terça-feira, 29 de abril de 2014

Resenha de Filme - Noé

Noé. Terror Bíblico.
Inquietante. Angustiante. Traumatizante. Isso é o mínimo que se pode falar da história de “Noé”. Confesso que nunca tive uma formação religiosa, conheço pouquíssimo do Antigo Testamento. Talvez tenha sido por isso que a experiência de ver o filme de Russell Crowe tenha sido tão assustadora.
Sobre o filme em si, bom, efeitos especiais moderados e as boas atuações de Russell Crowe, Emma Watson e, sobretudo, Anthony Hopkins na caça pelas frutinhas silvestres. O vilão Tubal-caim, interpretado por Ray Winstone, também esteve bem, assim como Jennifer Connely, que reeditou com Crowe o par de “Uma Mente Brilhante”, só a título de curiosidade. Muito boa, também, foi a escolha das locações, embora a gente hoje não saiba onde termina a locação e começa a computação gráfica. Figurinos, bom, um pouco perturbadores, pareciam com os do “Mad Max”.
Agora, o que perturba mesmo neste filme é até onde a história bíblica pode ou não ser algo verossímil. A análise da leitura que o filme faz do discurso contido no Antigo Testamento nos mostra um Deus furioso, ávido por castigar humanos que descendem de Caim, o matador de seu irmão Abel, e que se mudou para as bandas do Oriente, povoando a região com humanos de má índole. O preconceito entre Ocidente e Oriente fica claro nesta passagem. O reino de Tubal-caim é totalmente decadente, com pessoas em sofrimento total provocado pela fome, pessoas essas capazes das piores maldades para aplacar seus sofrimentos. A questão dos anjos que caem à Terra, tornando-se guardiões dos humanos, a quem eles querem proteger, é igualmente inquietante, pois Deus os castiga, já que esses anjos decidiram proteger humanos que se tornaram maus, ficando presos ao solo e se transformando em seres de pedra, numa alegoria que representa a entrega dos anjos aos pecados do mundo terreno. É uma experiência angustiante presenciar aqueles seres petrificados e deformados, ainda mais sabendo que aquilo se trata de um castigo divino. Outro detalhe assustador é como a fé de Noé no cumprimento de sua missão o torna fanático, a ponto de privar seu filho Cam de ter uma esposa e a querer matar suas netas, pois ele acreditava piamente na extinção da raça humana como missão, já que esta era causadora de tantos males. Ao não conseguir matar suas netas, sente-se culpado por ter falhado com Deus e com sua família. Assim, Noé prostra-se quando a água abaixa e vive isolado como um velho bêbado até que sua nora Ila (Emma Watson) o resgata, lhe convencendo que Deus fez tudo isso como uma espécie de provação para que ele fizesse a escolha do amor e da bondade (ô provaçãozinha braba essa!). A morte dos descendentes de Caim no dilúvio, sendo levados pelas águas turbulentas, também foi algo muito angustiante. Pecadores castigados e punidos pela água. Definitivamente, o Deus do Antigo Testamento parece não ser muito misericordioso, obviamente guardando as devidas proporções da licença poética do filme. Livre arbítrio? Nem pensar!
Um ponto positivo do filme foi a narração da criação de todas as coisas por Deus em seis dias, enquanto uma sucessão de imagens passava e mostrava algo que muito mais se assemelhava a uma explicação científica, desde o Big Bang, passando pelo surgimento da vida, indo até a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Essa foi uma grande sacada, pois mostrou como às vezes as visões da ciência e da religião sobre o surgimento de todas as coisas podem produzir discursos que se aproximam e se assemelham em alguns pontos.

Apesar desse ponto positivo, o que mais angustia é todo o sofrimento visto no filme por questões religiosas e de fé, usando o argumento de que o homem realmente merece todos os castigos de um Deus sem um pingo de misericórdia, pois esse homem é um terrível pecador que deve ser varrido da face da Terra por um violento castigo divino. Devo confessar que preciso dar umas lidinhas no Antigo Testamento. Mas tenho medo de encontrar ainda mais desgraça por lá. Ah! Mais duas observações: a história da Arca de Noé muito provavelmente é uma releitura da mitologia dos deuses da Mesopotâmia. E, na arca do filme, não me lembro de ter visto todos os bichos, como ornintorrincos, équidnas e as araras azuis de “Rio 2”.


 Cartaz do Filme.


A arca.


Uma família para lá de traumatizada.


 Um Noé surtado.


Ila, que enfrentou uma sucessão de agonias.


Matusalém, o caçador de frutinhas silvestres. 

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Resenha de Filme - Toque de Mestre

Toque De Mestre. Suspense E Boa Música.
Um filme básico de entretenimento, muito parecido com o “Por Um Fio”, onde Colin Ferrell ficava, dentro de uma cabine telefônica em plena Nova York, sob a mira de um franco atirador. Só que, dessa vez, é Elijah Wood que está sob a mira de um assassino em pleno concerto onde ele executa peças dificílimas ao piano. Suspense com bom fundo musical. Boa diversão num filme mediano.
Vemos aqui a história de Tom Selznick (interpretado por Wood), um menino prodígio pianista que meteu os pés pelas mãos ao executar em um concerto peças musicais extremamente complicadas. Cinco anos depois, ele volta a ação, estimulado por sua esposa, a atriz Emma Selznick (interpretada por Kerry Bishé). Tom ainda se sente muito inseguro, mas aceita a empreitada. No palco, percebe que sua partitura está cheia de mensagens dizendo que, se ele errar uma nota, morrerá. Logo, irá perceber a mira laser da arma que está escondida na plateia passeando por seu corpo. De forma inusitada, consegue um contato com seu algoz através de uma escuta que ele acha em suas coisas no camarim. E aí começa todo um jogo de gato e rato onde até a esposa de Tom será ameaçada. Tudo isso com apenas Tom percebendo o que realmente acontece. O que o franco atirador realmente quer (interpretado por John Cusack) é uma chave que está presa dentro do piano tocado por Tom, que dará acesso a uma fortuna escondida por um antigo mentor de Tom, Patrick. O piano era de Patrick e somente Tom poderia tocar quatro compassos específicos que liberariam a chave. A questão que fica no filme é: Tom tocará ou não os compassos? O suspense fica para o final.
O que mais nos chama a atenção é a conversa de Tom com o atirador num ponto eletrônico onde Tom escutava, mas não víamos onde ele falava, numa forma de contato meio esquisita (até o próprio Tom estranhou tamanha extravagância!!!). Tom executava as peças mais difíceis do mundo enquanto conversava numa boa com um assassino que ameaçava a sua vida e a de sua esposa. Sei lá, pareceu algo meio sem lógica, pois se ele já estava nervoso antes do concerto por poder errar uma nota, imagine o grau de nervosismo com um fuzil apontado para ele e sua esposa? Não dá para bater altos papos dessa forma. Mas Tom conversou, e muito...
Entretanto, o que realmente é mais lamentável foi só escutar a voz de John Cusack e não vê-lo atuar por mais tempo no filme. Ele só fez uma aparição ao final e poderia ter tido mais presença no filme. Ator de cinema bom não deve ter somente a voz utilizada. Cusack foi subaproveitado.

Dessa forma, “Toque de Mestre” até distrai e diverte, mas não é lá grande coisa... teve umas velhinhas na sala que esculacharam o filme ao final...

Cartaz do Filme.


Um Elijah Wood assustado...


O pianista e a mira laser...


Uma assustada Emma ao final...


John Cusack. Subaproveitado...

domingo, 27 de abril de 2014

Resenha de Filme - Um Episódio Na Vida De Um Catador De Ferro Velho

Um Episódio Na Vida De Um Catador De Ferro Velho. Globalização Da Miséria.
O título quilométrico desse filme traz implícito o fato de que, quando falamos em miséria, podemos vê-la em qualquer parte do mundo, em todos os níveis. E nos identificamos com povos tão distantes quanto os da Bósnia, lá no longínquo leste Europeu através da pouca ou nenhuma assistência que os menos favorecidos têm. Vamos falar um pouco desse filme de denúncia.

A trama fala da vida do catador de ferro velho Nazif Mujic (os nomes dos personagens são os mesmos nomes dos atores em todo o elenco), de origem cigana, casado com Senada, e que tem duas pequenas filhas, Semsa e Sandra. Ele vive na periferia coberta de neve e lixo, de onde ele tira seu sustento, sempre realizando um trabalho muito braçal, seja cortando lenha para a esposa, seja catando muito ferro velho, cortando carcaças de carros a machado, e ganhando irrisórias quantias pelos muitos quilos de ferro. Um dia, Senada diz que está com dor no estômago. Mas ela está grávida e, na verdade, o bebê está morto. É imperativo que Senada faça um aborto para salvar sua vida, mas Nazif não tem o dinheiro para pagar a cirurgia. Começa, então, toda uma via crucis de Nazif, com Senada e as filhas a tiracolo para providenciar a cirurgia e salvar a esposa. Ele conseguirá a cirurgia usando um cartão de seguro da cunhada, depois de recorrer a uma instituição que amparava ciganos, e enfrentar muita burocracia. Mas Nazif ainda terá que pagar um dobrado (e sucatear o próprio carro) para pagar os remédios do pós-operatório e o corte da luz por falta de pagamento. É impossível não comparar a situação dos ciganos da Bósnia com a nossa combalida saúde brasileira. A questão da cirurgia lembra muito as homéricas brigas na justiça com os planos de saúde daqui que não querem autorizar procedimentos que as pessoas têm direito. Ou então nossa saúde pública, que despreza as pessoas da forma mais cruel. Todo mundo conhece uma história dessas. Ainda, como os mais pobres são desassistidos em todo o lugar, num total desprezo pela vida humana. É como dizia um amigo de Nazif: “Deus, por que você sempre dá sofrimento aos mais pobres?”.  O próprio Nazif dizia que, na época da guerra dos Bálcãs, a situação era melhor, mas ele não havia conseguido qualquer tipo de benefício desde então, restando a ele apenas a parca renda de catador de ferro velho. O filme não opta por um final infeliz, mas tem um interessante desfecho, terminando como começou: Nazif fazendo seus trabalhos braçais, cortando lenha. Ele conseguiu resolver o problema emergencial de sua esposa, mas as rotinas de miséria e muito trabalho continuam. Nunca a pobreza foi tão globalizada.


 Cartaz do Filme.


Nazif e Senada: unidos na miséria.


Tensão pela falta de dinheiro e a necessidade urgente de uma cirurgia paga.


Trabalhando duro...


Destruindo carcaças de carros a machado... cenário deprimente...

sábado, 26 de abril de 2014

Resenha de Filme - Tudo Por Justiça

Tudo Por Justiça. Vingança Em Drama Social.
Um bom filme americano na área. “Tudo Por Justiça” tem a vantagem de ter um bom roteiro e um baita elenco. Christian Bale, Sam Shepard, Willem Dafoe, Casey Affleck, Zoe Saldana, Forest Whitaker e Woody Harrelson. Um cast de respeito que funciona em todo o seu talento a serviço de uma boa história. Vamos a ela.
Vemos aqui uma trama que fala de dois irmãos, Russel (interpretado por Bale) e Rodney (interpretado por Affleck). Eles vivem numa região dos Estados Unidos ao pé dos montes Apalaches estagnada economicamente, onde uma moribunda usina de aço garante, por enquanto, o sustento das famílias. Enquanto Russel, o mais velho, segue a tradição da família e trabalha na usina (cujo pai está muito doente depois de ter trabalhado nela a vida inteira), Rodney tenta a sorte em jogos de azar, perdendo dinheiro e se endividando com John Petty (interpretado por Willem Dafoe). Rodney não terá outra alternativa senão começar a fazer lutas por dinheiro, algo que não dá muito lucro em sua cidadezinha. Assim, Rodney pressiona Petty a agendar uma luta nas montanhas, onde existem gangs de barra muito pesada, sendo que a mais perigosa delas é a de Harlan DeGroat (interpretado por Harrelson), que já fazia ameaças a Petty por este lhe dever dinheiro. Petty sobe as montanhas com Rodney muito a contragosto, por saber que aquele povo dos Apalaches era extremamente violento. Lá em cima, Rodney é pressionado a simular um nocaute, mas seu passado de veterano de guerra no Iraque o torna muito violento nas lutas. O que acaba acontecendo é que Petty e Rodney desaparecem (os espectadores sabem como, mas não contarei aqui) e Russel quer subir as montanhas para resgatar o irmão. Mas ele encontrará a resistência do chefe de policia Wesley Barnes (interpretado por Whitaker), que tomou a sua mulher, Lena (interpretada por Saldana), pois Russel passou uma temporada na cadeia já que, num acidente de trânsito em que ele se envolveu, um menino morreu e foi encontrado álcool no sangue de Russel. Assim, Russel sai em busca de seu irmão, busca essa que, mais tarde se tornará uma obcecada caça por vingança.
O filme tem muitos méritos. O que poderia ser uma história pirotécnica de ação americana típica torna-se mais um drama e um filme que aborda questões sociais americanas bem contemporâneas. Vemos aqui a questão do desemprego e a concorrência americana em desvantagem perante a economia chinesa (a fábrica de aço está na iminência de fechar, pois o aço chinês é mais barato); a forma como Rodney, veterano de guerra no Iraque, é tratado, pois ao se sacrificar pelo país, não vê qualquer perspectiva quando volta a sua terra natal; o drama que Russel sofre ao ter o irmão desaparecido por tentar a sorte na luta e perder a esposa por um acidente que foi uma verdadeira tragédia do acaso; e a opção por um final não feliz. Quanto aos atores, Bale esteve sublime no filme, melhor que em “Trapaça”. Whitaker dispensa qualquer apresentação. Shepard fez um excelente e ponderado tio dos dois irmãos protagonistas. Harrelson fez um vilão muito convincente. Dafoe conseguia lidar simultaneamente com a situação de ser um inescrupuloso bookmaker e ainda desenvolver uma afeição por Rodney. Já Saldana e Affleck ficaram meio que ofuscados por tanto talento em volta deles. Foi até covardia. Mas desempenharam bem seus papeis.

Assim, “Tudo Por Justiça” é um filme que nos oferece vários elementos interessantes para reflexão em seu roteiro, não sendo apenas um desfile de violência e ação. Tudo isso incrementado por um excelente elenco.


 Cartaz do Filme.


Casal desmantelado por tragédia do acaso...


Bale e Harrelson: vingança permeia a relação entre seus personagens.


Dafoe. Presença marcante, como sempre...


Shepard. Tio centrado e coerente.


 Affleck. Ganhando a vida com lutas.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Resenha de Filme - Crônica do Fim do Mundo

Crônica do Fim do Mundo. Terço De Mundos Já Desmoronados.
O filme colombiano “Crônica de Fim do Mundo” começa com tons de comédia e com uma brincadeira alusiva ao “fim do mundo” em dezembro de 2012, supostamente previsto pelos maias. Mas o filme deixa de ser uma comédia e vai tomando tons mais pesados e melancólicos à medida que sua trama se desenlaça, não sendo, portanto, uma história trivial.
Vemos aqui a vida do aposentado Pablo (interpretado por Victor Hugo Morant), que não sai mais de casa e vive com seus livros velhos e reproduções de pinturas. Ele tem um filho, Ángel (interpretado por Ángel Vásquez Aguirre), que tem um pequeno bebê com sua esposa Cláudia (interpretada por Claudia Aguirre). Ángel ainda cuida de seu pai, a contragosto de Claudia, que acha o idoso uma criatura muito estranha por não sair de casa há anos (Ángel chega a filmar com um celular a rua quando dirige para mostrar ao pai as mudanças que ocorreram na cidade com o passar do tempo). Com a proximidade do fim de 2012 quando, segundo a profecia maia, o mundo acabaria, nossos personagens se comportam de forma complexa. Pablo faz ligações para todos seus amigos do passado, buscando relembrar antigas desavenças e despejando ofensas contra seus antigos amigos, já também na velhice, com muitos deles doentes ou até falecidos. Ángel tem que encarar duas situações espinhosas: a não aprovação de um projeto de trabalho, o que lhe significa o desemprego, e toda a dor de seu amigo Ramiro (interpretado por Juan Carlos Ortega), por ter perdido a namorada e não passar mais o “fim do mundo” com ela. Já Claudia continua transtornada com as atitudes de Ángel, que dá mais atenção para o pai e amigo do que para ela e o filho. Logo, logo, as vidas de nossos protagonistas, que já não vão bem, acabam por implodir por completo. Claudia se separa de Ángel, deixando-o sozinho e distante do filho. Ramiro não termina com a namorada e ainda terá que apagar uma tatuagem enorme com o nome dela (foi uma última tentativa desesperada de reconquistá-la, onde o dinheiro da tatuagem foi dada por Ángel) e Pablo, ao ligar para um antigo amigo e ofendê-lo, falou na verdade com seu filho (o amigo já havia morrido) que tinha uma bina em seu telefone, localizando o número e endereço de Pablo, lhe fazendo ameaças. Com o tempo, descobrimos que, além disso, Pablo é viúvo e perdeu a esposa num atentado terrorista, sendo esse o motivo por não mais ter saído de casa. Dessa forma, a profecia maia de fim do mundo é apenas uma alegoria dos dramas pessoais dos personagens que estão destroçados pelos desmoronamentos de seus mundos particulares que já ocorreram antes da data prevista pelo antigo povo pré-colombiano. Para nossos personagens, seus mundos já acabaram faz tempo. Ángel ainda faz uma tentativa de reaproximação com sua esposa, mas o filme acaba antes de uma resposta mais definitiva de Claudia. Entretanto, as perspectivas não pareciam nada boas. Fica para o espectador a especulação. Para mim, o tom altamente melancólico ao final da história não traz muitas esperanças.

Vemos, então, que “Crônica de Fim do Mundo” pode até começar como uma comédia, mas sua verdadeira força está na melancolia ao final provocada pela forma como as vidas dos protagonistas vão desabando como castelos de cartas. 

Cartaz do Filme.


Pablo destilando desaforos contra seus algozes do passado... amargura...


Ángel. Oprimido por várias forças


Ángel e Claudia. Casamento não suporta crise...


Ramiro. Mundo também desmoronado

domingo, 20 de abril de 2014

Resenha de Filme - O Gebo e a Sombra

O Gebo e a Sombra. Manoel de Oliveira Volta a Atacar!!!
E lá vem ele de novo! O mais famoso cineasta português, o centenário Manoel de Oliveira, nos brinda com mais de um de seus filmes. E, desta vez, vemos uma reflexão sobre a condição familiar e outras questões mais profundas sobre a vida, no bom filme “O Gebo e a Sombra”. Mas, vale lembrar aqui que essa produção é de 2012 e só agora chega às nossas telonas. Por que tamanho atraso? Gostaria de saber...
Bom, o que deve ser mencionado aqui em primeiro lugar, é o elenco. Vemos aqui uma verdadeira constelação de lendas do cinema. Em primeiro lugar, temos o prazer de rever Claudia Cardinale (que estava lindíssima em “Era Uma Vez no Oeste”), a lendária Jeanne Moreau (inesquecível em “A Noiva Estava de Preto”, de François Truffaut), Michael Lonsdale (o vilão de “007 Contra o Foguete da Morte”, onde nosso James Bond, interpretado por Roger Moore, vem ao Rio de Janeiro e destrói o bondinho do Pão de Açúcar), a deslumbrante Leonor Silveira, figurinha fácil nos filmes de Oliveira e um dos rostos mais bonitos do cinema, além de Ricardo Trepa, o nosso fotógrafo Isaac de “O Estranho Caso de Angélica”. Com um elenco desses, a gente vai para o cinema somente para ter o prazer de rever atores que fazem nosso sangue cinéfilo amá-los com todas as forças.
E a história? Vemos aqui Doroteia (interpretada por Cardinale), uma mãe amargurada por seu filho João (interpretado por Trepa) ter saído de casa e desaparecido. A rotina de Doroteia é ficar trancafiada numa casa muito humilde junto com sua nora, Sofia (interpretada por Silveira) e as duas totalmente sufocadas pela rotina e ausência de João. O pai, Gebo (interpretado por Lonsdale), é um contador que trabalha de favor em sua empresa, por estar muito velho. Ele é obrigado a sustentar a casa e a aguentar o mau humor de Doroteia, que muito sofre e faz sofrer. Gebo confidencia a Sofia que viu João na rua, mas num estado deplorável, mergulhado em criminalidade e comportamento violento. O pai e a nora decidem nada contar a mãe, pois temem que ela não aguentará tamanha má notícia. Mas João aparece do nada e deixa Doroteia toda feliz. Só que essa felicidade não durará muito. Numa manhã, Doroteia, Gebo, seu amigo Chamiço (interpretado por Luís Miguel Cintra) e a amiga Candidinha (interpretada por Moreau) conversam sobre assuntos que vão da politica à arte. Tais conversas irritam João, que acha que todos estão praticamente mortos ali, prisioneiros de suas rotinas e banalidades. Quanto a ele, sua opção pela marginalidade lhe imprimiu uma vida sem rotinas desgastantes, mas também levou a sofrimentos e sentimentos ruins como a fome e um apreço insano pela violência, o que choca seus pais e esposa. Gebo guarda uma valise cheia de dinheiro de seus chefes, o que atrai a atenção de João. Depois de uma discussão com Sofia, João, ladrão declarado, rouba a valise e some. Para que Doroteia não saiba que João enveredou pelo caminho da criminalidade e violência, Gebo assume a culpa pelo roubo e acaba preso. Desfecho melancólico e pessimista que ratifica uma das reflexões do filme: a pobreza e a rotina levam a uma vida de sofrimento. O mais curioso aqui é que o que poderia quebrar a rotina e trazer alegria para aquela casinha miserável era justamente a volta de João e, ironicamente, ele acabou trazendo ainda mais sofrimento, de forma que essa liturgia agônica parece ser um beco totalmente sem saída. De felicidade, restam apenas os bons momentos de alegria naquele café da manhã com Doroteia, Gebo, Sofia, Candidinha e Chamiço, isso antes de João dar as caras.

Dessa forma, o filme nos dá uma interessante lição. A felicidade é um conceito muito relativo. Às vezes, o que achamos que nos trará felicidade é justamente o motivo de nossas maiores tristezas. E quando nos queixamos da vida que levamos, podemos reavaliar e percebermos que tudo anda muito bem. Nós é que não nos contentamos e reclamamos demais da vida. Devemos buscar sempre o equilíbrio. Nem ambição demais, nem resignação total. Essa é uma das muitas mensagens que Manoel de Oliveira nos traz desta vez. Ele realmente é o cara!!!

Cartaz do Filme.


No café da manhã.


O mestre dirigindo...


Mas também descontraído com a sua belíssima Leonor Silveira.


Jeanne Moreau, ainda divina.


Descontração na filmagem. Ricardo Trepa tieta Jeanne Moreau.



Claudia Cardinale, divina


Leonor Silveira e Michael Lonsdale: cinema de atores....

sábado, 19 de abril de 2014

Resenha de Filme - Os Filhos do Padre

Os Filhos do Padre. Planejamento Familiar Às Avessas.
Um planejamento familiar às avessas. Esse é o melhor resumo de “Os Filhos do Padre”, uma divertida comédia da Croácia, algo que não temos muito contato por aqui. Vemos neste filme que os povos aparentemente sisudos do leste europeu podem ter bastante senso de humor e temos aqui uma grata surpresa. Vamos falar um pouquinho desta película inusitada.
A história fala do padre Don Fabijan (interpretado por Kresimir Mikic), que foi chamado para substituir o padre Don Jakov (interpretado por Zdenko Botic), de uma paróquia numa pequena ilha no Adriático. Mas o padre titular por lá permanece e nosso Don Fabijan fica como uma espécie de padre suplente, que muito sente não ser tão popular quanto Don Jakov. Outra coisa que incomoda Don Fabijan é a alta taxa de mortalidade da ilha e a taxa de natalidade em zero, num claro sinal de que a população está encolhendo. Don Fabijan assiste a tudo, meio sem ter o que fazer, até que, um dia, ele recebe em seu confessionário Petar (interpretado por Niksa Butijer), o dono de um quiosque que vende, entre outras coisas, preservativos e se acha culpado pela morte de pessoas que nem terão uma chance de nascer. Nesse ínterim, o padre tem uma ideia e combina com Petar furar todas as camisinhas com um alfinete para que as mulheres possam engravidar. Mas o plano não dá certo, pois as mulheres usam anticoncepcionais na farmácia de Marin (interpretado por Drazen Kuhn), um croata veterano de guerra ultranacionalista, que sofreu em campos de concentração sérvios e muçulmanos. Assim, Don Fabijan planeja sabotar as caixas de anticoncepcionais com vitaminas, tendo o apoio de Marin, pois o farmacêutico quer aumentar a população croata a qualquer custo para que os inimigos não tomem seu país. O filme tem lances muito engraçados como o linguajar de baixo calão de Petar com Fabijan e como o padre imagina as relações sexuais entre os membros da comunidade. A questão étnica e os preconceitos entre os povos do leste europeu também são abordados com muito humor, principalmente no que toca à visão dos croatas sobre os albaneses. Mas o filme também mostra como a interferência do padre Fabijan na vida das pessoas com relação a aumentar a taxa de natalidade pode prejudicá-las. E a trama, que aparece muito engraçada em seu início, se torna mais pesada e sombria ao seu final, dando uma impressão de que o início e fim do filme destoam de uma certa forma. Mas essa discordância nos mostra como essa história não se propõe a ser apenas uma comédia com simples função de entretenimento. É um filme que também faz pensar e faz algumas críticas aos procedimentos da Igreja Católica. Vemos, por exemplo, um bispo que visita a ilha e se preocupa muito mais com casos de pedofilia, perdoando até Don Fabijan, que acabou sendo flagrado com um dos preservativos. E também o estupro cometido por Don Jakov, que acabou resultando no suicídio da menina estuprada. O estupro também acabou sendo mantido em segredo pelos padres, pois eles aproveitaram o expediente do sigilo na confissão para guardar segredo do crime cometido, procedimento moralmente inaceitável nesse contexto, mas aceito pela Igreja Católica. Fica curioso aqui também perceber os problemas de natalidade nesta parte do mundo, onde os nascimentos precisam ser estimulados, ao contrário do que acontece aqui no nosso terceiro mundinho, onde precisamos justamente desencorajar a natalidade.

Por essas e por outras, “O Filho do Padre”, outro filme que está discretamente no circuito, é uma história que merece ser vista e desfrutada pelos cinéfilos de plantão...


Cartaz do Filme


Padre Fabijan em ação


Fabijan e Petar.


Tomando intimidade com o tamanho GG.


Trio implacável. Petar, Fabijan e Marin.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Resenha de filme - Em Busca de Iara

Em Busca de Iara. Cinema A Serviço Da Democracia, Verdade e Justiça.
O cinema é uma arte sem limites. Ele nos diverte, nos ilude, nos faz sonhar. Mas, principalmente, nos faz pensar. E dá a sua ajuda para todos nós crescermos como indivíduos que buscam uma sociedade e um mundo melhores. É o que nós vemos no excelente documentário brasileiro “Em Busca de Iara”, de Mariana Pamplona, que é a sobrinha de Iara Iavelberg, companheira de Lamarca na luta armada contra a ditadura militar.
O documentário começa com a exumação dos restos mortais de Iara num cemitério israelita em São Paulo. Segundo a versão oficial, a perigosa terrorista teria sido cercada num apartamento na Bahia pelas forças revolucionárias que lutavam contra os subversivos que queriam instalar o comunismo no país. Acuada, a criminosa se mata com um tiro. Mas será que foi realmente assim? Como Mariana Pamplona nem chegou a conhecer a tia e ela morreu praticamente um mês antes do seu nascimento, a sobrinha procura investigar e reconstituir o que realmente aconteceu, o que resultou num extenso trabalho de pesquisa histórica. A questão é mais importante do que se imagina, pois sempre houve suspeitas de que Iara foi assassinada pelos militares. E aí, a tese de suicídio cairia por terra, o que é determinante para a família de origem judaica, pois os judeus que se suicidam tem que ser enterrados numa parte separada do cemitério, longe de suas famílias, segundo suas tradições. Dessa forma, se torna imperativo para a família comprovar que Iara foi assassinada. E Mariana Machado começa sua investigação entrevistando, inicialmente, seus familiares (sua própria mãe, seus tios, etc.), passando pelos amigos mais próximos de Iara, seus companheiros de militância, e as demais pessoas que passaram por sua vida durante a clandestinidade da luta armada. Podemos ver uma verdadeira radiografia da vida dessa moça que era muito bonita e chamava muito a atenção por isso. Seu casamento arranjado, sua vida acadêmica livre que foi manchada pelo golpe militar, sua entrada na luta armada e seu envolvimento com Lamarca, as perseguições dos militares e a morte no apartamento. Notamos pelos depoimentos das pessoas entrevistadas (inclusive vizinhos do apartamento onde ela morreu) e pelos exames na ossada de Iara e mais testes dos peritos em medicina legal que a militante política foi mesmo assassinada. O filme tem momentos comoventes, onde entrevistados chegam a chorar, junto com a entrevistadora (que é Mariana), pois não se conformam com a covardia, ódio e frieza com que os militares e as forças oficiais caçavam os guerrilheiros, “Tudo isso a troco de que?”, pergunta um deles, que era médico ginecologista e a atendeu às escondidas. Igualmente revoltante é ver as fotos de Iara morta e saber que a família praticamente teve vedado o acesso a seu funeral. Pelo menos, seus restos mortais hoje jazem ao lado de seus familiares e ela teve uma cerimônia fúnebre mais respeitosa, numa mostra que houve um reconhecimento de que Iara foi assassinada. Agora, punição aos criminosos que fizeram isso, bom, estamos num país chamado Brasil, que optou por uma lei de anistia que resolveu colocar uma pedra em cima do assunto. Enquanto nossos vizinhos, como a Argentina, prenderam os generais da ditadura e os chamam de genocidas na TV, aqui no Brasil somos obrigados a escutar bravatas de pessoas daquela época ainda exaltando aquilo tudo. Nessas horas, tenho nojo de meu país e quero me mudar para a Dinamarca. Só um pequeno detalhe a ser lembrado. No Jornal O DIA de 19 de março de 2014, quarta-feira, o artigo do jurista e professor Luís Flávio Gomes alerta que os crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura devem ser julgados sim, independentemente da lei de anistia, pois por força do artigo 5 parágrafo 2, os direitos reconhecidos na Constituição não afastam os previstos em tratados internacionais. O Brasil é livre para assinar esses tratados e o fez em 1998, ao aderir ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, sendo obrigado a cumprir suas decisões. A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu, em 24 de novembro de 2010, a invalidade da lei de anistia para o caso do Araguaia. Assim, a lei de anistia viola os tratados internacionais firmados pelo Brasil. Além de determinar a invalidade da anistia no caso Araguaia, a Corte Interamericana também decidiu pela invalidade da prescrição dos crimes, pois crimes contra a humanidade não podem prescrever. Se o país firma um tratado dessa magnitude, ele relativiza a sua soberania e os casos de crimes contra a humanidade não têm mais a palavra final do STF, mas sim do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que já julgou casos e ordenou determinações que o Brasil acabou cumprindo, como a própria Lei Maria da Penha. Se o Brasil não cumpre tais determinações do Sistema Interamericano, ele pode sofrer várias sanções, chegando a ser inclusive excluído da OEA. Essas informações são preciosíssimas e um argumento de peso para se rever a lei de anistia, pois o Brasil é OBRIGADO a fazer isso pelo acordo internacional que firmou.

No mais, meus mais sinceros e ternos parabéns para Mariana Machado pelos seus serviços prestados a nosso país ao descortinar todos esses crimes que envenenam nosso passado e presente. Seu filme é um depoimento de peso para a nossa Comissão da Verdade e um marco na busca por um país mais justo e democrático.

 Cartaz do Filme.


Iara, uma jovem de grande beleza.


Com amigas.


Na Universidade.


Já fichada na polícia.

Iara e Lamarca. Casal na luta contra a ditadura...


Disfarçada.


Corpo de Iara. Revolta.


Tia e sobrinha.


Na escadaria para o alto. Arte cheia de significados...