segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Resenha de Filme - O Novíssimo Testamento

O Novíssimo Testamento. Revendo Velhos Conceitos Carcomidos.
Um baita filme rolou nas telonas. Indicado ao Globo de Ouro deste ano na categoria de filme estrangeiro, “O Novíssimo Testamento” é uma co-produção da Bélgica, França e Luxemburgo, escrita por Thomas Gunzig e Jaco Van Dormael e dirigida por Jaco Van Dormael, traz atores do quilate de uma Catherine Deneuve e é uma divertidíssima película reflexiva sobre religião e comportamento humano. Esse filmaço deveria ter mais um pouquinho de atenção da parte de todos, exatamente num momento em que foi  lançado um filme bíblico por um grupo evangélico nos cinemas.
Mas, no que consiste a história? Deus existe! E Ele vive em Bruxelas, Bélgica, trancado num apartamento de três quartos. Ele teve mais uma filha, é casado com uma mulher muito burra, bate nela, bebe, fuma e, na sua sala, ele só projeta desgraças em seu computador: avalanches, enchentes, acidentes de avião, incêndios, etc., cria leis que ferram todo mundo (por exemplo, se você entra numa fila, a fila do lado sempre anda mais rápido) e por aí vai. Ea, sua filhinha (interpretada pela minúscula e fofinha Pili Groyne), não aceita as atitudes do pai e o afronta, levando uma surra. Por vingança, a menininha invade a sala do pai enquanto ele dorme bêbado no sofá e acessa o arquivo com as datas de morte de todos os seres humanos. Assim, ela manda essas datas por sms aos celulares das pessoas, provocando uma polvorosa geral. A mocinha ainda vai sair de sua casa de uma forma muito insólita para realizar uma missão. Paro por aqui.
Definitivamente, é um filme que ataca frontalmente as visões tradicionais de religião, principalmente aquela ideia de que Deus é responsável por tudo, ou seja, se Ele faz coisas boas, então também se espera que as coisas ruins que acontecem sejam de responsabilidade Dele. E por que ele faz isso? Aí os religiosos dão aquela resposta furadíssima de que ninguém pode saber o que se passa na cabeça de Deus, etc. Bom, aqui os roteiristas dessa película deram a resposta. Foi representado um Deus que exige obediência cega, um Deus que castiga, um Deus controlador, como é pregado implicitamente por aí sob um manto de “livre arbítrio”, que os egípcios na época de Moisés não tiveram acesso (pelo contrário até, eles tomaram muitas pragas na moleira, do jeitinho que o Deus desse filme gostaria).
Mas esse filme, apesar de esculachar com a imagem de Deus, conseguiu ser altamente espirituoso, principalmente na busca de elementos humanos. Ea encontrava pessoas que podiam ter os piores defeitos (tarados, maníacos, etc.), mas sempre encontrava uma coisa boa no interior deles, conduzindo-os ao caminho da redenção, sendo essa uma parte lindíssima do filme e justificando seu título.
Agora, o que chama a atenção é a quantidade de situações inusitadas que vão transcorrendo ao longo da película nessa nova construção da fé. A impressão que se deu é a de que as manifestações de amor ao próximo e o entendimento entre as pessoas podem surgir dos lugares mais marginalizados possíveis da sociedade, seja nos moradores de rua, nos pervertidos, homossexuais ou psicopatas. Foi mais um golpe agressivo contra certas hipocrisias que vemos em grupos tradicionais por aí e que só abrilhantam mais a película.
Os atores estavam impecáveis. Deneuve, não preciso nem falar. Ela topou fazer essa película muito doida (a verdadeira boa atriz faz qualquer papel, é o que eu sempre digo), chegando a contracenar com um gorila (!), com a mesma delicadeza de uma mulher outrora linda que hoje é uma interessantíssima madame. Benoît Poelvoorde estava magnífico como um Deus ruim, sendo odioso e ridículo ao mesmo tempo. E foi uma gratíssima surpresa a menininha Pili Groyne, no papel de Ea.

Dessa forma, “O Novíssimo Testamento” prima por sua originalidade e poder de contestação, sendo mais uma excelente pedida para esse início de ano, cheio de boas películas por aí. Não deixe de assistir a esse ótimo filme quando sair em DVD. E não deixe de ver o trailer após as fotos.

Cartaz do Filme

Um Deus politicamente incorreto

Uma família em crise

Prazer em ferrar os outros

Leis que acabam com nossa paciência

Ea busca se vingar das maldades do pai...

... o que deu um problema federal!!!

O amor pode se manifestar nos lugares mais inusitados




domingo, 28 de fevereiro de 2016

Resenha de Filme - Tangerine

Tangerine. Bonecas À Beira De Um Ataque De Nervos.
Um filme para lá de frenético em nossas telonas. Sensação no Festival de Sundance, “Tangerine”, dirigido por Sam Baker, fala de uma véspera de natal em Los Angeles no meio gay. E essa tal véspera de natal vai acontecer de forma extremamente tensa, onde podemos presenciar todo o cotidiano da vida da prostituição de travestis. Boa parte do filme foi feita com câmera de celular, o que se constitui uma novidade e encoraja um monte de gente por aí que tem tinos para filmagem de produzir suas películas “eletrônicas”.
Mas, no que consiste o filme? Vemos aqui a prostituta transexual Sin-Dee (interpretada por Kitana KiKi Rodriguez) e sua amiga, Alexandra (interpretada por Mya Taylor), outra prostituta transexual, numa pequena lanchonete conversando. Sin-Dee acabou de sair da cadeia e sabe por sua amiga que seu namorado Chester (interpretado por James Ransone) tem um caso com uma mulher de verdade. Barraqueira como ela só, Sin-Dee sai pela cidade atrás da “bitch” e de Chester, provocando enormes confusões. Paralelamente à história das transexs, vemos a história do taxista armênio Razmik (interpretado por Karren Karagulian), que é bem casado, tem uma boa casa, mas adora pegar uns travecos na rua. É claro que essas duas histórias se cruzarão num momento, mas aí já é dar “spoilers” demais.
O filme tem um tom um tanto escrachado de comédia, sobretudo com os escândalos de Sin-Dee, cujo nome é completado com o sufixo “rella”, responsável pelos principais tons cômicos da coisa. O ritmo da película é também muito rápido em alguns momentos, regado à muita música eletrônica, o que deixa a história um tanto insólita, cheia de situações absurdas que rapidamente vêm e vão. Mas esse também é um filme triste, onde vemos pessoas estressadas e infelizes em plena noite de natal, ainda por cima, sem neve, por se passar em Los Angeles. Mais do que um filme de transexs e travestis, esse é um filme sobre relações humanas, onde as pessoas ferem e se ferem com os outros, e parece não haver muita compaixão com o sentimento alheio, pelo menos em boa parte da história. Todo o estado de agressividade e beligerância entre os personagens só é uma capa externa para esconder a verdadeira natureza de todos, que é a de seres humanos extremamente frágeis e sensíveis. Devo confessar que gosto muito de filmes construídos nessa estrutura, ou seja, filmes que falam de segmentos muito marginalizados pela sociedade de um ponto de vista totalmente humano. Ao expor fragilidades humanas de pessoas marginalizadas, o filme contribui para que haja um elo entre o público (que já se fragilizou alguma vez em sua vida privada) e os personagens, o que cria uma identificação e ajuda a combater o preconceito. E, apesar de todos os barracos e escândalos que apimentam a história no início, a exposição das fragilidades vem na medida certa e da forma mais oportuna possível, identificando gays e homossexuais como figuras humanas como quaisquer outras.

Dessa forma, “Tangerine” é uma película muito peculiar, pois é uma comédia escrachada sobre transexs, mas também é um bom drama que sabe humanizar os personagens e despir os olhos do público de preconceitos. Vale a pena dar uma conferida. E não deixe de ver o trailer após as fotos.

 
Cartaz do filme.

Duas amigas e uma revelação...

Andando pelas ruas de Los Angeles...

Pegando a "bitch"...

Confrontando o amante.

Filmagens...

Sam Baker e suas "meninas"...

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Resenha de Filme - O Quarto de Jack

O Quarto De Jack. A Prisão Interior.
Mais um filme que briga pelo Oscar em nossas telonas. “O Quarto de Jack” disputa quatro estatuetas (melhor filme, atriz para Brie Larson, direção para Lenny Abrahamson, e roteiro adaptado, baseado no livro de Emma Donoghue) e é um filme inusitado, pois fala de uma situação absurda, extraída da vida real norte-americana: o sequestro de moças e o cárcere privado delas por muitos anos. Um típico caso de arte que imita a vida, sendo esta última muito mais criativa que a primeira.
Vemos aqui a história de Jack (interpretado por Jacob Tremblay), um garotinho de cinco anos que vive com sua mãe (interpretada por Brie Larson) num pequeno galpão improvisado. Jack vive lá desde que nasceu, pois a mãe foi sequestrada e mantida em cárcere privado por Nick (interpretado por Sean Bridgers). O menino é fruto dos sucessivos estupros que a mãe sofreu de Nick. Para esconder toda essa trágica história do filho, a mãe criou todo um mundo imaginário para a criança. Mas quando o garotinho fez cinco anos, a mãe decidiu contar toda a verdade a Jack, com o objetivo de elaborar um plano para escapar do quartinho. O plano dá certo e o filme passa a falar como vai ser a experiência da mãe e do filho ao lidarem com o mundo exterior, sendo a mãe depois de vários anos de isolamento e Jack, bem, é a primeira vez que ele tem contato com o mundo.
Essa é uma película extremamente sensível e tocante, que consegue tratar com delicadeza um tema muito pesado. O grande problema aqui para os personagens foi superar o trauma depois de tantos anos de isolamento. A mãe não se conformava em ver que a família seguiu sua vida em sua ausência, embora não tivesse sido bem assim. Já Jack teve que lidar com todas as mazelas do mundo exterior e real, depois de uma blindagem por toda a sua curta vida, além de ter o desafio de se relacionar com outras pessoas que não fossem a sua mãe. É como se mãe e filho trouxessem dentro de seus íntimos o quarto em que ficaram tantos anos trancados, revelando uma verdadeira prisão interior que os tornou incompatíveis de se relacionar com o mundo exterior. Para a mãe, tal retorno foi bem mais traumático, pois houve um inevitável sentimento de culpa por ver o filho naquela situação, apesar de ela ser mais uma vítima de todo o contexto. Para Jack, entretanto, apesar da experiência também dolorosa, houve momentos de alegria e de descoberta de um mundo totalmente novo que o cercava e com o qual agora ele interagia. Duas faces de naturezas humanas extremamente fragilizadas por uma situação de violência gritante.
As atuações dos atores estavam primorosas. Jacob Tremblay, o menininho que interpretou Jack, tinha algo de levemente andrógino, por ter longos cabelos, resultado de anos de confinamento, e por ser um garotinho muito sensível, onde suas cenas de choro convenciam e emocionavam. Já Brie Larson, que interpretou a mãe, também convenceu com uma excelente carga dramática, principalmente nos momentos em que tinha dificuldades em lidar novamente com a família depois dos anos de cativeiro. Sua atuação faz jus a indicação de melhor atriz, sendo uma forte candidata no grupo de mocinhas de cara nova. Um mau sinal é que ela já levou o Globo de Ouro de atriz dramática, mas... quem sabe? A película ainda teve uma breve, mas boa participação do excelente ator William Macy, que fez o papel de pai da mãe de Jack.

Dessa forma, “O Quarto de Jack” é um excelente filme que concorre ao Oscar esse ano e talvez seja um dos mais tocantes entre todos que disputam as estatuetas douradas. É um drama doce e delicado, mas que também tem um sabor ácido em virtude de abordar uma situação tão absurda como real que é a questão dos sequestros e cárcere privado de moças nos Estados Unidos. Um filme para refletir e se emocionar. E não deixem de ver o trailer depois das fotos.

Cartaz do filme.

Mamãe e Jack, trancados num mundinho

Seguidamente oprimidos

Revelando a existência de um mundo exterior

Um plano de fuga

Primeiro contato com a realidade

Tendo de lidar com o mundo real

Mas todo recomeço é difícil

William Macy (centro) teve uma rápida, mas boa aparição

União muito forte, construída pelos anos de clausura...

Brie Larson já levou o Globo de Ouro. Será que leva o Oscar???





sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Resenha de Filme - Suíte Francesa

Suíte Francesa. Amor Em Tempos De Guerra.
Quando falamos de filmes históricos, é impressionante a quantidade de películas que se remetem à Segunda Guerra Mundial. E o tema parece não se esgotar, pois, volta e meia, sempre aparece mais um filme falando desse período da História. É o caso do drama “Suíte Francesa”, que está em nossas telonas. Apesar de ser um filme de guerra, a temática está mais voltada para um romance.
Vemos aqui a história de Lucile Angellier (interpretada por Michelle Williams) uma moça que vivia com a sogra, a avarenta Madame Angellier (interpretada por Kristin Scott Thomas), pertencente a uma rica família local de uma cidadezinha de interior da França. Ambas esperavam o retorno do marido e filho, que era prisioneiro de guerra dos nazistas. E, enquanto isso, Madame Angellier cobrava os aluguéis dos seus inquilinos pobres sem dó nem piedade. A invasão nazista a Paris fez com que muitos parisienses chegassem fugidos à cidadezinha, com os nazistas em seu encalço. E os alemães se instalaram na cidade, sendo que algumas pessoas tinham que recebê-los em casa. Isso aconteceu com Lucile e Madame Angellier, que tiveram que hospedar o fino e educado Bruno von Falk (interpretado por Matthias Schoenaerts). Falk logo mostrará um interesse por Lucile e tentará se aproximar. Mas esse possível romance enfrentaria uma série de obstáculos, indo desde a sogra até a reprovação de toda a cidade, onde Lucile era vista como uma colaboradora dos nazistas. A situação piorou quando os nazistas começaram a abusar da hospitalidade e encontraram resistência.
É uma história de amor um tanto truncada pelas intervenções da guerra, que se mostraram mais interessantes que a trama amorosa em si. Houve muito pouco espaço para beijos e cenas mais sensuais (para não dizer, de forma indelicada, amassos). Os atores que estiveram melhor foram Kristin Scott Thomas, fazendo uma odiosa sogra que tem seu coração amolecido com o tempo, em virtude das agruras da guerra, e Matthias Schoenaerts, na pela de Bruno von Falk, que conseguia ser delicado em alguns momentos e extremamente ríspido em outros, como um bom nazista exige. Michelle Williams até que foi bem, mas teve sua atuação um pouco ofuscada pelos dois atores anteriormente mencionados.
Um detalhe interessante foi a forma como a comunidade da cidadezinha se comportou durante a ocupação nazista. Bruno von Falk devia ler todas as cartas que denunciassem certas situações, e os moradores da cidade usaram esse sistema postal para acertar antigas diferenças, entregando seus desafetos de bandeja aos nazistas. É impressionante como a perversão humana atua até nas horas mais impróprias.

Dessa forma “Suíte Francesa” é mais um filme de romance em tempos de guerra, que privilegia mais a guerra do que o romance propriamente dito. Um filme um tanto inverossímil para a realidade que retratava, mas, como sempre digo aqui, o cinema não tem compromisso com a realidade, sendo a verdadeira arte do ilusório. É um filme em que a gente se horroriza com a guerra, mas não tem muito mais do que isso a nos mostrar. É uma historinha de amor morna. 

Cartaz do Filme

Um amor impossível

Uma sogra venal

A crua realidade da guerra

Rotina de ataques

Visitantes indesejados

Mal vista nas ruas

Poucos momentos de delicadeza





quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Resenha de Filme - O Abraço da Serpente

O Abraço Da Serpente. Ecos Da Floresta.
Mais um filme que concorre ao Oscar de melhor película estrangeira estreou em nossas telonas. “O Abraço da Serpente” é uma co-produção da Colômbia, Venezuela e Argentina, que desperta muita atenção por sua riquíssima diversidade cultural e por sua denúncia da presença branca e europeia na Floresta Amazônica, assim como suas perversas técnicas de exploração. Isso sem falar que a película foi filmada num excelente preto e branco que muito se assemelhava às imagens reais e antigas de expedições europeias pela floresta.
Vemos aqui a história de Karamakate (interpretado em sua juventude por Nilbio Torres e em sua velhice por Antonio Bolívar), um xamã da floresta que era considerado o último sobrevivente de sua etnia e que vivia isolado na floresta. Um belo dia, ele recebe a visita do explorador alemão Theo Von Martius (interpretado por Jan Bijvoet) e seu auxiliar Manduca (interpretado por Yauenkü Migue). Theo está muito doente e a sua única chance de viver é consumindo uma planta medicinal existente na antiga aldeia de Karamakate. O xamã, ressabiado com os brancos como ele só, e não sem motivo, não queria ajudar Theo. Mas Manduca conseguiu convencer o solitário indígena e os três descem o rio de barco em busca da tribo (e planta) perdida. Paralelamente a essa história, vemos Karamakate quarenta anos depois, recebendo a visita de outro explorador alemão, Evan (interpretado por Brionne Davis), procurando a mesma planta, e o velho índio irá refazer a jornada.
Esse é, acima de tudo, um filme de denúncia dos maus tratos dos brancos sobre os índios. Podemos ver vários aspectos da presença nociva dos brancos: o etnocídio que destrói a cultura dos índios nas missões religiosas lideradas por padres tresloucados; a sangrenta exploração escrava dos fazendeiros de seringais da Amazônia; a visão preconceituosa do branco para com o índio, partindo inclusive dos exploradores europeus que querem aprender a cultura das nações indígenas e divulgá-las. O filme também mostra toda uma cosmogonia das culturas indígenas, principalmente nas visões de mundo de Karamakate e seus mitos de criação. Definitivamente, é uma película que é um convite à reflexão e a um estudo etnográfico dos povos da floresta. Como uma instigante curiosidade, e como reflexo de uma enorme diversidade presente no filme, temos diálogos em vários idiomas, indo de diferentes dialetos indígenas, chegando até a idiomas europeus como o espanhol, o português e o alemão. As situações de choque cultural também são notáveis, onde vemos preconceitos de lado a lado, com Karamakate estranhando a necessidade dos brancos de carregar malas e todo o seu ressentimento contra os europeus por causa do etnocídio indígena, além dos já costumeiros preconceitos dos brancos contra os índios, onde suas práticas religiosas são consideradas coisas do demônio para a Igreja, por exemplo. Manduca seria uma espécie de mediador entre as visões de mundo dos brancos e dos índios, entendendo a importância dos brancos conhecerem a cultura dos índios para a sobrevivência dos próprios índios. Já von Martius e Evan, apesar de uma boa vontade com a cultura indígena, muitas vezes exibiam preconceitos implícitos, como no caso em que von Martius não queria que os índios aprendessem a usar uma bússola para não descaracterizar a sua cultura, sendo repreendido veementemente por Karamakate que dizia que o alemão não podia proibir os índios de aprender, pois o conhecimento pertence a todos.
Confesso que, apesar de “O Abraço da Serpente” ser um excelente filme e de ser o candidato sul-americano ao Oscar, há uma forte concorrência com as outras películas e não sei se ele poderá ter grandes chances. Seria muito legal ver um filme com um tema tão caro à nossa história ganhar o Oscar. Mas “Filho de Saul”, “Cinco Graças” e “Lobo do Deserto” também são excelentes.

Assim, “O Abraço da Serpente” é mais um bom filme que concorre ao Oscar que só aumenta ainda mais a generosa oferta de películas deste início de ano, antecedendo a festa do dia 28 de fevereiro. E não deixe de ver o trailer após as fotos.

Cartaz do Filme

Karamakate, o último de sua etnia.

Índios e brancos. Uma relação complicada

A contragosto, o xamã faz uma viagem

Situações de estranhamento podem levar a altas risadas.

Curando um doente

Encontrando situações das mais inusitadas

Fotografia que apreende almas...

Karamakate, já idoso, refaz sua viagem

Filmagens



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Resenha de Filme - O Filho de Saul

O Filho De Saul. Um Funeral Muito Arriscado.
Mais um filme que concorre ao Oscar. Diretamente da Hungria, “O Filho de Saul” concorre à estatueta de melhor filme estrangeiro, tendo já ganho o Globo de Ouro por essa categoria, além do Grande Prêmio de Cannes, ano passado. É mais um filme sobre Segunda Guerra Mundial e Holocausto, só que dessa vez podemos dizer que ele é extremamente impactante, sendo bem diferente do que se tem visto por aí.
Vemos aqui a história de Saul Ausländer (interpretado por Géza Röhrig), integrante de um grupo chamado “Sonderkommand”, que consistia de prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz que eram responsáveis por conduzir os demais presos à câmara de gás, revistar as roupas dos prisioneiros em busca de objetos de valor, transportar os corpos para os fornos crematórios, jogar as cinzas dos mortos no rio. É apenas questão de tempo para que os membros do “Sonderkommand” sejam executados. Nesse meio tempo, Saul encontra dentro da câmara de gás um menino moribundo, que resistiu ao veneno. Entregue a um médico nazista, este mata o garoto sufocando-o. Mas a resistência do menino intriga o médico, que quer fazer uma autópsia. Saul observa a tudo estarrecido e decide dar um enterro digno ao garoto, com a presença de um rabino e tudo, inclusive dizendo que era o pai do menino. Só que, para conseguir tudo isso, Saul passará por situações arriscadíssimas em meio a nazistas extremamente cruéis e sanguinários.
É um filme altamente traumatizante e sufocante. Para começar, a cópia é daquelas que mostram a imagem na tela de uma forma bem estreitinha, como se a gente estivesse vendo uma película de 16 mm. Mas não é apenas essa limitação técnica que faz a exibição tomar tons agônicos. O diretor László Nemes optou por transformar a câmara numa espécie de “personagem”, andando boa parte do tempo grudada em Saul, como se fôssemos uma pessoa que o acompanhava. E, enquanto isso, todo o tipo de atrocidades ocorrendo à sua volta: gritos de pessoas morrendo envenenadas, imagens de relance de pilhas de corpos, chãos ensanguentados sendo limpos, massacres de pessoas em fossos, etc., tudo muito angustiante e claustrofóbico, exibido às vezes de forma desfocada, dando a impressão de que o filme é um enorme pesadelo. Esse talvez tenha sido um dos filmes mais realistas sobre a guerra, lembrando os trinta minutos iniciais de “O Resgate do Soldado Ryan”, de Spielberg, onde víamos o desembarque dos aliados na Normandia da visão de quem estava dentro do campo de batalha. Agora, os horrores dos genocídios de Auschwitz são exibidos num mesmo contorno, de forma extremamente impactante e realista. É uma coisa desagradável de se ver, mas colocada de uma forma altamente pertinente para denunciar da forma mais gritante os crimes do nazismo.
Outro ponto que merece um grande destaque é a obsessão do personagem Saul em enterrar o menino morto. Aparentemente podemos considerar uma loucura dar um enterro digno a uma pessoa quando a sua própria vida está em risco. Mas não podemos nos esquecer também de que esse enterro é um senhor ato de resistência e manutenção de seus parâmetros culturais frente à invasão do povo estrangeiro que quer simplesmente riscar do mapa todo um povo e sua maneira de ser. A indústria de matança do campo de concentração usava cremações em massa, contra os enterros feitos pelos judeus. Para Saul, tornou-se uma questão de honra e de sobrevivência de sua cultura dar um enterro digno ao garoto provando que, em meio a todo aquele caos, ainda se podia resistir ao aniquilamento que os nazistas empreendiam.

Dessa forma, “O Filho de Saul” é um grande filme produzido na Hungria que merece, e muito, a estatueta de melhor película estrangeira. O diretor, com o uso angustiante e tresloucado de sua câmara, joga nós, espectadores, nos horrores de um campo de concentração como poucas vezes foi visto. Um filme fundamental. Não deixe de ver o trailer após as fotos.

Saul. Em busca de um enterro digno.

Limpando corpos...

Seus colegas do campo de concentração não entendiam sua atitude

O tempo todo no fio da navalha

Procurando um rabino

Violenta opressão nazista

A equipe do filme exibindo, orgulhosa, o Globo de Ouro