segunda-feira, 26 de maio de 2014

Resenha de Filme - Meu Tio

Meu Tio. Deliciosa Obra Prima.
Já fazia muito tempo que eu não via “Meu Tio”, de Jacques Tati. O inesquecível personagem sr. Hulot foi um dos maiores da história do cinema. Tive a oportunidade de rever esse filme recentemente no Maison de France. E, realmente valeu muito a pena tal experiência.
O filme é uma obra prima em todos os sentidos. Vemos uma história muito engraçada onde o embate tradição X modernidade aparece mais uma vez, com deliciosos tons de cinema mudo. Mas não é somente isso. O som também é usado de forma significativa e magistral. Vamos fazer uma humilde análise desse grande filme.
Aqui, o sr Hulot (o próprio Jacques Tati) é tio de um garoto de uma família burguesa cujo pai trabalha numa empresa de materiais plásticos altamente moderna. Sua casa também é um símbolo de futurismo, onde tudo funciona de forma automática e o design do jardim, dos móveis e dos interiores parece muito moderno até para nós. O menino leva uma vida altamente enfadonha dentro da casa e da escola, divertindo-se na rua com seus colegas em travessuras que simulam pequenos acidentes de automóveis e fazem as pessoas baterem de cara em postes. Já os pais levam uma vida totalmente asséptica e fútil, assim como toda a classe média alta que interage com eles, vestida de forma extremamente extravagante. Essa burguesia representa o pólo moderno do filme. Já o pólo da tradição está nas ruas, com muitos cachorrinhos desfilando por aí e personagens altamente prosaicos como o próprio sr. Hulot, mas também feirantes, varredores de ruas, pintores de paredes, donos de bar, morando em prédios antigos, num bairrozinho que nos remete a uma cidade de interior, cujo fundo musical característico nos leva a um misto de alegria, simplicidade e nostalgia.
E o sr. Hulot? Esse é um personagem sensacional. Ele é um personagem mudo! Não diz uma palavra sequer e nos faz rir com gags visuais que nada ficam a dever a mestres como Buster Keaton ou Charles Chaplin. A cena em que ele vai para o seu apartamento no último andar de um prédio antigo, onde ele passa por várias janelas e portas, é magistral! Ao ir para a casa ultramoderna do sobrinho, todo o estranhamento na cozinha cheia de aparatos tecnológicos e até o caminhar aleatório pelo piso de pedras do jardim, além de inúmeras situações ao longo da história, dão para a gente a sensação de que voltamos ao melhor do cinema silencioso. Essa é uma grande sacação do mestre e o melhor que seus filmes têm.
Mas, para não ficar taxado de imitador do cinema mudo, Tati também sabe usar com maestria o som. Quando o cunhado do sr. Hulot liga para o mesmo, que está no bairro antigo, escutamos o fundo musical típico do bairro ao fundo do som do telefone. Numa ida do mesmo cunhado ao bairro antigo, um velhinho o ajuda a manobrar e estacionar na vaga, andando vagarosamente para lá e para cá a cada manobra, com um corte abrupto na música de fundo, que provoca um efeito sonoro muito engraçado e sincronizado com o que vemos na imagem. Não podemos nos esquecer também da festa que é promovida na casa futurista com o objetivo de tentar casar o sr. Hulot com a vizinha altamente exótica. Nosso protagonista fala baixinho piadas no ouvido de uma das convidadas, que dá estridentes risadas, altamente inconvenientes para aquele ambiente burguês.
Decididamente, no embate tradição X modernidade visto no filme, Tati veste a camisa da tradição, retratando a vida urbana de bairro como algo bem positivo, onde há uma interação e harmonia entre os membros da cidade, até quando há uma briguinha ou outra. A única crítica à tradição está no vendedor de sonhos, que confecciona o doce na rua com mãos imundas.  Já o ambiente moderno da casa soa muito estranho e as relações humanas são altamente artificiais e assépticas. E a parafernália tecnológica parece às vezes muito fútil, onde vemos máquinas que abrem portas de armários ou viram bifes na frigideira. De qualquer forma, Tati nos mostra que a tradição perde a luta para o moderno, principalmente quando presenciamos cenas de demolição de prédios no bairro antigo.

Após essa rápida discussão, podemos perceber como “Meu Tio” trabalha muitos elementos de grande interesse, tornando-se uma obra prima e, simultaneamente, uma comédia que nos entretém muito. Tudo na medida certa. Um filme que deve constar na videoteca de qualquer cinéfilo que se preze.


Cartaz do filme. Hulot, crianças e cachorrinhos. Para que mais?



Sr. Hulot (com seu inseparável cachimbo) e sobrinho.


Uma casa moderna demais.


Sr. Hulot, ícone da tradição, embananado com a parafernália tecnológica da cozinha.


Sequência magistral. Para chegar lá em cima, o sr. Hulot passou por várias janelas e portas.


Bairro da cidade. Vida prosaica de interior.


Pegadas. Deliciosa gag visual. Parece, mas não é.


Ambiente ultramoderno. Estranhamento.


 Pisando nas pedras do jardim. Cena engraçadíssima.

Casal preso na garagem. Reféns da própria tecnologia.

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