira de sucesso e até recuperar a mansão do pai, além de iniciar um affair com Isolina, uma amiga de infância e trapezista. Ele se torna um grande ator de TV, levando sua carreira de forma altamente capitalista, esquecendo-se de toda a magia do circo. Numa festa na antiga mansão do pai, Isolina traz seus pais para falarem com ele, mas se recusam a entrar, num claro gesto de reprovação dos rumos altamente voltados para o lucro que seu filho tomou. Yo Yo entende o recado e sai da festa nas costas de um elefante, entrando numa lagoa cuja imagem se funde com a de um picadeiro, dando um desfecho altamente digno para um filme com um humor que muito lembra os besteiróis televisivos da década de 1980. Bom, como o filme é mais antigo (1965), fica fácil saber quem imitou quem.

Dessa forma, “Yo Yo” é uma pequena obra prima do cinema francês que deve sempre ser celebrada, por se tratar de uma comédia muito bem feita, ser muito engraçada e nos dar a certeza de que estamos diante de uma grande produção.

 Cartaz do Filme


Um milionário de vida muito confortável.


Mas que sofria pela ausência da amada.


 Um filho palhacinho.


Mãe e filho, que sairão em trupe com o pai após a depressão.


Yo Yo, já na fase adulta.


Gag. Amor em tempos de guerra.


Gag. Revolução socialista com direito a todos os Marx (inclusive Groucho).


Etaix como Hitler. Muito talento.


Yo Yo e Isolina.


Etaix e seu elefantinho.


O diretor Etaix em ação.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Resenha de Filme - Meu Tio

Meu Tio. Deliciosa Obra Prima.
Já fazia muito tempo que eu não via “Meu Tio”, de Jacques Tati. O inesquecível personagem sr. Hulot foi um dos maiores da história do cinema. Tive a oportunidade de rever esse filme recentemente no Maison de France. E, realmente valeu muito a pena tal experiência.
O filme é uma obra prima em todos os sentidos. Vemos uma história muito engraçada onde o embate tradição X modernidade aparece mais uma vez, com deliciosos tons de cinema mudo. Mas não é somente isso. O som também é usado de forma significativa e magistral. Vamos fazer uma humilde análise desse grande filme.
Aqui, o sr Hulot (o próprio Jacques Tati) é tio de um garoto de uma família burguesa cujo pai trabalha numa empresa de materiais plásticos altamente moderna. Sua casa também é um símbolo de futurismo, onde tudo funciona de forma automática e o design do jardim, dos móveis e dos interiores parece muito moderno até para nós. O menino leva uma vida altamente enfadonha dentro da casa e da escola, divertindo-se na rua com seus colegas em travessuras que simulam pequenos acidentes de automóveis e fazem as pessoas baterem de cara em postes. Já os pais levam uma vida totalmente asséptica e fútil, assim como toda a classe média alta que interage com eles, vestida de forma extremamente extravagante. Essa burguesia representa o pólo moderno do filme. Já o pólo da tradição está nas ruas, com muitos cachorrinhos desfilando por aí e personagens altamente prosaicos como o próprio sr. Hulot, mas também feirantes, varredores de ruas, pintores de paredes, donos de bar, morando em prédios antigos, num bairrozinho que nos remete a uma cidade de interior, cujo fundo musical característico nos leva a um misto de alegria, simplicidade e nostalgia.
E o sr. Hulot? Esse é um personagem sensacional. Ele é um personagem mudo! Não diz uma palavra sequer e nos faz rir com gags visuais que nada ficam a dever a mestres como Buster Keaton ou Charles Chaplin. A cena em que ele vai para o seu apartamento no último andar de um prédio antigo, onde ele passa por várias janelas e portas, é magistral! Ao ir para a casa ultramoderna do sobrinho, todo o estranhamento na cozinha cheia de aparatos tecnológicos e até o caminhar aleatório pelo piso de pedras do jardim, além de inúmeras situações ao longo da história, dão para a gente a sensação de que voltamos ao melhor do cinema silencioso. Essa é uma grande sacação do mestre e o melhor que seus filmes têm.
Mas, para não ficar taxado de imitador do cinema mudo, Tati também sabe usar com maestria o som. Quando o cunhado do sr. Hulot liga para o mesmo, que está no bairro antigo, escutamos o fundo musical típico do bairro ao fundo do som do telefone. Numa ida do mesmo cunhado ao bairro antigo, um velhinho o ajuda a manobrar e estacionar na vaga, andando vagarosamente para lá e para cá a cada manobra, com um corte abrupto na música de fundo, que provoca um efeito sonoro muito engraçado e sincronizado com o que vemos na imagem. Não podemos nos esquecer também da festa que é promovida na casa futurista com o objetivo de tentar casar o sr. Hulot com a vizinha altamente exótica. Nosso protagonista fala baixinho piadas no ouvido de uma das convidadas, que dá estridentes risadas, altamente inconvenientes para aquele ambiente burguês.
Decididamente, no embate tradição X modernidade visto no filme, Tati veste a camisa da tradição, retratando a vida urbana de bairro como algo bem positivo, onde há uma interação e harmonia entre os membros da cidade, até quando há uma briguinha ou outra. A única crítica à tradição está no vendedor de sonhos, que confecciona o doce na rua com mãos imundas.  Já o ambiente moderno da casa soa muito estranho e as relações humanas são altamente artificiais e assépticas. E a parafernália tecnológica parece às vezes muito fútil, onde vemos máquinas que abrem portas de armários ou viram bifes na frigideira. De qualquer forma, Tati nos mostra que a tradição perde a luta para o moderno, principalmente quando presenciamos cenas de demolição de prédios no bairro antigo.

Após essa rápida discussão, podemos perceber como “Meu Tio” trabalha muitos elementos de grande interesse, tornando-se uma obra prima e, simultaneamente, uma comédia que nos entretém muito. Tudo na medida certa. Um filme que deve constar na videoteca de qualquer cinéfilo que se preze.


Cartaz do filme. Hulot, crianças e cachorrinhos. Para que mais?



Sr. Hulot (com seu inseparável cachimbo) e sobrinho.


Uma casa moderna demais.


Sr. Hulot, ícone da tradição, embananado com a parafernália tecnológica da cozinha.


Sequência magistral. Para chegar lá em cima, o sr. Hulot passou por várias janelas e portas.


Bairro da cidade. Vida prosaica de interior.


Pegadas. Deliciosa gag visual. Parece, mas não é.


Ambiente ultramoderno. Estranhamento.


 Pisando nas pedras do jardim. Cena engraçadíssima.

Casal preso na garagem. Reféns da própria tecnologia.

domingo, 25 de maio de 2014

Resenha de Filme - Florbela

Florbela. Torrentes De Tristezas E Tragédias.
Uma mulher a frente de seu tempo. O maldito branco na hora de escrever. Um rosário de tristezas, mágoas e tragédias, entremeado por breves momentos de alegria e prazer. Pronto. Estão descritas as ideias principais do bom filme “Florbela”, de Vicente Alves do Ó, sobre a escritora portuguesa Florbela Espanca e sua atribuladíssima vida, que parece sempre estar no meio das mais negras tempestades.
O filme começa com a nossa personagem principal (interpretada por Dalila Carmo) numa tórrida cena de sexo seguida por uma violenta agressão que ela sofre. Logo descobrimos que ela trai o marido e o abandona, deixando o cônjuge aos prantos e entregue ao desespero. As lágrimas silenciosas da moça denunciam o seu remorso. Ela começa uma nova vida com o seu ex-amante e agora esposo Mário Lage (interpretado por Albano Jerônimo). Entretanto, o caráter altamente liberal de Florbela, muito à frente de seu tempo (a escritora era contemporânea da década de 1920), lhe trará os mesmos problemas com o seu novo marido. Ao saber que seu irmão Apeles (interpretado por Ivo Canelas) a espera, ela faz uma viagem para outra cidade ao encontro dele, deixando o marido sozinho em casa, algo inimaginável para a época. Quando ela encontra o seu irmão, percebemos duas coisas: que ele é aviador e que existe um vínculo muito forte entre os dois. As conversas entre os irmãos também revelam outros detalhes da trama: a escolha de vida dos dois é repudiada pelo pai, que não os reconhece como filhos; a moça está com pouca vontade de escrever (depois ficamos sabendo que ela está com uma tremenda crise criativa); e as divagações lusitanas sobre a amargura e a tristeza estão mais firmes do que nunca. O filme mostra também duas pérolas de pensamento na conversa dos irmãos, algo que soa mais ou menos assim: “viver é não ter a percepção de que se está vivendo” e “a dor que a saudade dos mortos nos provoca tem que doer mesmo, pois assim percebemos que estamos vivos”. Belos pensamentos sobre a vida e a morte.
O estilo avançado e despojado de Florbela lhe traz mais aborrecimentos do que alegrias e ela conclui que não sabe viver, pois não se enquadra nos valores de sua época. Muito sofrimento ela acaba trazendo para o seu marido, que a persegue, despertando a revolta da esposa. Mas uma conversa entre Mário e Apeles fará com que o cônjuge adote uma postura mais liberal com a moça, o que faz o casamento perdurar, mesmo que aos trancos e barrancos.
Outros dramas pessoais permeiam o filme: o complexo de inferioridade de Florbela com seus poemas, uma agressão sofrida por ela durante uma manifestação de rua, a morte da namorada do irmão, o desespero de Florbela em ver o irmão seguir a perigosa carreira de aviador, o que vai acarretar na perda de uma criança que ela espera, a previsível morte do irmão num acidente aéreo, que leva Florbela ao desespero total. Enfim, uma série de pancadas que a vida deu na moça. E qual será o lugar onde ela buscará refúgio? Justamente na casa dos pais, onde seu pai a trata friamente por causa de seus divórcios. Mas ir à casa dos pais pareceu algo premeditado, pois ela tentou o suicídio, atirando-se ao poço e foi salva pelo pai, que aparentemente se reconcilia com a nossa poeta. Ela retornará a casa do marido que, a essa altura, já a queria ver pelas costas. A moça ainda consegue voltar a escrever, mas vive somente mais três anos até morrer de tristeza, no dia de seu aniversário de trinta e seis anos. Somente depois de sua morte, o pai reconhecerá Florbela e Apeles como filhos.

Ufa, que história pesada! E real. A gente até sabe que nossa vida é feita de altos e baixos, mas parece que algumas pessoas têm a vocação para a tragédia, o que é o caso de nossa Florbela aqui. Após ver um filme como esse, a gente sai do cinema frustrado, pois presenciamos toda aquela dor sem poder fazer nada, e só podemos assistir a um rosário de sofrimentos que atira nossos personagens para o cadafalso. E, vivenciamos atônitos e impotentes, as dores reais de vidas já passadas e esquecidas. Valem as palavras de Florbela Espanca ao fim do filme: “Nossos mortos só morrem com a gente, mas eu não queria morrer com meus mortos”. Ou seja, nossos entes queridos falecidos estarão sempre vivos enquanto nos lembrarmos deles, mas carregar a dor da saudade é uma experiência que pode ser insuportável. É um filme que nos faz pensar, que nos ajuda a reencarar a vida e seus percalços. Carregamos seus personagens reais em nossos corações. 



Cartaz do filme.


Uma poeta elegante e a frente de seu tempo.



Crises criativas.


 Taras e sofrimentos.


Apeles, o irmão querido.


Inseparáveis, na alegria e no desespero.


Irmão que aconselha marido.


Últimos anos. Escrevendo com dores acumuladas.


A verdadeira Florbela Espanca.

sábado, 24 de maio de 2014

Resenha de Filme - A Última Sessão

A Última Sessão. Cinefilia Macabra.
Junte o amor pelo cinema com a violência de um serial killer e você terá o filme “A Última Sessão” (Dernière Séance, de 2011), de Laurent Achard. Esse filme francês é uma película curiosa, pois consegue promover a interação de sentimentos e elementos muito díspares.
Vemos aqui a história do operador de cinema Sylvain (interpretado por Pascal Cervo), cuja salinha do bairro está à beira de ser fechada por não ser muito rentável. Enquanto as sessões de cinema acontecem, nosso protagonista é um pacato amigo da vizinhança, que exibe os velhos e repetidos filmes para todos mas, após a última sessão, ele sai às ruas e procura mulheres cujos brincos lhe chamam a atenção e ele as mata impiedosamente com sua faca, arrancado posteriormente as orelhas de suas vítimas com brincos e tudo. No quartinho onde mora dentro do cinema, ele tem fotos de atrizes do cinema afixadas na parede, onde ele vai anexando as orelhas com brincos que ele arruma na rua. Mas a foto enigmática de uma mulher ocupa uma posição central no quarto. O mundinho macabro de Sylvain está ameaçado pela venda do cinema pelo seu dono, que não consegue mais lucrar com a sala. Outro elemento que irá agitar a vida de nosso protagonista é o dia em que ele encontrará uma espectadora dormindo na sala vermelha (cor muito sugestiva para o contexto, por sinal!) pela qual se apaixona e que é uma atriz de teatro iniciante. Inexplicavelmente o operador poupa a atriz novata enquanto promove sua carnificina particular com outras vítimas. Após mais um assassinato, temos um flash back e entendemos a neura toda de Sylvain: sua mãe, que é a mulher misteriosa da foto, o forçou a ser artista, ensaiando exaustivamente uma cena com ele em que havia uma briga de mãe e filho, com o filho arrancando o brinco da mãe. Ela era cinéfila e tinha várias fotos de atores e atrizes pela casa, dizendo ao filho que ele seria tão famoso quanto todas aquelas estrelas. Mas o teste para tornar o menino ator falhou, para desespero da mãe, que se suicida na frente do filho com uma facada. Isso tornou o garoto o terrível serial killer que conhecemos e que não encontrava um par de orelhas com brincos adequados para a foto da mãe por mais mulheres que ele matasse. E ele matou um monte de gente. Prostitutas, líderes de torcida, taxistas, o dono de seu cinema e a mulher que queria compra-lo. Só não matava a atrizinha com cara de boba. Mas o desfecho será trágico. Após uma noite de amor com a mocinha com quem se apaixonou, ele vai encontrar dentro de seu pequeno templo de orelhas o dono do cinema, estarrecido com aquela nefasta visão e o mata. Quando a namoradinha flagra o corpo do homem morto, totalmente ensanguentado, o operador a surpreende e, quando pensamos que ela será totalmente retalhada, nosso protagonista golpeia sua própria barriga com a faca. Moribundo, ele coloca um can-can francês na telona e sucumbe diante do glamour do star system, totalmente coberto de sengue. Decididamente, uma forma muito peculiar de demonstrar sua paixão pela sétima arte.

De qualquer forma, “A Última Sessão” é um filme bem interessante por trabalhar o suspense e o terror associados a cinefilia e os cinemas de bairro. Até nas poças de sangue a coisa é intelectualizada quando se trata de cinema francês.

 Cartaz do Filme


Sala de cinema vermelho sangue.


Banho de sangue!!!


Mãe zureta pirou o menininho...

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Resenha de Filme - Getúlio

Getúlio. Mais Fatos, Menos Historiografias.
Saiu mais um bom filme brasileiro. O longa “Getúlio” tem como objetivo principal contar os últimos dias do presidente Vargas no poder até o seu suicídio em 24 de agosto de 1954. Esse filme, dirigido por João Jardim e produzido por Carla Camurati, faz um interessante resgate daqueles dias de muita turbulência no Brasil e em sua política.
O filme começa com o atentado contra o mais ferrenho opositor de Vargas, o jornalista Carlos Lacerda na rua Tonelero, a mando de Gregório Fortunato (interpretado por Thiago Justino), chefe da guarda de Vargas que resultou na morte do segurança pessoal de Lacerda, o major da Aeronáutica Rubem Vaz. Aqui, o filme buscou “lavar as mãos”, pois, no atentado, Lacerda (interpretado por Alexandre Borges, aliás uma ótima interpretação!) teria sido atingido no pé e não vemos qualquer tiro sendo tomado pelo jornalista. Especula-se que o próprio Lacerda tenha atirado contra o seu pé, aproveitando a morte do major para colocar toda a culpa do crime em cima de Vargas. Rubem Vaz foi morto com um tiro de uma pistola 45, que teria estraçalhado o pé de Lacerda, se ele fosse atingido por essa arma. O jornalista também teria se recusado a entregar sua arma para a polícia. Assim, o filme tomou a postura responsável de não mostrar como Lacerda foi ferido, mas somente o ferimento em si, lançando as especulações aqui citadas no ar, tal como elas são lançadas até hoje. Após o atentado, vemos toda a ferocidade de Lacerda, já condenando Vargas pelo atentado e exigindo a sua renúncia.
O filme tem toda uma preocupação didática de contar detalhadamente as investigações e identificar, com legendas, os personagens históricos que participaram de todo o processo, dando boa legitimidade histórica ao filme no ponto de vista factual. As intrigas militares são também muito bem assinaladas, exibindo os conflitos entre os ministros da Aeronáutica e da Guerra, assim como o complô militar para derrubar Vargas, onde a palavra deposição era utilizada com desenvoltura e até “legitimada democraticamente” nos discursos do líder da oposição Afonso Arinos. Militares esses que já haviam derrubado Vargas em 1945, como é dito pelo próprio presidente no início do filme (interpretado por um parrudo Tony Ramos). Aliás, esse monólogo introdutório é importante como elemento de contextualização da situação em 1954. Enfim, vemos uma preocupação muito interessante com a parte factual da história e com uma descrição bem didática dos fatos. A interpretação desses fatos apresentou elementos interessantes como mencionar que os grupos políticos anti-Getúlio em 1954 foram os mesmos grupos que defenderam o golpe de 1964. E, para botar um ponto final com relação ao debate historiográfico, foi colocada uma frase de Vargas onde ele disse que prefere ser interpretado a falar dele mesmo. Toda essa preocupação com a leitura histórica no filme deve ser consequência do fato de que todo filme que aborda temas históricos é, na maioria das vezes, criticado por historiadores. A própria Carla Camurati produtora executiva de Getúlio, já fora muito espinafrada em seu filme “Carlota Joaquina, Princeza do Brazil” por usar uma referência historiográfica um pouco antiga e lusófoba. Desta vez em “Getúlio”, vemos um filme mais factual e mais “historiograficamente neutro”, onde é deixado para o público as suas próprias tomadas de conclusões sobre as interpretações dos fatos. Vemos isso tanto no atentado de Lacerda quanto na citação de Vargas ao final do filme. Mas isso não significa que não haja um posicionamento na trama. Há uma radiografia da conspiração militar, embora não tenha mencionado muito a oposição do empresariado e as pressões do capital estrangeiro contra a política de nacionalização. Na história, vemos uma oposição civil mais calcada nas figuras individuais de Lacerda e Arinos. O detalhe a se lamentar foi a expressão de Lacerda de resignação ao saber do suicídio de Vargas. Aquilo pareceu bastante falso. Tanto que, reza a lenda que, ao saber do suicídio de Vargas, Lacerda teria dito: “Filho da Puta, ele nos venceu de novo!”.
E os elementos cinematográficos? O filme tem duas grandes virtudes principais. Em primeiro lugar, a caracterização da época, com boas escolhas de locações, onde imagens do Museu da República e da Assembleia Legislativa foram utilizadas, dando boa legitimidade às cenas, isso sem falar do uso de automóveis da época, muito bem conservados, criando um aspecto de elegância às imagens, elegância essa também presente em um ótimo figurino. Ou seja, numa só frase, a reconstituição de época estava muito boa. Mas talvez o elemento mais marcante tenha sido a escolha do elenco. À exceção de Vargas (justamente ele!), os outros atores estavam muito bem caracterizados! Houve realmente uma preocupação muito grande em deixar os atores muito parecidos com os personagens históricos. Tanto que, nos créditos finais, temos imagens dos atores colocadas ao lado de fotos dos personagens reais, numa mostra de que o trabalho de caracterização foi muito eficiente. Só foi uma pena isso não ter acontecido com Varges e com Fortunato. Um último elemento cinematográfico interessante foi em cima do personagem de Vargas, onde seus pesadelos provocados pelo medo do golpe e da prisão desmontavam a figura de estadista e ditador, humanizando-o um pouco. Sua opção pela via democrática em seu segundo mandato também fica clara no filme, não usando a solução ditatorial e da força até talvez por falta de opção.

Resumindo, podemos dizer que “Getúlio” é um bom filme por lidar com habilidade com um tema histórico, sempre tão espinhoso para o cinema (embora sempre devamos nos lembrar que a arte cinematográfica não tem qualquer compromisso com o que se considera verdade ou uma determinada leitura do passado) e de possuir elementos cinematográficos dignos de uma obra bem feita e cuidadosamente planejada.


Cartaz do Filme


Apesar do barrigão, Tony Ramos não se parecia com Vargas.


Mas foi muito boa a caracterização da época.


Carrões antigos também foram estrelas.


 Alexandre Borges, um excelente Lacerda.


Drica Moraes também arrebentou como a filha de Vargas.


 Na cena do suicídio.