sexta-feira, 30 de maio de 2014

Resenha de Filme - O Olho Nu

O Olho Nu. A Trajetória Do Inrotulável.
Bom documentário brasileiro nas salas. “O Olho Nu”, de Joel Pizzini, fala sobre a trajetória de Ney Matogrosso, artista de nossa música que é impossível encaixar em qualquer classificação. Toda a sua versatilidade aparece em detalhes nos 104 minutos de filme, narrados pelo próprio cantor.
Tudo está exposto ali. Sua infância em Mato Grosso, as lembranças do relacionamento com o pai, que era militar, que tinha tudo para dar errado (e deu errado por um período, quando ele saiu de casa aos dezessete anos) mas que, depois, se resultou numa aceitação por parte do pai da carreira artística e estilo andrógino do filho (vemos um divertido depoimento do pai, dizendo que estranhava as performances do filho, pois não aceitava ver “homem rebolando”, mas que depois “aderiu”), suas viagens pelo Brasil, em virtude da profissão do pai, seus tempos em Brasília, o primeiro emprego (preparador de lâminas para biópsias), seus tempos na aeronáutica, onde descobriu que homossexualismo não era fazer uma imitação caricata de mulher, e muitos outros detalhes interessantes de sua vida. Cabe aqui fazer uma ênfase especial aos tempos da ditadura militar, onde, em seus vídeos, ele encarava o espectador, com o intuito de se comunicar com ele, já que era proibido se manifestar pela fala, nem olhar para a câmara. Mas Ney Matogrosso encarava a câmara em tom altamente desafiador. Os tempos de Secos e Molhados também são muito marcantes, onde talvez ele tenha chegado ao auge de sua exuberância, embora seja muito difícil mapear isso em sua carreira, altamente criativa nas suas performances, com vestuários sempre muito inéditos e números de dança inovadores. Tudo isso numa época de forte censura e repressão (tinha que ser muito homem para fazer aquilo tudo). Seu ecletismo também é fundamental para seu estilo camaleônico, onde sua voz de contralto se manifesta com desenvoltura em músicas que vão de um sertanejo tradicional, passando pela MPB de um passado distante até tempos mais modernos e indo até a exaltação de ritmos latinos.
Um grande trunfo do documentário é que, como dito acima, ele é todo narrado pelo próprio Ney, assumindo um tom altamente autobiográfico, onde o espectador se torna íntimo do cantor ao longo da projeção. Muito curioso, também, é presenciarmos Ney vendo suas imagens de arquivo, onde ele discorda de seus próprios pensamentos de vários anos atrás, numa mostra de como a cabeça do cantor foi se transformando ao longo do tempo.  

Assim, o documentário “O Olho Nu” nos dá a oportunidade de perceber, depois de vários anos, a importância desse grande artista para a cultura brasileira, onde seu espirito livre e transgressor gerou verdadeiras explosões de criatividade, que atraíam outros gênios da música brasileira, como um Caetano Veloso, um Chico Buarque, um Arthur Moreira Lima, um Paulo Moura, um Tom Jobim e um Rafael Rabelo (quanta saudade dos que já foram e eram tão sensacionais como Rafael Rabelo e Paulo Moura, sem falar do Jobim, que sempre faz falta...). Para o amante da música brasileira de qualidade, é um documentário imperdível, que deve fazer parte da videoteca de qualquer fissurado em MPB e também de qualquer pessoa que se julgue cinéfila.

 Cartaz do filme


Explosão de criatividade no figurino.


Uma força da natureza.


Peitando a ditadura com olhar fixo ao espectador.


Secos e Molhados. Transgressão total!!!!


Com artistas consagrados da MPB, como Ângela Maria.


Coletiva de Imprensa.

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