domingo, 31 de julho de 2016

Resenha de Filme - Agnus Dei

Agnus Dei. Convento Maternidade.
Uma co-produção França-Polônia está em nossas telonas. “Agnus Dei”, de Anne Fontaine, se baseia numa história real ocorrida logo após o fim da Segunda Guerra Mundial na Polônia, denunciando mais um absurdo omitido da Guerra. Uma história que tem implicações éticas e morais profundas.
Vemos aqui uma enfermeira francesa, Mathilde (interpretada por Lou de Laâge), que cuida de soldados feridos de guerra num hospital na Polônia. Um belo dia, uma freira chega lá e pede desesperadamente por ajuda.Mathilde diz que aquele é um hospital militar e que não pode cuidar de civis. A freira vai embora e fica do lado de fora do hospital, ajoelhada e rezando na neve. Isso despertou a comoção da enfermeira que foi atrás da freira, chegando a um convento onde uma das freiras dava luz a um bebê. Ao conversar com a madre superiora, Mathilde descobre que o convento foi invadido por tropas alemãs e soviéticas, onde todas foram estupradas e muitas engravidaram. A enfermeira disse à madre superiora que o convento deveria pedir uma ajuda externa, mas a vergonha provocada pelo conhecimento público de que as freiras tiveram seus corpos tocados provocaria a expulsão delas da Igreja Católica. Assim, Mathilde teria que ir periodicamente ao convento para fazer partos sem que seus superiores do hospital soubessem, o que foi algo para lá de complicado.
Realmente, essa é uma situação bem difícil de se administrar. A enfermeira tinha que ajudar as freiras, mas entre ela e suas pacientes havia toda uma série de rituais religiosos que tinham que ser cumpridos, com o agravante de que muitas das freiras não queriam ser tocadas. Como tratar tais pacientes? Para superar as barreiras culturais, Mathilde precisou conquistar a confiança das meninas. E isso curiosamente surgiu numa situação muito adversa (não contarei aqui, sem mais “spoilers”), o que acabou fazendo com que a enfermeira fosse vista como uma enviada de Deus pelas religiosas em virtude de sua presença de espírito. Mas, mesmo assim, a intransigência e intolerância religiosas fizeram das suas no filme, que lança a seguinte discussão: até que ponto deve-se abandonar as práticas, a ética e a lógica da religião para se buscar uma solução mais humanitária para a necessidade de se cuidar das freiras grávidas? Os rígidos códigos morais da Igreja não conseguiam se adequar à situação muito inusitada das freiras grávidas vitimadas pelo estupro coletivo dos soldados.
Um detalhe um pouco incômodo aparece no filme. Apesar de ser falado que tanto alemães quanto soviéticos invadiram o convento, vemos no filme apenas atos truculentos do exército vermelho. Não há um nazista sequer em todo o desenrolar da película. Ainda, há referências implícitas ao governo comunista futuro e opressor que assolaria a Polônia. Sem querer justificar qualquer atrocidade ou arbitrariedade que as tropas soviéticas fizeram na Polônia, a ausência de nazistas no filme e uma atribuição total de culpa ao exército vermelho pareceram a mim uma visão um pouco tendenciosa, fruto de anos de dominação soviética do pós-guerra. Mas será que não houve também arbitrariedades nazistas por lá? Colocar ambos os lados tripudiando igualmente das freiras polonesas enriqueceria mais ainda o filme a meu ver e mostraria que a maldade humana é um tema mais universal, que independe de orientação ideológica. Enfim... mas pode ser que nesse caso, apenas as tropas soviéticas tenham cometido os estupros na vida real...

Assim, “Agnus Dei” é mais uma interessante produção que aborda uma história real que tem a Segunda Guerra Mundial como tema, enfocando questões éticas e morais relacionadas a cosmogonia da religião e de como algumas práticas são incompatíveis com situações muito complicadas que surgem na vida real. O que se deve fazer, então? Levar os dogmas até o fim, a ponto de se dispor a encarar o martírio? Ou abrir uma exceção? Vale a pena dar uma conferida e encarar tal debate. E não deixe de ver o trailer após as fotos. 

Cartaz do Filme

Um convento tranquilo esconde uma tragédia

Mathilde irá salvar a pátria...

No início, muita desconfiança...

Encarando a maternidade

A enfermeira conquista a confiança das religiosas

Alguns partos eram muito difíceis...

A diretora Anne Fontaine...




sábado, 30 de julho de 2016

Resenha de Filmes: Florence e Marguerite

Florence e Marguerite: Quem São Estas Mulheres? Por Amor À Música.
Nesses últimos dias, nossas salas de cinema nos proporcionaram uma experiência que temos poucas chances de presenciar. Foram exibidas duas películas que abordaram uma mesma história, só que de formas um tanto diferentes. E aí as comparações foram inevitáveis.
Mas, no que consiste a história dos dois filmes em si? Ambos falam de uma senhora da alta sociedade que mantinha uma espécie de clube cultural restrito para todos aqueles de seu estrato social. A senhora, como boa amante das artes, sobretudo o canto, se maravilhava com o talento das cantoras profissionais e queria enveredar por essa carreira. Mas, infelizmente, a senhora tinha uma voz simplesmente terrível para o canto. Mesmo assim, por ser uma espécie de mecenas e financiadora de projetos culturais, era acolhida por todos como se fosse uma verdadeira profissional. O leitor pode perguntar: e as críticas dos jornais que noticiavam seus eventos públicos de canto? Bom, ficava a cargo do marido da referida senhora blindá-la contra as agruras do mundo real. Em tempo: a senhora era acometida de uma grave doença e a música era tudo para ela, dando-lhe uma sobrevida. Assim, o marido sabia que seria uma situação praticamente fatal ela ter acesso a uma crítica negativa de suas apresentações.
Pois bem, essa senhora existiu e se chamou Florence Foster Jenkins, vivendo nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. A versão inglesa dessa história foi intitulada “Florence: Quem É Esta Mulher”, sendo estrelada por Meryl Streep no papel de Florence, e por Hugh Grant, no papel do marido Saint Clair Bayfield. Esta versão puxou o filme mais para o tom de comédia e contou com a excelente química entre Streep e Grant. A coisa foi tão boa que foi a primeira vez que gostei de uma atuação de Hugh Grant num filme (confesso que nunca fui muito com a cara dele). Já falar do talento de Meryl Streep é chover no molhado. A mulher arrasa sempre! Ela deu toda uma doçura especial à milionária excêntrica, assim como uma comovente fragilidade. E Grant não ficava atrás, no papel de marido zeloso e carinhoso que foi altamente cativante, mesmo com toda aquela pompa inglesa que beira a caricatura. Ainda, na versão inglesa, não podemos nos esquecer de mencionar a excelente participação de Simon Helberg (conhecido por fazer parte do elenco da série de TV “Big Bang Theory”) como Cosme McMoon, que foi contratado para ser o pianista de Florence em seus estudos de canto e apresentações. Seu jeito delicado e caricato foi responsável por momentos muito engraçados do filme e foi mais um personagem altamente cativante.
O outro filme que aborda esse mesmo assunto é intitulado “Marguerite” e é uma co-produção França, República Tcheca e Bélgica. O ambiente do filme agora é a França da década de 20, e Marguerite (interpretada por Catherine Frot, que fez o bom “Os Sabores do Palácio”) é rodeada e laureada por artistas de vanguarda e anarquistas. Sente-se um ambiente bem mais intelectualizado e um tanto soturno nessa versão, onde os risos diminuem muito e o drama se expande com uma força muito intensa. Aqui, Marguerite é mais melancólica e triste, parecendo um pouco mais consciente de sua condição de má cantora e muito mais receosa de se pode fazer uma carreira de sucesso ou não. Suas expressões tristes e de preocupação sem dizer uma só palavra diziam tudo, o que deu um lirismo maior à dinâmica do filme.
Em ambas as versões, a senhora cantora desafinada é altamente apaixonante. A grande mensagem que esses filmes passam é a de que a gente deve fazer aquilo que ama, independentemente do que as outras pessoas acham, mesmo que o desfecho de ambas as películas tenha sido um tanto trágico (paremos com os “spoilers” por aqui). A mulher cantava mal mesmo, desafinava, era motivo de risos, mas fazia aquilo que amava e as pessoas a adoravam justamente por isso. Em sua um tanto cruel ilusão de que era uma grande cantora, Florence e Marguerite desafiavam sem saber o senso de ridículo e soltavam o berreiro, tudo isso para enfrentar suas enfermidades de cabeça erguida por anos a fio.

Assim, ver essas duas películas é uma experiência e tanto, pois podemos testemunhar como uma história pode ser contada por duas narrativas diferentes. Uma mais alegre e com espírito de “blockbuster”. E outra mais melancólica e soturna, bem dentro do clima um tanto intelectualizado de um segmento do cinema francês herdeiro da “Nouvelle Vague”. Vale muito a pena fazer as suas próprias comparações. E não deixe de ver os trailers após as fotos.

Cartaz de Florence

Cartaz de Marguerite

Florence. Paixão pela música que a mantém viva

Marguerite. Paixão pela música que a mantém viva.

Florence. Mais alegre e expansiva

Marguerite. Mais melancólica...

Florence. Hilários estudos de música...

Marguerite, Também flexionando o abdômen...



quarta-feira, 27 de julho de 2016

Resenha de Filme - Mãe Só Há Uma

Mãe, Só Há Uma. Trocando As Bolas.
Anna Muylaert volta a atacar. Depois do sucesso estrondoso de “Que Horas Ela Volta?”, a diretora agora nos traz “Mãe, Só Há Uma”, onde um tema altamente polêmico é tratado. Volta e meia, vemos na mídia uma história de troca de bebês em maternidades e até mesmo de roubo de crianças, com o bebê roubado somente descobrindo tal situação depois de muitos anos. E aí, vem toda uma situação nova: uma nova família, parentes, estilo de vida, etc. Mas aí, fica a questão que os telejornais nunca nos falaram: a transição de uma antiga família para uma nova é feita de forma tranquila ou turbulenta? Será algo fácil ver aquela mulher que você acredita ser sua mãe ir para a prisão e você conviver com seus pais biológicos que indiretamente foram responsáveis pela prisão de sua mãe? Pois é. Muylaert buscou analisar todas essas questões em sua nova película.
Vemos aqui a história de Pierre (interpretado por Naomi Nero, sobrinho do ator global Alexandre Nero), um jovem de inclinações homossexuais que vive com a mãe e a irmã numa família onde o pai já é falecido e é de um estrato social de classe média baixa. Um belo dia, ele fica sabendo que sua mãe o roubou na maternidade e ele tem outra família, o mesmo ocorrendo com sua irmã. Com a prisão da mãe, a sua família é inteiramente esfacelada e, por serem menores de idade, os dois irmãos são obrigados a conviver com uma nova família e realidade. Os novos pais de Pierre são de uma camada social mais alta e ficaram cinco anos procurando o menino, que passou a ser chamado a todo momento de Felipe, um nome escolhido pelos novos pais. Isso era uma verdadeira agressão à individualidade de Felipe, que se sentia roubado duas vezes. Obviamente, esse novo relacionamento será muito complicado e doloroso. Felipe, quer dizer, Pierre, ao ver sua família desmoronar e ter que conviver com uma nova realidade onde gente estranha para ele são seus verdadeiros familiares, acaba tendo surtos ocasionais enquanto procura se adaptar à nova realidade. E ainda houve o agravante de que sua irmãzinha desaparece com sua também nova família. E a família biológica de Pierre, que passou cinco anos procurando o menino, agora convive com a dura tarefa de satisfazer todos os caprichos do garoto para fazê-lo sentir-se confortável em sua nova casa.
O ator-protagonista, Naomi Nero, não decepcionou. Embora a sua carga emocional parecesse soar um pouco exagerada em determinados momentos, ele foi bem no transcorrer da película. Matheus Nachtergaele, no papel do verdadeiro pai biológico de Pierre, era o medalhão do elenco e atuou com o talento que todos esperavam, indo do terno ao violento, passando pelo frágil e quebradiço, num caleidoscópio de interpretações muito bem estruturadas. Agora, um destaque todo especial deve ser dado à atriz Daniela Nefussi, que interpretou as duas mães de Pierre, onde a fragilidade das personagens ficou altamente latente. Uma, pelo medo de perder o filho que roubou, e a outra pelo medo de perder o filho que recuperou.
A questão do homossexualismo é muito curiosa. Conforme o vídeo abaixo que contém a entrevista com Muylaert, Pierre experimentava situações variadas para a sua sexualidade, pois não queria se submeter a rótulos. Mas, quando Pierre é submetido à obrigação de viver com sua nova família, ele se rende a um rótulo somente para agredir os pais biológicos. Assim, o personagem sabe usar sua sexualidade e rótulos de acordo com suas conveniências.
Uma coisa que muito chamou a atenção foi o desfecho da película. Em virtude do filme ter uma duração um tanto curta (cerca de 82 minutos), o desfecho se dá abruptamente, com uma tremenda cara de anticlímax o que, a princípio, incomoda um pouco. Mas, se pensarmos melhor, esse é o melhor desfecho que o filme poderia ter, pois qualquer final que pudesse apresentar uma solução soaria muito falso em virtude das circunstâncias da situação tão espinhosa que o filme nos mostra. Assim, Muylaert parece ter sido genial nesse ponto. Mas nem tudo é desalento. A diretora, que também é a roteirista do filme, plantou uma pequena semente de esperança dentro da situação tão caótica. Que semente é essa? Vá ao cinema e veja!

Assim, “Mãe, Só Há Uma” é a prova de que nosso cinema também produz boas películas e não fica somente nos lugares comuns de humores descartáveis produzidos pela Globo. O filme é um convite à reflexão da busca por uma solução numa situação aparentemente insolúvel. É um filme que trata de relações humanas e de seus complexos desdobramentos em contextos escabrosos. Vale a pena dar uma conferida. E não deixe de ver o trailer após as fotos, além da entrevista com Muylaert do blog Cinestro.

Cartaz do filme

Pierre, atormentado pela realidade de uma nova família

Uma mãe que é presa...

Uma mãe que é rica...

Descobrindo sua sexualidade...

Extravasando com os colegas...

A diretora Anna Muylaert




terça-feira, 26 de julho de 2016

Resenha de Filme - Um Dia Perfeito

Um Dia Perfeito. Saindo Do Buraco.
Uma curiosa produção espanhola em nossas telonas. “Um Dia Perfeito”, dirigido por Fernando León de Aranoa (o mesmo diretor do ótimo “Segunda-Feira ao Sol”) é aquilo que podemos classificar como um humor tão negro que beira o surreal. Mas também é mais um daqueles filmes que denuncia os horrores da guerra, mesmo se tratando de uma comédia.
Vemos aqui a história de dois caras muito curiosos que fazem parte de um grupo internacional de ajuda humanitária atuando na Guerra dos Bálcãs em pleno ano de 1995. O portorriquenho Mambrú (interpretado por Benicio del Toro) e o americano B (interpretado por Tim Robbins). Os dois vivem em áreas de conflitos e guerras, não sabendo há algum tempo o que é ter uma vida normal. Junto deles, temos a francesa e novata Sophie (interpretada por Mélanie Thierry) e o intérprete Damir (interpretado por Fedja Stukan). Certo dia, irá parar nas mãos deles uma missão um tanto curiosa: retirar o corpo de um homem de um poço cuja água abastece um vilarejo. Mas são dias de guerra e faltam recursos. A única corda que tinham acaba arrebentando numa tentativa fracassada de retirar o homem morto. E aí começa toda uma saga para se arrumar uma corda nova.  Como se isso não bastasse, os militares das forças de paz da ONU que controlavam a região proibiram o salvamento por detalhes mais burocráticos do que por qualquer coisa. E nossos protagonistas, acrescidos da ajuda de Katia (interpretada por Olga Kurylenko, “bondgirl” de “Quantum Of Solace”), um antigo caso de Mambrú, vão ter que lidar com as mais incríveis situações que só um ambiente de guerra pode proporcionar.
O que chama primeiro a atenção no filme? O elenco. Benicio del Toro e Tim Robbins contracenando juntos já foi um atrativo à parte. O primeiro fazendo um papel mais sério que vivia caindo em situações cômicas. E o segundo, com mais tarimba em comédia (lembrem-se do inesquecível “Nada a Perder”, com Martin Lawrence), fez um papel bem mais engraçado, cujas falas foram muito bem escritas e proporcionaram situações hilárias na película. Dando um rápido “spoiler”, ao procurarem uma corda numa cidade totalmente destruída pela guerra, B fazia piadas bem irônicas usando a devastação da cidade indiretamente como galhofa, num exemplo do forte humor negro do filme. Mas, por mais que a coisa pareça ser de mau gosto, acaba provocando risos sem agredir, embora seja um humor inquietante, do qual você não sai indiferente. Tirar situações engraçadas de algo tão impactante quanto o horror de uma guerra realmente chama muito a atenção e é uma forma curiosa (embora não inédita) de abordar um tema tão espinhoso. Mas a coisa não para por aí. O filme também tem tons altamente sérios que denunciam toda a destruição que a guerra provoca, principalmente quando nossos protagonistas vão à casa destruída do pequeno Nicolas, um habitante local que a guerra separou dos pais e teve que viver com o avô, ou a situação surreal de um grupo de meninos que rouba a bola de Nicolas e um dos meninos aponta uma pistola para Mambrú quando ele tentava recuperar o brinquedo de Nicolas. Outro destaque interessante foi a trilha sonora bem “hard rock”, com direito a Ramones e até a Marilyn Manson, o que aumentou a carga simbólica de surrealismo e dramaticidade da película.

Assim, “Um Dia Perfeito” é uma comédia pesada que fala de um tema pesado – a guerra – lançando mão de uma dupla de atores consagrados que funcionou muito bem, um humor negro muito carregado nas tintas que chega a tornar o filme surreal, uma denúncia contundente dos horrores da guerra e, para cimentar tudo isso, uma forte trilha sonora que conseguia ser simultaneamente soturna e engraçada. Vale a pena dar uma conferida nessa película. E não deixe de ver o trailer após as fotos.

Cartaz do Filme

B e Mambrú. Muito tempo na zona de guerra

Um poço e um corpo

Procurando uma corda

Acharam a corda! Mas...

Sophie não se acostumou ainda com a guerra e os mortos

O menino Nicolas será responsável pela parte mais dramática da película...

um certo ar de "road movie"


segunda-feira, 25 de julho de 2016

Resenha de Filme - Chocolate

Chocolate. Sempre O Racismo.
Omar Sy é um baita ator, sempre presente no cinema francês com papéis de muito destaque. Todos se lembram dele em “Os Intocáveis”, interpretando um cuidador de um milionário paraplégico, conquistando os corações de todos aqueles que assistiram ao filme. “Samba” foi também uma outra película de destaque, enfocando a questão dos imigrantes na Europa. Mas o novo filme de Omar Sy supera em anos-luz as películas anteriores. “Chocolate” consegue ser um excelente filme, com uma história comovente e, acima de tudo, muito reflexiva, como somente o bom cinema precisa ser.
Vemos aqui a história de George Footit (interpretado por James Thierreé, que é, nada mais, nada menos, do que neto de Charles Chaplin), um palhaço que já teve muito sucesso no passado e que agora precisa mendigar um emprego num cirquinho do interior da França. Estamos em 1897 e Footit necessita desesperadamente desse emprego. Enquanto ele cava uma vaga por lá, conhece Rafael Padilla, um cubano ex-escravo que tentou a vida na França (interpretado por Omar Sy), se apresentando como um selvagem exótico canibal africano. Footit convence Padilla a ser assistente nos seus números e os dois conseguem um grande sucesso, chegando a um grande circo de Paris. Mas a fama traria além de coisas boas, também muitas coisas ruins, já que Padilla, agora com a alcunha de Chocolate, provocava um certo desconforto na sociedade francesa extremamente racista da época. E nosso palhaço negro sofria a situação ambígua de ser uma celebridade adorada e, ao mesmo tempo, ocupar uma posição subalterna de cidadão de segunda categoria, em virtude da cor de sua pele e de um racismo latente. Para se afirmar, Padilla vai querer enveredar na carreira de ator de teatro e interpretar Otelo, na peça homônima de Shakespeare. O mais irônico é que nunca um negro havia interpretado esse personagem na França. Somente atores brancos pintados de negro tinham interpretado esse papel.
É um filme para refletir, e muito, principalmente quando pensamos na situação mundial atual, com o avanço do terrorismo e um coro geral que diz que os que fazem esses atentados são loucos fundamentalistas. Apesar de absolutamente nada justificar a violência do terrorismo, a gente também não pode deixar passar a percepção de que o avanço europeu imperialista do passado e, por que não, do presente, tem uma parcela de culpa em todo esse contexto sinistro de hoje. Ao se perceber o forte tom racista ao qual Chocolate é submetido, conseguimos notar como tal aura de preconceito e sentimento de superioridade dos europeus perante outras etnias provocaram enormes ressentimentos e, com certeza, funcionaram como combustível para acirrar os ânimos de grupos fundamentalistas. É algo extremamente alarmante pensar que tais preconceitos situados na virada do século XIX para o XX sejam ainda tão presentes na Europa do século XXI.
Quanto aos atores, Omar Sy estava simplesmente brilhante e me arrisco a dizer que talvez esse tenha sido o melhor papel de toda a sua carreira, tanto pregressa quanto futura. A forma como ele transitava do cômico para o dramático foi muito eficiente. James Thierreé também não ficou atrás. Sua semelhança com o avô, onde o penteado de seu palhaço ajudou muito (a impressão é que a gente via alguma coisa de “Luzes da Ribalta”), nos deu a exata noção de como o circo, a pantomima e a nascente arte de interpretação do cinema mudo eram três coisas que se imbricavam e se confundiam naquela época. Nesse ponto de vista, o filme é um prato cheio para os amantes do Primeiro Cinema. Mas o filme foi além da excelente interpretação dos atores, da exaltação a pantomima e da discussão social. Foi um filme também muito humano, onde as relações entre os personagens principais e coadjuvantes nos cativava e prendia a atenção de uma forma tão magnética que nem sentimos a duração da película passar por nossos olhos.

Dessa forma, “Chocolate” pode ser definido como uma verdadeira obra-prima, pois aborda com maestria uma questão social que tem um conteúdo altamente contemporâneo, é, provavelmente, a melhor atuação de Omar Sy até hoje e é um drama que enfoca com muita profundidade as relações humanas. É daqueles filmes para se ver, ter e guardar. Imperdível! E não deixe de ver o trailer após as fotos.

Cartaz do Filme

Footit e Chocolate. Dupla de sucesso

Primeiros ensaios

Negro sendo chutado pelo branco

Visitando as crianças no hospital

Interagindo com o público

Os verdadeiros Footit e Chocolate...



domingo, 24 de julho de 2016

Resenha de Filme - Caça Fantasmas

Caça Fantasmas. Quem Você Vai Chamar?
Um divertido “remake” em nossas telonas. “Caça Fantasmas” está de volta para lembrar o grande sucesso da década de 80. Só que agora, é a vez das meninas. Isso mesmo! Os Caça Fantasmas agora são as Caça Fantasmas! Dentro da visão atual de se privilegiar o gênero feminino (já vimos algo semelhante em “Guerra nas Estrelas”, Episódio VII), o “reboot” busca trilhar o caminho de que agora as mulheres estão com tudo, o que não deixa de ser louvável. Isso faz o filme funcionar? Até que sim, pois a química entre as atrizes é muito boa. O filme tem outras virtudes, tais como ver os fantasmas com os CGIs atuais, reeditar a grande característica do original que era fazer uma boa mistura equilibrada entre humor e terror, embora eu creia que “Caça Fantasmas” seja muito mais humor do que terror, e um roteiro bem escrito. Mas, cá para nós, é muito difícil a adaptação superar o original. Eu acho que é uma verdadeira covardia para as atrizes que fizeram “Caça Fantasmas” ter a situação ingrata de serem comparadas com um Bill Maurray ou um Dan Aykroyd. Aliás, um dos lances mais esperados do filme foi ver justamente onde os antigos Caça Fantasmas iam aparecer e confesso que fui ao cinema assistir à película muito mais por isso do que por qualquer coisa. Além disso, foi muito legal rever o Geleia e o Stay Puft no CGI de hoje. As referências ao filme antigo é que são o grande atrativo da película, sem a menor sombra de dúvida.
Mas, e o elenco feminino, o que falar mais dele? Bom, elas não tiveram a sorte de Daisy Ridley de fazer uma personagem inteiramente nova. Apesar de todas as personagens serem novas, pairava no ar os “fantasmas” dos Caça Fantasmas originais, se me desculparem o trocadilho infame. Mas elas se esforçaram, com destaque especial para Leslie Jones, que interpretou Patty Tolan, a funcionária de metrô que larga o emprego para pegar almas penadas e sabe tudo da História de Nova York, e Kate McKinnon, que interpretou Julie Holtzmann, a lourinha maluquinha que fazia as armas. Já a física quântica Erin Gilbert (interpretada por Kristen Wiig) e Abby Yates (interpretada por Melissa McCarthy), a gordinha que pesquisava a paranormalidade ectoplasmática, bom, creio que elas ficaram num nível inferior ao das outras duas. Suas personagens acabaram não ajudando muito. Mas o personagem mais intrigante foi, sem dúvida, o de Chris Hemsworth, Kevin. Cacilda, o que era aquilo? Botaram o coitado como um idiota total! Embora eu tenha ouvido muitas risadas na sala com suas aberrações, algumas pessoas com quem conversei não gostaram muito. O motivo para essa idiotice toda? Só consigo pensar em duas hipóteses. A primeira (e torço muito para que não seja essa) é a de que, para reforçar o protagonismo feminino, tenham colocado o ícone de masculinidade numa posição totalmente ridícula. Isso, a meu ver, seria completamente desnecessário, pois as protagonistas femininas não precisam de tal escada infame. A segunda hipótese (e aqui vai um alerta de “spoiler”), mais coerente, seria pelo fato de que o moço é tomado por uma entidade maligna que é o inverso da personalidade e caráter de nosso idiotinha. Aí o contraste radical dá um certo caldo. Mas, ainda assim, ficou a impressão de que a boçalidade do personagem de Hemsworth ficou um tanto exagerada.

Dessa forma, se “Caça Fantasmas” não consegue nem chegar perto da estrondosidade que foi o original, ainda assim é um bom filme, pois o time feminino fez uma boa equipe e os CGIs revigoraram os fantasmas. Entretanto, a participação especial da velha guarda, assim como a boa participação de Andy Garcia (outro ícone dos anos 80) e até Ozzy Osbourne (!) foi o mais legal do filme. Vá ao cinema e dê uma forcinha. Afinal de contas, quem você vai chamar? E não deixe de ver o trailer após as fotos.

Agora é a vez das meninas...

Com o novo Ecto 1

Vomitando ectoplasma no novo CGI

Uma lourinha maluquinha

ôôôô, Geleia voltou!!!

Um macho imbecil...


domingo, 17 de julho de 2016

Resenha de Filme - Independence Day, o Ressurgimento

Independence Day, O Ressurgimento. Combatendo ETs De Forma Peculiar.
Todos se lembram do filme “Independence Day”, que chamou muita atenção há exatos vinte anos, por ter mostrado uma nova fronteira em termos de efeitos especiais. Pois bem. Aquele filme que parecia único, sem uma continuação, e um tanto icônico por causa disso, recebeu agora uma sequência, novamente dirigida por Roland Emmerich. Mas essa continuação foi um tanto exótica, para não dizer esquisita. Para que possamos examinar o porquê de tanta anormalidade, alguns “spoilers” serão necessários.
Como não podia deixar de ser, o filme fala da volta dos ameaçadores extraterrestres e sua sanha por exterminar a humanidade. Alguns elementos novos aparecem nesse segundo ataque. Os humanos se apropriaram da tecnologia dos discos voadores e, em vinte anos, reconstruíram o mundo e deram novos rumos para a humanidade, tendo bases na Lua e em outros corpos celestes do Sistema Solar. O dr. Okun (interpretado por Brent Spiner, o Data de “Jornada nas Estrelas, A Nova Geração”), que aparentemente havia morrido no primeiro filme, na verdade ficou em coma por vinte anos e despertou justamente às vésperas de um novo ataque. O agora ex-presidente Whitmore (interpretado por Bill Pullman) está um velho gagá, mas, na verdade, é atormentado à distância pelos alienígenas, assim como o dr. Okun, numa ligação mental, digamos, um tanto macabra que nos remete mais a filmes de terror do que de ficção científica. Já David Levinson (interpretado pela “Mosca” Jeff Goldblum), que era o grande protagonista da primeira película, agora parece ter um papel mais deslocado, já que houve uma renovação do elenco. Os protagonistas nesse segundo filme são de uma geração mais jovem, que conta com a filha do presidente Whitmore, Patricia (interpretada por Maika Monroe), o piloto Jake Morrison (interpretado por Liam Hemsworth, irmão de Chris Hemsworth, o Thor, onde a semelhança física dos dois é muito marcante) e pelo filho do personagem de Will Smith (que faleceu no filme), Dylan Hiller (interpretado por Jessie Usher). Todos eles são aviadores e terão um papel fundamental na trama, deixando os mais velhinhos para trás. Aliás, há uma participação especial de Robert Loggia, que no primeiro filme tinha feito o turrão General Grey. Podíamos perceber que o ator já estava muito doente e ele entrou mudo e saiu calado do filme, com seu personagem recebendo uma espécie de homenagem que, ao fim das contas, se materializou como uma homenagem ao próprio ator que faleceu depois desta filmagem. Há, ainda, a participação de Charlotte Gainsbourg como uma linguista que não teve muita influência no filme e que só serviu para ser par romântico de Levinson bem ao finalzinho da película. Uma personagem totalmente desnecessária, exceto para Levinson, obviamente.
Todo esse novo elenco deu uma cara nova ao filme, que faz a gente demorar a acostumar. Parece que a “velha guarda” de Independence Day meio que foi posta à escanteio e isso incomodou um pouco, embora os antigos protagonistas tivessem um papel até atuante. Ainda assim, a “ressurreição” do dr. Okun foi estranha, assim como o papel do presidente Whitmore, ora insano e gagá, ora fazendo discursos bem articulados, ora andando de bengala, ora pilotando aviões. Foi introduzido também um “núcleo africano”, onde guerrilheiros haviam combatido os ETs na base do facão (credo!) criando um estereótipo bem selvagem. Como o filme tem um certo quê de gozação, isso ainda passa, mas com um gosto de cabo de guarda-chuva na boca. Outra coisa que incomodou foi um OVNI de dimensões continentais e uma ET rainha que deu ao filme ares de tokusatsu. Mas como há gozação...

De qualquer forma, “Independence Day, o Ressurgimento”, confirmou aquela máxima de que as continuações são piores do que o original. O roteiro ficou com umas papagaiadas esquisitas, que tornaram a história mais pirotécnica que interessante. Nesse ponto, a trama contada no primeiro filme foi bem melhor, e o segundo mais pareceu um decalque mal feito do primeiro. De qualquer forma, é um blockbuster de ação e efeitos especiais para divertir e rir um pouquinho. Vale a pena ir, mas não espere muito ou algo do nível do primeiro filme. E não deixe de ver o trailer após as fotos.

Cartaz do Filme

Eles estão de volta...

... destruindo tudo de novo!!!

Carinhas novas...

... e antigas

Um herói meio encostado e um ex-presidente gagá...

Humanos se apropriaram de tecnologia dos ETs...