quarta-feira, 27 de julho de 2016

Resenha de Filme - Mãe Só Há Uma

Mãe, Só Há Uma. Trocando As Bolas.
Anna Muylaert volta a atacar. Depois do sucesso estrondoso de “Que Horas Ela Volta?”, a diretora agora nos traz “Mãe, Só Há Uma”, onde um tema altamente polêmico é tratado. Volta e meia, vemos na mídia uma história de troca de bebês em maternidades e até mesmo de roubo de crianças, com o bebê roubado somente descobrindo tal situação depois de muitos anos. E aí, vem toda uma situação nova: uma nova família, parentes, estilo de vida, etc. Mas aí, fica a questão que os telejornais nunca nos falaram: a transição de uma antiga família para uma nova é feita de forma tranquila ou turbulenta? Será algo fácil ver aquela mulher que você acredita ser sua mãe ir para a prisão e você conviver com seus pais biológicos que indiretamente foram responsáveis pela prisão de sua mãe? Pois é. Muylaert buscou analisar todas essas questões em sua nova película.
Vemos aqui a história de Pierre (interpretado por Naomi Nero, sobrinho do ator global Alexandre Nero), um jovem de inclinações homossexuais que vive com a mãe e a irmã numa família onde o pai já é falecido e é de um estrato social de classe média baixa. Um belo dia, ele fica sabendo que sua mãe o roubou na maternidade e ele tem outra família, o mesmo ocorrendo com sua irmã. Com a prisão da mãe, a sua família é inteiramente esfacelada e, por serem menores de idade, os dois irmãos são obrigados a conviver com uma nova família e realidade. Os novos pais de Pierre são de uma camada social mais alta e ficaram cinco anos procurando o menino, que passou a ser chamado a todo momento de Felipe, um nome escolhido pelos novos pais. Isso era uma verdadeira agressão à individualidade de Felipe, que se sentia roubado duas vezes. Obviamente, esse novo relacionamento será muito complicado e doloroso. Felipe, quer dizer, Pierre, ao ver sua família desmoronar e ter que conviver com uma nova realidade onde gente estranha para ele são seus verdadeiros familiares, acaba tendo surtos ocasionais enquanto procura se adaptar à nova realidade. E ainda houve o agravante de que sua irmãzinha desaparece com sua também nova família. E a família biológica de Pierre, que passou cinco anos procurando o menino, agora convive com a dura tarefa de satisfazer todos os caprichos do garoto para fazê-lo sentir-se confortável em sua nova casa.
O ator-protagonista, Naomi Nero, não decepcionou. Embora a sua carga emocional parecesse soar um pouco exagerada em determinados momentos, ele foi bem no transcorrer da película. Matheus Nachtergaele, no papel do verdadeiro pai biológico de Pierre, era o medalhão do elenco e atuou com o talento que todos esperavam, indo do terno ao violento, passando pelo frágil e quebradiço, num caleidoscópio de interpretações muito bem estruturadas. Agora, um destaque todo especial deve ser dado à atriz Daniela Nefussi, que interpretou as duas mães de Pierre, onde a fragilidade das personagens ficou altamente latente. Uma, pelo medo de perder o filho que roubou, e a outra pelo medo de perder o filho que recuperou.
A questão do homossexualismo é muito curiosa. Conforme o vídeo abaixo que contém a entrevista com Muylaert, Pierre experimentava situações variadas para a sua sexualidade, pois não queria se submeter a rótulos. Mas, quando Pierre é submetido à obrigação de viver com sua nova família, ele se rende a um rótulo somente para agredir os pais biológicos. Assim, o personagem sabe usar sua sexualidade e rótulos de acordo com suas conveniências.
Uma coisa que muito chamou a atenção foi o desfecho da película. Em virtude do filme ter uma duração um tanto curta (cerca de 82 minutos), o desfecho se dá abruptamente, com uma tremenda cara de anticlímax o que, a princípio, incomoda um pouco. Mas, se pensarmos melhor, esse é o melhor desfecho que o filme poderia ter, pois qualquer final que pudesse apresentar uma solução soaria muito falso em virtude das circunstâncias da situação tão espinhosa que o filme nos mostra. Assim, Muylaert parece ter sido genial nesse ponto. Mas nem tudo é desalento. A diretora, que também é a roteirista do filme, plantou uma pequena semente de esperança dentro da situação tão caótica. Que semente é essa? Vá ao cinema e veja!

Assim, “Mãe, Só Há Uma” é a prova de que nosso cinema também produz boas películas e não fica somente nos lugares comuns de humores descartáveis produzidos pela Globo. O filme é um convite à reflexão da busca por uma solução numa situação aparentemente insolúvel. É um filme que trata de relações humanas e de seus complexos desdobramentos em contextos escabrosos. Vale a pena dar uma conferida. E não deixe de ver o trailer após as fotos, além da entrevista com Muylaert do blog Cinestro.

Cartaz do filme

Pierre, atormentado pela realidade de uma nova família

Uma mãe que é presa...

Uma mãe que é rica...

Descobrindo sua sexualidade...

Extravasando com os colegas...

A diretora Anna Muylaert




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